sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Contra o aborto e a favor da guerra...
            A discussão a respeito da legalidade ou não do aborto ocupou recentemente as páginas de periódicos, a pauta de discussões partidárias, religiosas e de toda a sociedade constituída. Discutia-se o direito de escolha da mãe, ou do casal, a respeito de  poder querer ou não continuar uma gravidez indesejada independente do motivo. De minha parte considero uma intromissão muito grande do estado no direito pessoal de uma pessoa, que, mais do que ninguém, é quem pode saber se poderá cuidar de outra vida, dando lhe condições dignas de sobrevivência. Mas não irei discutir aqui minhas opiniões. Pretendo apenas apresentar como teriam surgido as campanhas contra o “fim da vida”, e como outros países vêem este procedimento.
 
A preocupação com a questão do aborto, e com as políticas de saúde pública nascem dentro de um contexto de grave crise no continente europeu. Surgem a partir de um momento definido pelo historiador Eric Hobsbawm como a “era dos extremos”. Estamos falando do período do entre e pós guerras mundiais do século XX. Infelizmente os dados que apresentarei são sempre omitidos dos debates de televisão ou propriamente das discussões políticas, pois, talvez se não o fossem, muita gente poderia ter opiniões um tanto quanto diferentes.
Na Europa a preocupação com o tamanho das populações se insere exatamente no período anterior a eclosão da primeira grande guerra em 1914. Os índices de natalidade de boa parte do continente se encontravam em vertiginosa queda. Essa preocupação tinha inclusive certa especificidade: a queda das taxas de natalidade da “raça” branca. Tratava-se de um consenso entre muitos especialistas de que o número da população influenciaria na força da nação diante de conflitos bélicos. Havia uma política clara dentro de muitos estados europeus, como por exemplo, Alemanha, Itália e Suécia, de se promover um estoque de seres humanos saudáveis e desejáveis. Era a busca de um número elevado de pessoas, mas que não possuíssem defeitos. Para isto, políticas de esterilização ocorreram em larga escala. As pessoas ditas “indesejáveis”, como deficientes físicos, mentais, surdos, cidadãos sexualmente “promíscuos” eram vistos como ameaça a estabilidade e prosperidade da “família” burguesa branca. Por isso deveriam ser extirpadas em médio prazo. Em muitos casos eram assassinadas de imediato. Estas práticas de esterilização de pessoas “indesejadas” continuou a ocorrer até bem pouco tempo em países como a Suécia e Suíça, por exemplo. A Alemanha de Adolf Hitler não fora uma exceção como muitos imaginam. A prática da eugenia fora difundida em muitas partes do mundo, como no caso dos Estados Unidos principalmente.
 
 A primeira guerra mundial matou algo em torno de 20 milhões de pessoas. Destes, pelo menos oito milhões eram de homens jovens. Esta ausência seria sentida e provocou a necessidade de políticas públicas que buscassem formas de se preencher este vácuo humano. Só na Alemanha, o número de viúvas deste pós guerra ultrapassava meio milhão de mulheres. A maioria nunca mais encontrou um marido. O número dos que voltaram com corpos e mentes dilacerados, e que nunca se recuperaram, ou que cometeram suicídio foi enorme. Por conta disto o Estado passa a intervir com maior ênfase na vida das pessoas, pois como teria dito o ditador italiano Benito Mussolini, “a ordem moral produz a ordem pública.”
Havia uma grande preocupação entre as sociedades européias que era devido a posição de certa independência alcançada por um bom número de mulheres durante a após a guerra. Como é sabido, enquanto os homens iam para as frentes de batalha, mulheres e crianças tinham de tomar seus lugares nas fábricas e indústrias existentes, fazendo com que seus respectivos países não parassem e mantivessem a produção de gêneros de primeira necessidade, inclusive armas para o front de batalha. Trata-se do surgimento da mulher moderna”, que de certa forma começa a por em xeque as posições de homens e mulheres dentro da sociedade. As mulheres passam a partir deste momento a questionar seus papéis de subordinadas dos maridos e requerer mais direitos sociais, principalmente do que se refere a igualdade de oportunidades e de sexo.
 
Na União Soviética, reduto do comunismo mundial, as mulheres tiveram a partir dos anos 1920 algumas conquistas que podemos chamar de revolucionárias. A emancipação bolchevique feminina deu as mulheres o direito de se divorciar, freou o poder da igreja sobre as mesmas, banindo vários privilégios patriarcais que estavam a séculos enraizados naquela sociedade. Falo-se inclusive em se abolir por completo o casamento e em encorajar uniões livres. Eram ataques soviéticos as instituições burguesas.
No restante da Europa a questão era bem diferente. Nenhum outro país tomaria o caso russo como exemplo, e o que mais acontecia era que as mulheres tinham suas posições de inferioridade mantidas. Em poucos lugares as mesmas tiveram acesso ao voto antes dos anos 1930. Os direitos das mulheres esbarravam no tradicional “culto a família burguesa”.
Após a guerra muitas mulheres foram forçadas a abandonar seus postos de trabalho e voltar para seus “devidos lugares”, ou seja, para os afazeres domésticos. Em determinados países, como a Inglaterra, por exemplo, as mulheres ao se casarem tinham de automaticamente pedirem demissão de seus empregos (interessante a respeito das mulheres que trabalhavam fora de casa é que até a década de 1960 elas recebiam seus salários em muitos países depositados nas contas de seus maridos). O fascismo alardeava que “a maternidade era o patriotismo das mulheres”.
 
Como já citado anteriormente, uma das preocupações era a queda na taxa de natalidade deste início de século. Em um momento em que conflitos militares estão prestes a eclodir, pensar em uma redução da população seria algo devastador. A formação dos exércitos nacionais e as melhorias na saúde pública estão intrinsecamente ligadas as previsões de guerras e conflitos em larga escala. Entre os franceses havia um medo crescente de que o aumento da população alemã viesse a lhe criar graves problemas. A eclosão da primeira guerra mundial levou muitos líderes europeus a propagar a idéia de que o papel da mulher era o da procriação e fornecimento de homens fortes e sadios para o desenvolvimento da sociedade. “a gravidez é o serviço ativo da mulher”, diziam. A população européia estava em declínio. Havia previsões de que estacionaria ou que iria diminuir nas próximas décadas. Havia um medo generalizado de que “raças de cor” invadissem o continente para suprir os lugares da “raça” branca. Certa vez em um discurso, Benito Mussolini disse:
“agora vão, e digam às mulheres que ponham muitos filhos no mundo. Muitos filhos!” este discurso fora direcionado as líderes da liga da organização feminina fascista italiana.  Na Alemanha havia o movimento que se posicionava contra o liberalismo das mulheres, a favor das obrigações maternas, e totalmente contra a trabalhadora que não a do lar materno. Ou seja, o papel das mulheres deveria estar limitado ao de mãe e dona de casa, produtora e educadora de soldados.
 
Paralelamente a isto é que surgem as campanhas contrárias ao aborto. Na iminência de guerras, de declínio populacional, os Estados tinham de buscar meios de conter a diminuição de possíveis braços para empunhar fuzis nos fronts de guerra. “o aborto constitui um peso para o estado, pois reduz à contribuição feminina á produção,” teria escrito um médico soviético mostrando que nesse caso, até o comunismo sucumbira a certas necessidades burguesas.
A pressão católica sobre o aborto terá neste momento das guerras mundiais uma intensificação muito grande, pois sua política sempre andara de mãos dadas com as ideologias do estado. A encíclica do papa Pio XI a respeito da santidade do matrimônio veio reforçar isto em 1930.
A partir deste momento vários países europeus passam a tratar como crime o aborto. Na Inglaterra levava a prisão perpétua quem praticasse tal ato. A Itália chegou a cogitar o registro de todos os casos de gravidez no país. “impedir a fecundidade do povo italiano constituía crime”.
Estes Estados citados estão entre os responsáveis diretos pela eclosão das guerras mundiais, e entre os que mais irão perder vidas nestes conflitos. Se as mulheres deixassem de ter filhos, aliada a possibilidade de entrar em uma guerra, poderia resultar em uma derrota política e militar de grande proporção. Para evitar colapsos várias medidas foram tomadas. Alguns países chegaram a cobrar impostos para solteiros, ao mesmo tempo em que promoviam várias políticas para os casados e para os que pretendiam ingressar na instituição matrimonial. Inicialmente isso não ajudou a aumentar os índices de natalidade, pois muitas mulheres entenderam que o que estava por trás de toda aquela pregação, era a da necessidade de crianças para serem transformadas em “buchas de canhão”. São as crianças e jovens que englobam o maior número de mortos nas guerras e conflitos armados.
Atualmente há uma luta pela descriminalização do aborto. Mas esta luta enfrenta várias resistências, que em muitos casos ainda é promovida por aqueles que se identificavam com tais políticas de morte do período entre guerras, como, por exemplo, a igreja católica. O movimento feminino que já luta há quase um século por melhores condições de vida, de igualdade, pelo direito de poder escolher o que fazer com sua vida conduzindo-a da forma que melhor lhe condiz enfrenta muitas resistências para se impor em vários lugares do mundo.
Atualmente o aborto é permitido em muitos dos países que promoveram os conflitos e as políticas anteriormente citadas. Na Inglaterra o aborto é permitido até 24 semanas e por questões econômicas, sociais e médicas. Na frança, e em Portugal também é permitido, variando apenas o período de gestação e também pelos mesmos motivos.  Na Itália é permitido até 90 dias, pelos mesmos motivos, e a qualquer momento se colocar em risco a saúde da mulher ou em caso de estupro. Na Espanha até 12 semanas em caso de estupro e posteriormente por má formação do feto. Nos Estados Unidos o aborto é legalizado, com exceção do estado de Dakota do Sul.
Trata-se de uma questão a ser discutida, mas que de minha parte acredito que nem o Estado, nem ninguém possuem o direito de intervir nas escolhas pessoais de cada um. Quem vai criar o filho é que deve saber de suas possibilidades, e a questão econômica de cada cidadão deve ser preponderante.
Assim como ocorreu em outra época em que se proibia o aborto pela necessidade de soldados para a guerra, hoje no Brasil se proíbe talvez, pelo mesmo motivo, só que para fornecer crianças inocentes para as mãos do tráfico de drogas, para a guerra pela sobrevivência nas favelas e sertões país adentro; para as necessidades cada vez mais de políticas assistencialistas de bolsa miséria, e para todos os outros tipos de políticas sujas que “visam” melhorias para a população e para o bolso dos que as promovem.
O último goitacá...
Ao fazer uma visita recente a cidade de Campos dos Goytacazes, e ir fazendo as naturais perguntas a respeito de uma cidade que pouco conheço, busquei informações junto ao meu amigo Lairte Almeida a respeito do paradeiro dos “primeiros” habitantes daquela terra, e que veio a ganhar este nome devido aos povos que ali habitavam. A resposta de meu nobre colega foi que estes indígenas desapareceram daquelas paisagens, e que hoje permanecem vivos apenas no nome da cidade. Resolvi então fazer uma busca a respeito do paradeiro dos mesmos, começando pelo monumento dedicado aos goitacás, e que se encontrava na entrada da cidade e fora retirado pela prefeitura, mas que hoje ninguém sabe onde se encontra. Encontrei no máximo imagens da retirada do monumento. A figura encontrada expõe de forma bem elucidativa o que de fato ocorreu com estes seres humanos: foram expulsos de suas terras e exterminados num verdadeiro genocídio ainda pouco explicado.




É possível acreditar que a retirada de tal monumento possa ser derivada de certo constrangimento, devido à contradição de em “suas” terras, não serem encontrados nenhum representante deste povo, de não haver instituições que busquem preservar a memória e o passado, de contar suas histórias e manter viva uma cultura rica, proporcionando conhecimento e até produzindo meios de não deixar que coisas parecidas aconteçam novamente, tendo como parceira da crueldade a nossa infeliz passividade e falta de memória.
As populações indígenas que habitavam estas terras quando da chegada dos povos europeus tiveram a partir deste momento duas opções: a primeira seria se tornar escravo e irem morrendo aos poucos, devido ao sofrimento e as doenças comuns a europeus, mas devastadoras para os indígenas devido a não possuírem resistência a uma simples gripe; ou promover franca resistência lutando ou fugindo para o mais longe possível (caso de muitas tribos que fugiram para o norte). Muitas foram às guerras promovidas pelo homem branco em busca de gentios, ou negros da terra como era costume chamar os indígenas. As guerras eram chamadas de “justas”, e eram autorizadas pelas autoridades competentes, ou pelo próprio monarca. Estima-se que quando da chegada dos portugueses ao Brasil haverem algo em torno de cinco milhões de pessoas já vivendo nestas terras. É um número elevadíssimo se levarmos em consideração a famosa frase que aprendemos na escola; o “descobrimento” do Brasil! Estes mesmos cinco milhões teriam sido exterminados em sua grande maioria já no primeiro século da colonização. O problema que se colocava diante dos europeus quando aqui chegaram era que havia “terras em abundância e necessidade de escravos; esta fórmula sem dúvida muito tinha a ver com a formação da sociedade colonial brasileira”.1 Os que sobreviveram à escravidão e ao extermínio estariam hoje em número de pouco mais de 300 mil pessoas. O caso das tribos goitacás seria o das tribos que resistiram e foram exterminadas por sua valentia. Há vários relatos que tratam de tal comportamento. Alguns relatos super exagerados de viajantes que por aqui estiveram contam como esses homens pescavam tubarões “usando apenas um pedaço de pau afiado nas extremidades. Ao mordê-lo, o tubarão ficava preso e era então puxado para fora do mar”.2
Manuel martins do Couto Reis escreve em 1785 sobre estes povos. Seu relato está impregnado de falácias sobre os indígenas, que foram descritos de forma errônea e intensional por muitos viajantes que por estas terras caminharam desde o século XVI. Vejamos o que Couto Reis disse sobre os indígenas;

 
eram estes índios dotados de uma condição feroz, e inclinados a mais brutal crueldade, de tal sorte, que caindo qualquer individuo de diferente nação nas mãos de sua barbaridade, o dilaceravam logo para uso de seus manjares”. Manuscritos de Manuel Martins do Couto Reis. 1785, p.119.

A respeito dos índios puris; “índios assaz corpulentos, audazes, destemidos, vigilantes e de máximas muito atraiçoadas, inclinados a toda desumanidade, dando a morte a qualquer vivente, que encontram seja, ou não irracional, ainda que os não defendam”. p.121.
 
Os relatos eram exagerados e tinham a intenção de  justificar o tratamento dispensado as "ferozes bestas" com aparência humana... 
O fato é que no primeiro século da colonização portuguesa, era inviável esta empreitada sem a utilização da mão de obra escrava indígena. Várias leis foram editadas e revogadas a respeito da liberdade dos indígenas. Uma lei de 1570 apregoava a liberdade dos indígenas, mas dizia ao mesmo tempo que se fossem em guerras justas os mesmos poderiam ser escravizados. “as causas legítimas das guerras justas seriam a recusa á conversão ou o impedimento da propagação da fé, a prática de hostilidades contra vassalos e aliados dos portugueses e a quebra de acordos celebrados.”3. Em 1609 tivemos nova lei que declarava que todos os índios na América portuguesa eram livres. Essa lei seria revogada em 1611 por pressão dos padres jesuítas e pelos colonos portugueses, que necessitavam da manutenção destas pessoas como escravas para a manutenção de suas empresas de exploração na colônia.
Ao tentar conciliar projetos incompatíveis, embora igualmente importantes para seus interesses, os gentios cuja conversão justificava a própria presença européia na América, eram mão de obra sem a qual não se podia cultivar a terra e, defendê-la de ataques inimigos tanto europeus quanto indígenas. Enfim, sem a qual o projeto colonial era inviável.4.
A Historiadora Sheila de Castro em “A Colônia em movimento” nos relata que os viajantes que pretendiam se aventurar pela região dos campos dos goitacases recebiam informações assustadoras a respeito dos habitantes do local. Os ditos “índios” seriam devoradores de carne humana, “exímios caçadores de tubarões e jacarés, vingativos e colecionadores de ossos humanos. Contavam que os poucos que mantiveram contato com os famosos goitacases não ficaram vivos para relatar o que viram”.6
As lendas em torno destes goitacases eram muitas. Falava-se, por exemplo, que caçavam até “tigres” com seus arcos. Eram apresentados não como seres humanos, mas sim como bestas com aparência humana. É possível entender estas descrições a partir do ponto de vista daqueles que pretendiam tomar estas terras daqueles povos, e precisam de uma justificativa. Logo, ao promover guerras não às promoviam contra inocentes, mas sim contra bestas devoradoras de homens. Desta forma a consciência ficaria mais tranqüila após os genocídios.
De acordo com o relato de Simão de Vasconcelos os goitacases eram os ocupantes de uma região notável e aprazível. Uma das mais interessantes da colônia. O problema destas terras então era que elas estavam “defendidas por povos bárbaros e selvagens, que resistiam ao contato europeu”, e estes mesmos europeus a queriam de qualquer forma. Então se promoviam as guerras “justas”.
Sendo a guerra justa possibilidade indiscutível de escravização lícita, pode-se imaginar o interesse que sua declaração tinha para os colonizadores”.7
O Historiador campista Júlio Feydit que escreveu no fim do século XIX, assim nos relata a impressão de um viajante francês conhecido como Knivet, que assim descreveu os goitacases:
“Os ouetacás não cessam de guerrear seus vizinhos, e não recebem estrangeiros entre eles para negociarem. Quando eles não se julgam os mais fortes fogem com ligeireza comparável a dos veados. Seu porte sujo e asqueroso, seu olhar feroz e sua fisionomia brutal, fazem dele o povo mais odioso do universo. Ele se distingue da maior parte dos indígenas do Brazil pela sua cabeleira a qual deixam cair às costas e só cortam um pequeno círculo na fronte. Sua linguagem não se parece com a de seus próximos vizinhos.”
Como podemos ver, os goitacases são descritos como extremamente ferozes e ágeis, além de não gostarem nem um pouco do contato com o homem branco.  Este comportamento será decisivo para seu extermínio. Feydit apresenta relato de Simão de Vasconcelos que escrevera sobre a vida do padre João de Almeida da Companhia de Jesus na província do Brazil. Vasconcelos fez uma descrição a respeito do fim destes povos, descrevendo como teriam sido mortos pelos portugueses. Na referida descrição o autor diz que “a toda pessoa estranha que encontrava, fazia pasto de seus dentes.” Declarando que para estes índios não haveria coisa melhor do que comer carne humana. A gota d’água para dar fim a estas pessoas teria sido o ataque a um navio português que teria ancorado no ano de 1630 nas praias daquela região. Vasconcelos conta que os tripulantes teriam fugido por terra antes de serem apanhados pelos goitacás, mas a notícia que teria se espalhado era a de que eles teriam sido devorados pelos índios ferozes. Os “responsáveis” pelo massacre teriam sido os índios das capitanias de Cabo Frio e do Espírito Santo, que teriam ido até o local para acudir (?) aos portugueses. Ao chegarem e apenas encontrar destroços do navio, que teria de fato sido destruído pelo tempo e pelas marés, imaginaram que teria sido destruído pelos goitacases. A partir desta impressão, as tribos que vieram socorrer os portugueses resolveram dizimar os índios campistas. “feitos em um corpo deram sobre os índios e os mataram todos; e o que mais, que não contentes com esta vingança entraram sertão até as suas aldeias e a todos os mais que se acharam homens, mulheres e meninos deram a morte, sem perdoar sexo, idade e destruindo as aldeias acabando por uma vez aquela tão nociva nação de gente, tão odiosa á todo hospede e a todo caminhante; ficando dali em diante seguras e tratáveis aquelas campinas.”[8]
A descrição de gente tão bárbara pode ser explicada, como já citado anteriormente, pela necessidade de se encontrar justificativas para seu extermínio. Declarar que não possuíam deuses, ou deus, que comiam carne humana e eram extremamente ferozes era uma forma comum de descrição feita pelos colonizadores dispostos a tomar novas terras e escravizar ou, em último caso, por fim aquelas vidas. Isto não se deu apenas com os povos destas terras brasileiras. Vários foram os povos mundo afora vitimados a partir destes estereótipos. Um exemplo foi o ocorrido do outro lado do mundo com os habitantes originais da Tasmânia, que tendo certa hostilidade e desconfiança com relação ao homem branco, foram em apenas uma geração totalmente dizimados. Não há hoje sequer um habitante original daquele povo naquele país. Os últimos membros deste povo teriam sido aldeados por um pastor evangélico, que teria dito que melhor era eles morrerem ali, na aldeia, do que estarem nas matas a mercê dos colonos ingleses. A última pessoa daquele povo teria morrido no ano de 1883 na própria aldeia, já idosa e sem filhos. Eram em número de cinco mil pessoas antes da chegada dos ingleses.
No caso dos goitacases, temos poucos indícios de seu paradeiro, ou do paradeiro de algum sobrevivente. É sabido que a cultura e o conhecimento que aquele povo detinha se perdeu. O que temos são relatos como os citados anteriormente descrevendo os indígenas a partir do olhar do conquistador, que não é de forma alguma imparcial.
É triste, mas acredito que podemos declarar que este aqui, caído, é de fato o último goitacá...





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<!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--> MONTEIRO, John Manuel. Negros da terra. Índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. Companhia das letras, terceira reimpressão, p.129).
<!--[if !supportFootnotes]-->[2]<!--[endif]--> MOISÉS, Beatriz Perrone. Índios livres e índios escravos. Os princípios da legislação indigenista do período colonial (séculos XVI a XVIII).
<!--[if !supportFootnotes]-->[4]<!--[endif]--> FARIA, Sheila de Castro.  A colônia em movimento.
<!--[if !supportFootnotes]-->[7]<!--[endif]--> FEYDIT, Júlio.  Subsídios para a história dos Campos dos Goitacases. P.18.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

O acordo entre o assaltante e o assaltado brasileiro...
Comemoramos no dia de ontem a proclamação da independência de nosso país. Sete de setembro de 1822 teria sido a data em que nos libertamos do jugo do império português e passamos a ser “independentes”. Já se passaram 189 anos desde então, e se não temos mais o domínio português, temos hoje o domínio da corrupção desenfreada e alicerçada em nossas instituições públicas e em nossos políticos que as dirigem, que possuem como principal adjetivo a gana desenfreada por dinheiro e mais dinheiro.
Levantamentos de instituições de pesquisa apontam para algo em torno de 35% do PIB a quantia que todos os anos escoam pelos ralos através dos meios escusos da corrupção de nossos ilustres parlamentares. Acredito-me que o valor possa ser muito maior, já que as formas encontradas por nossos políticos corruptos para roubar o país é de uma criatividade excepcional, e estes levantamentos a que me refiro são de instituições externas ao país, logo não estão tão por dentro assim das entranhas de nosso jogo mais do que sujo. Os meios de se lesar o erário público são incontáveis. São pessoas que recebem altos salários como assessores e tem devolver 70% do valor ao seu padrinho; são as comissões pagas por empreiteiros que utilizam outras fontes que não as notas superfaturadas mais do que manjadas; são as ONGs que de não governamentais nada possuem; são infinitas as que só vivem do dinheiro público, e que quando seu partido sai do poder deixam de existir.
Ontem durante o desfile cívico e militar em Brasília, enquanto as câmeras globais se posicionavam para a cobertura, cerca de 40 mil pessoas vestidas de preto, com narizes de palhaço e sem a presença de partidos políticos (que tentaram estar presentes, mas foram convidados a retirar-se juntos com suas bandeiras e simpatizantes) fizeram uma manifestação em nome do fim da corrupção e pela ética na política e sociedade brasileira. Assim como ocorreu em vários locais do mundo, como por exemplo, o Egito, a organização e convocação das pessoas presentes se deram através da internet e de seus internautas.
Segundo o senador Pedro Simon, a presidenta Dilma Roussef vem sofrendo fortes pressões para parar com a faxina nos ministérios, com as demissões de corruptos que assolam seu governo. Ela estaria contrariando partidos e líderes poderosos que ao colocarem seus apadrinhados em cargos importantes no governo, não podem perder estes cargos e os frutos provenientes do mesmo.  
O que parece ocorrer no Brasil é que ladrões e vítimas estão de acordo com os crimes cometidos. O político corrupto (o ladrão), e o cidadão passivo (ou brasileiro, o que dá no mesmo) é o assaltado. Os ladrões nos assaltam, levam remédios dos postos de saúde, a merenda das escolas e o salário dos professores, a verba das estradas e nós sempre que os encontramos os saldamos, congratulamos com eles e lhes damos a autorização para nos representar (ou assaltar?) por mais quatro ou oito anos. Isto é digno de uma boa piada de português, em que o português sempre se passa por idiota em coisas e acontecimentos óbvios!
35% do PIB se esvaindo pelo ralo, seriam suficientes para resolver grande parte dos problemas sociais do país. Só para se ter uma idéia, no ano passado nosso produto interno bruto, de acordo com dados do IBGE, chegou à cifra de 3, 675 trilhões de reais. Trata-se de um crescimento de 7,5% e o maior desde o ano de 1986. 35% deste valor quer dizer que mais de Um trilhão e 200 milhões são roubados por nossos políticos!
 Entre as discussões referentes aos rumos da educação no país, fala-se entre outras coisas, que precisaríamos dobrar o valor dos investimentos que giram em torno de 3,9% do PIB. O valor investido em educação no Brasil não chega nem perto dos valores desviados pelos corruptos país afora. Enquanto o MEC pede 7% do PIB investido na educação, manifestantes pedem 10% em Brasília. Eu pediria apenas aquilo que os políticos enfiam em suas cuecas todos os dias. Aquilo que sai por de baixo dos panos nas transações com as empreiteiras. Estes mais de um trilhão de reais roubados anualmente.
Em recente comparação feita pela OCDE entre 34 países, nosso país ficou em último lugar no que se refere aos investimentos em educação. O Brasil gasta atualmente em média cerca de 2.488 reais por ano com cada estudante, enquanto que os outros países participantes da pesquisa gastam nada mais, nada menos que 14.376 reais. Em Luxemburgo os gastos por aluno chegam a 25.705 reais!
Outra discrepância apresentada pelo estudo foi a diferença entre os gastos com estudantes nos três níveis de ensino; o fundamental, o médio e o superior. Enquanto gastamos 2.213 com estudantes da pré escola, e 1.973 com alunos do ensino fundamental e médio (que foram os valores mais baixos de todos os quesitos da pesquisa) os gastos com os universitários (que são provenientes de escolas particulares nos níveis anteriores, e filhos de nossos ilustres políticos) ficam em torno de 17.226 por estudante ao ano. A média de gastos dos outros países analisados fica em torno de apenas duas vezes mais com o ensino superior. Nossos gastos com os universitários (filhos da classe média, e que não são provenientes da escola pública, tendo cursado os níveis anteriores em escolas privadas) são comparados com os de Espanha e Irlanda e ainda ficamos a frente da Itália, Nova Zelândia e Portugal!
Estes dados apenas deixam claro aquilo que todos nós já sabemos: nossos políticos não são sérios quando o assunto é educação pública que não a de seus filhos queridos.