segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Os negros e suas lutas após a abolição.

Nas últimas décadas do século XIX, momento da derrocada final do regime escravocrata em nosso país, movimentos abolicionistas e projetos de lei foram acompanhados tanto por um processo de fuga em massa dos escravos, como por intensa mobilização popular, principalmente nas áreas urbanas. Mas as lutas por parte dos negros para alcançar a tão sonhada liberdade, não se iniciam neste final do século com a causa abolicionista. Este momento foi o de culminância de todas as suas lutas. A partir de 1888, o que passa a haver é uma busca para se obter maiores direitos políticos e participação dentro da sociedade constituída. Como dito anteriormente, leis foram criadas para atender as demandas daqueles que por séculos foram vítimas da escravidão. Logo após a abolição da escravatura no ano de 1888, vários grupos políticos formados por ex escravos, se unem para reivindicar o cumprimento destas leis que deveriam lhes trazer algumas reparações, como, por exemplo, o fundo de emancipação de 1871, que destinava recursos do governo imperial para as emancipações, e, principalmente no caso da parcela que se destinava a educação dos filhos dos recém libertos. Em abril de 1889, uma comissão formada por ex cativos do vale do Paraíba, Rio de Janeiro, enviam uma correspondência ao então Ministro da república, o Sr. Rui Barbosa, em que lhe pedem apoio para que tais questões pudessem ser postas em discussão, e conseqüentemente em prática. Um trecho da carta da comissão dizia o seguinte:
“Para fugir do grande perigo que corremos por falta de instrução, vimos pedi-la (educação) para nossos filhos e para que eles não ergam mão assassina para abater aqueles que querem a república, que é liberdade, igualdade e fraternidade”.

Podemos ver neste trecho, que aqueles que por muito tempo estiveram sob o jugo da escravidão, viam com certa clareza aquilo que a república “pretendia lhes oferecer”. Não possuo informações a respeito da resposta de Rui Barbosa á carta da comissão do vale do Paraíba, mas o que os fatos nos atestam é que independentemente de se a resposta Fora positiva ou negativa, as políticas públicas para este seguimento social foi algo inexistente.
As primeiras décadas da pós-emancipação foram decisivas para “o sentido de liberdade, cidadania e autonomia” para os recém libertos. A discussão girava em torno do sentido destas palavras para os negros. O que significaria liberdade? Gomes nos diz o seguinte:
“No mundo rural, migrações familiares alternavam-se com arranjos coletivos, e o status dos negros oscilava entre o de camponeses, parceiros e vadios, abrindo fronteiras ou fechando portas. Nas áreas urbanas, ao contrário do êxodo rural de uma suposta desqualificada massa negra alijada do mercado de trabalho, assistia-se ao ressurgimento de tradições operárias, em que o debate sobre raça e nação podia ser travado no braço.

Boa parte dos negros não vira mudanças significativas em suas vidas. Suas condições de trabalho pouco ou nada evoluíram. O que a abolição veio trazer inicialmente, fora apenas uma maior possibilidade de movimentação, de distanciamento dos locais onde viviam escravizados, de se tornarem “andarilhos da sobrevivência”.
Nos anos que se seguiram a abolição, houve uma enorme expectativa em torno das formas de controle da população negra recém liberta. Abolicionistas, fazendeiros e monarquistas se viam envoltos com tais questões. Trata-se de um momento em que os principais centros do país se encontram em ebulição. E é neste momento que novos personagens surgem na cena política. Gomes revela que a partir da criação da guarda negra, em fins de 1888, o movimento negro ganhou renovada visibilidade. Ruas e editoriais transformaram-se em palco de enfrentamentos políticos. A guarda esteve envolta em vários acontecimentos conflitantes durante o fim do império. Em Campinas, no ano de 1889, foram distribuídos panfletos em que se encontrava o título “Protestos dos homens de cor”, em que se lia entre outros assuntos, o seguinte:
“os libertos aqui reunidos em assembléia popular para tratarem do interesse de sua classe, vêm declarar que de modo algum concordam com a organização da guarda negra com o fim de defender o trono da princesa”.

Este grupo de pessoas sabia que a guarda negra estava sendo manipulada politicamente, e que a princesa Isabel não fora nenhuma “redentora” de sua raça. A abolição se deu através de um longo e complicado processo de lutas, com inúmeros atores, influências externas e internas, surgimento do modo de produção capitalista, que passa a gerar uma contradição com o capitalismo, e conseqüentemente de uma mudança nas ideologias predominantes até então. Desta forma, não se pode atribuir a princesa nenhuma honraria pelo acontecido. A mesma teve pouca, ou nenhuma influência no processo da lei áurea.
No alvorecer do século XX, os movimentos de mobilização encabeçados por lideranças negras e seus partidários, continuam sua jornada. A “imprensa negra” é a parte mais conhecida e citada nas primeiras décadas deste século. Esta imprensa procurava denunciar o preconceito e as condições de acesso a “cidadania” que foram impostas aos negros. Na maior parte foram publicações de vida curta, e que tiveram financiamento de jornalistas e gráficos negros. Seus principais objetivos eram refletir sobre a abolição e seus desdobramentos. Estes periódicos constituíram-se em instrumentos de comunicação entre vários setores da sociedade, como associações e entidades negras, grupos de intelectuais, que procuravam através destes instrumentos encontrar soluções para o problema negro.
A participação do negro na política brasileira no início do século XX, não esteve restrita aos periódicos, a atuação da guarda negra, ou a pura e simples panfletagem. Houve participação ativa também em sindicatos, cultos religiosos e locais de socialização, como lugares em que se praticavam esportes como o futebol, ou clubes de dança.
Apesar de tais acontecimentos, estes movimentos eram vistos como pouco organizados, sem definições claras e com pouca participação política efetiva. Gomes nos diz que não foram feitas pesquisas aprofundadas a respeito do assunto para se aceitar definitivamente tal afirmativa. O mesmo autor relata que a população negra não estava apática e nem ficou a esperar pelas políticas públicas, que pouco ou nada até então teriam feito, ou que pretendiam fazer em benefício do negro.
Posteriormente no ano de 1931, é criado mais um grupo de luta pelos direitos dos negros. Trata-se da Frente Negra Brasileira (FNB). Tal entidade conseguiu reunir grande número de participantes que, devido à situação em que se encontrava o país, com crises econômicas, principalmente devido à quebra da bolsa de Nova York dois anos antes, em 1929, levava a grande massa que se encontrava em dificuldades a esperar melhorias. Os negros, já mais do que acostumados a dificuldades, passam a esperar mais do que ninguém por mudanças. Mas, veremos que estas mudanças ainda iriam demorar mais algum tempo.
Na década de 1930, mais especificamente no ano de 1937, que tem como acontecimento histórico de maior repercussão no país a instauração do estado novo de Getúlio Vargas, que, para se perpetuar como governante usa como pretexto uma possível tentativa de tomada de poder por parte dos comunistas, e a partir de então aplica um golpe e se mantém no comando da república. Entre seus atos ditatoriais, o que vai de encontro à luta do movimento negro é a dissolução dos partidos políticos, que irá afetar diretamente a FNB. A imposição do estado Varguista marca o fim ou pelo menos a interrupção de um momento de intensa mobilização política nas comunidades negras do Brasil. Os movimentos sociais são obrigados a conter a maior parte de suas ações devido à repressão promovida pelo governo Vargas. A FNB tinha até então atuação destacada na luta contra discriminação racial. Há que se ressaltar que as sociedades negras não desaparecem completamente neste período. Clubes sociais e sociedades de dança de cunho político continuam a operar, e uma delas, a sociedade José do Patrocínio obtêm sucesso ao solicitar ao governo Vargas à proibição de anúncios em jornais que enfatizassem a questão de cor e raça para a concessão de empregos.
Outro movimento que deve ser destacado, e que conseguiu se manter ativo dentro deste período de privação de direitos, foi o promovido por Abdias do Nascimento e seu teatro experimental do negro, que criado no ano de 1944, buscava conscientizar os afro descendentes sobre o preconceito racial e o papel do negro dentro da sociedade a partir de ações sócio-culturais. Estes movimentos foram alvos de inúmeros ataques de outros órgãos de comunicação e da elite socialmente constituída no país. O jornal Correio Paulistano em sua edição de 16 de julho de 1950 exclamava:
Teatro negro, jornal negro, clube de negros... Agora já se falam mesmo em candidatos negros ao pleito de outubro. Pode-se imaginar um movimento pior e mais danoso ao espírito da nossa formação democrática? Vale a pena combatê-lo desde logo, sem prejuízo dos direitos que os homens de cor reclamam e nunca lhes foram dados. Do contrário, em vez de preconceito de brancos paradoxalmente, teremos preconceito de negros. A tais extremos conduzem não ao racismo (que não existe entre nós), mas o espírito de imitação [supostamente do movimento negro nos Estados Unidos].

Bem, fico um pouco confuso com tanta contradição dentro de um texto com um único e mísero parágrafo. Para tal editor, ou editores, não é possível a organização de movimentos de grupos excluídos socialmente. Não é possível a idéia de um candidato negro a um cargo político. Jornais de negros? Clubes? Nada disto. Mas mesmo assim o editor diz que em nosso país não há racismo. Que não somos racistas. É confuso, mas, ao mesmo tempo, nos leva a questionar a própria idéia de fim da escravidão, de democracia e República. Afinal, a democracia não fala em governo do povo pelo povo? Ou os negros não faziam parte do povo? E a república. Esta não diz tratar de “igualdade, fraternidade e liberdade”? Ou será que não vivíamos em uma república democrática? É fato que estávamos vivendo sob uma ditadura; a chamada era Vargas. Correto. Mas será que a república democrática do período anterior a 1937 era diferente? Posso lhes dizer com ampla margem de acerto que os negros eram ainda mais discriminados.
Observação importante a ser feita é referente à repercussão que os movimentos sociais negros vinham causando. Para a elite social dominante, se tratava apenas de uma celeuma que devia ser contida o mais rapidamente, por não ser possível se justificar tais movimentos dentro de uma sociedade sem “preconceitos”. Podemos entender que estas organizações negras se encontravam em evidência e causando certo incômodo para o status quo brasileiro.
Dando prosseguimento a nossa análise, veremos ainda nos anos 1950 a fundação da associação cultural do negro, com uma atitude de reivindicação ideológica, que buscava desenvolver e conscientizar jovens negros utilizando como instrumento, tanto o esporte quanto a cultura. Esta associação teve vida curta, apesar de um início entusiasmado. Estes anos 1950, serão de intensos acontecimentos. No que diz respeito ao problema negro, gostaria de citar a lei Afonso Arinos de 1951, que veio para tentar conter o antagonismo racial que assolava nossa sociedade havia séculos. Esta lei tornou ilegal a discriminação racial nos serviços, na educação e em empregos públicos. Afonso Arinos alegou que criara tal projeto devido à discriminação que seu motorista particular havia sofrido. Mas o que de fato ocorreu foi um episódio com uma bailarina afro-americana que passou por vários constrangimentos em um hotel na cidade de São Paulo, e que teve grande repercussão tanto na imprensa nacional quanto internacional.
Como já citado anteriormente, neste período os movimentos sociais passam por sérios problemas, e acabam por ter suas atividades sociais e políticas cerceadas. Como proposta política, o movimento negro só voltaria à tona na década de 1970, mais especificamente no ano de 78, quando um ato público na cidade de São Paulo, contando com grande número de manifestantes que protestavam pela morte de quatro jovens em um clube da capital paulista. A partir de tal ato, surge o Movimento Negro Unificado contra a discriminação racial (MNU). Este movimento dará início a vários debates sobre a temática negra, e será ponto de partida para a criação, no ano de 1984, do primeiro órgão público de apoio aos movimentos sociais afro brasileiros: o Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra, no estado de São Paulo.
Na década de 1980 outras importantes conquistas foram alcançadas. Instituições e leis como a fundação Palmares, no Ministério da Cultura, o conselho de participação e desenvolvimento da comunidade negra em São Paulo, a secretaria Extraordinária de Defesa e Promoção das Populações Afro-brasileiras no Rio de Janeiro, e o conselho e a lei Caó, que são exemplos de maior vulto das conquistas do movimento negro nesta década. Aliás, a criação da lei Caó, ou lei número 7.716 se deu após muitas lutas para sua aprovação. Como em todos os momentos da luta negra neste país, este não fora também nada fácil.
Já na década de 1990, o movimento negro passa a contar com um movimento de apoio a suas lutas: o movimento das centrais sindicais. Estes movimentos que buscavam promover variadas mudanças dentro de nossa sociedade, passam a colocar em suas pautas a questão racial, reconhecendo sua importância para a busca de um desenvolvimento social menos excludente.
Podemos perceber com certa clareza, que a luta do movimento negro enquanto entidade política consegue a partir de meados do século XIX, obter inúmeras conquistas. Falo do século XIX por entender que tal movimento se inicia neste período, ou quem sabe séculos antes, bem antes da guarda negra ou dos movimentos abolicionistas. Não é possível desvencilhar determinados atos de grupos de escravizados, das lutas que irão se desenrolar no século seguinte. Vários foram os meios utilizados pelos negros para alcançar seus objetivos, e as lutas travadas por grupos organizados, que promoveram revoltas, acionaram a justiça e reivindicaram junto a seus senhores melhores condições, foram atos que considero como a gênese constitutiva dos movimentos negros do século XX.
Concretamente, é somente a partir do século XXI que se começa a serem tomadas medidas efetivas de políticas raciais. Temos uma pequena idéia de tudo o que já se passou no decorrer da História das lutas sociais por melhores condições e diminuição das injustiças. Sabemos que o caminho a ser percorrido é ainda maior do que o que ficou para trás. Mas se ao fim deste caminho não encontrarmos aquilo que desejamos, acredito que ao menos teremos diminuído um pouco da distância.
                                                                                                   Alex Grijó

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