sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Contra o aborto e a favor da guerra...
            A discussão a respeito da legalidade ou não do aborto ocupou recentemente as páginas de periódicos, a pauta de discussões partidárias, religiosas e de toda a sociedade constituída. Discutia-se o direito de escolha da mãe, ou do casal, a respeito de  poder querer ou não continuar uma gravidez indesejada independente do motivo. De minha parte considero uma intromissão muito grande do estado no direito pessoal de uma pessoa, que, mais do que ninguém, é quem pode saber se poderá cuidar de outra vida, dando lhe condições dignas de sobrevivência. Mas não irei discutir aqui minhas opiniões. Pretendo apenas apresentar como teriam surgido as campanhas contra o “fim da vida”, e como outros países vêem este procedimento.
 
A preocupação com a questão do aborto, e com as políticas de saúde pública nascem dentro de um contexto de grave crise no continente europeu. Surgem a partir de um momento definido pelo historiador Eric Hobsbawm como a “era dos extremos”. Estamos falando do período do entre e pós guerras mundiais do século XX. Infelizmente os dados que apresentarei são sempre omitidos dos debates de televisão ou propriamente das discussões políticas, pois, talvez se não o fossem, muita gente poderia ter opiniões um tanto quanto diferentes.
Na Europa a preocupação com o tamanho das populações se insere exatamente no período anterior a eclosão da primeira grande guerra em 1914. Os índices de natalidade de boa parte do continente se encontravam em vertiginosa queda. Essa preocupação tinha inclusive certa especificidade: a queda das taxas de natalidade da “raça” branca. Tratava-se de um consenso entre muitos especialistas de que o número da população influenciaria na força da nação diante de conflitos bélicos. Havia uma política clara dentro de muitos estados europeus, como por exemplo, Alemanha, Itália e Suécia, de se promover um estoque de seres humanos saudáveis e desejáveis. Era a busca de um número elevado de pessoas, mas que não possuíssem defeitos. Para isto, políticas de esterilização ocorreram em larga escala. As pessoas ditas “indesejáveis”, como deficientes físicos, mentais, surdos, cidadãos sexualmente “promíscuos” eram vistos como ameaça a estabilidade e prosperidade da “família” burguesa branca. Por isso deveriam ser extirpadas em médio prazo. Em muitos casos eram assassinadas de imediato. Estas práticas de esterilização de pessoas “indesejadas” continuou a ocorrer até bem pouco tempo em países como a Suécia e Suíça, por exemplo. A Alemanha de Adolf Hitler não fora uma exceção como muitos imaginam. A prática da eugenia fora difundida em muitas partes do mundo, como no caso dos Estados Unidos principalmente.
 
 A primeira guerra mundial matou algo em torno de 20 milhões de pessoas. Destes, pelo menos oito milhões eram de homens jovens. Esta ausência seria sentida e provocou a necessidade de políticas públicas que buscassem formas de se preencher este vácuo humano. Só na Alemanha, o número de viúvas deste pós guerra ultrapassava meio milhão de mulheres. A maioria nunca mais encontrou um marido. O número dos que voltaram com corpos e mentes dilacerados, e que nunca se recuperaram, ou que cometeram suicídio foi enorme. Por conta disto o Estado passa a intervir com maior ênfase na vida das pessoas, pois como teria dito o ditador italiano Benito Mussolini, “a ordem moral produz a ordem pública.”
Havia uma grande preocupação entre as sociedades européias que era devido a posição de certa independência alcançada por um bom número de mulheres durante a após a guerra. Como é sabido, enquanto os homens iam para as frentes de batalha, mulheres e crianças tinham de tomar seus lugares nas fábricas e indústrias existentes, fazendo com que seus respectivos países não parassem e mantivessem a produção de gêneros de primeira necessidade, inclusive armas para o front de batalha. Trata-se do surgimento da mulher moderna”, que de certa forma começa a por em xeque as posições de homens e mulheres dentro da sociedade. As mulheres passam a partir deste momento a questionar seus papéis de subordinadas dos maridos e requerer mais direitos sociais, principalmente do que se refere a igualdade de oportunidades e de sexo.
 
Na União Soviética, reduto do comunismo mundial, as mulheres tiveram a partir dos anos 1920 algumas conquistas que podemos chamar de revolucionárias. A emancipação bolchevique feminina deu as mulheres o direito de se divorciar, freou o poder da igreja sobre as mesmas, banindo vários privilégios patriarcais que estavam a séculos enraizados naquela sociedade. Falo-se inclusive em se abolir por completo o casamento e em encorajar uniões livres. Eram ataques soviéticos as instituições burguesas.
No restante da Europa a questão era bem diferente. Nenhum outro país tomaria o caso russo como exemplo, e o que mais acontecia era que as mulheres tinham suas posições de inferioridade mantidas. Em poucos lugares as mesmas tiveram acesso ao voto antes dos anos 1930. Os direitos das mulheres esbarravam no tradicional “culto a família burguesa”.
Após a guerra muitas mulheres foram forçadas a abandonar seus postos de trabalho e voltar para seus “devidos lugares”, ou seja, para os afazeres domésticos. Em determinados países, como a Inglaterra, por exemplo, as mulheres ao se casarem tinham de automaticamente pedirem demissão de seus empregos (interessante a respeito das mulheres que trabalhavam fora de casa é que até a década de 1960 elas recebiam seus salários em muitos países depositados nas contas de seus maridos). O fascismo alardeava que “a maternidade era o patriotismo das mulheres”.
 
Como já citado anteriormente, uma das preocupações era a queda na taxa de natalidade deste início de século. Em um momento em que conflitos militares estão prestes a eclodir, pensar em uma redução da população seria algo devastador. A formação dos exércitos nacionais e as melhorias na saúde pública estão intrinsecamente ligadas as previsões de guerras e conflitos em larga escala. Entre os franceses havia um medo crescente de que o aumento da população alemã viesse a lhe criar graves problemas. A eclosão da primeira guerra mundial levou muitos líderes europeus a propagar a idéia de que o papel da mulher era o da procriação e fornecimento de homens fortes e sadios para o desenvolvimento da sociedade. “a gravidez é o serviço ativo da mulher”, diziam. A população européia estava em declínio. Havia previsões de que estacionaria ou que iria diminuir nas próximas décadas. Havia um medo generalizado de que “raças de cor” invadissem o continente para suprir os lugares da “raça” branca. Certa vez em um discurso, Benito Mussolini disse:
“agora vão, e digam às mulheres que ponham muitos filhos no mundo. Muitos filhos!” este discurso fora direcionado as líderes da liga da organização feminina fascista italiana.  Na Alemanha havia o movimento que se posicionava contra o liberalismo das mulheres, a favor das obrigações maternas, e totalmente contra a trabalhadora que não a do lar materno. Ou seja, o papel das mulheres deveria estar limitado ao de mãe e dona de casa, produtora e educadora de soldados.
 
Paralelamente a isto é que surgem as campanhas contrárias ao aborto. Na iminência de guerras, de declínio populacional, os Estados tinham de buscar meios de conter a diminuição de possíveis braços para empunhar fuzis nos fronts de guerra. “o aborto constitui um peso para o estado, pois reduz à contribuição feminina á produção,” teria escrito um médico soviético mostrando que nesse caso, até o comunismo sucumbira a certas necessidades burguesas.
A pressão católica sobre o aborto terá neste momento das guerras mundiais uma intensificação muito grande, pois sua política sempre andara de mãos dadas com as ideologias do estado. A encíclica do papa Pio XI a respeito da santidade do matrimônio veio reforçar isto em 1930.
A partir deste momento vários países europeus passam a tratar como crime o aborto. Na Inglaterra levava a prisão perpétua quem praticasse tal ato. A Itália chegou a cogitar o registro de todos os casos de gravidez no país. “impedir a fecundidade do povo italiano constituía crime”.
Estes Estados citados estão entre os responsáveis diretos pela eclosão das guerras mundiais, e entre os que mais irão perder vidas nestes conflitos. Se as mulheres deixassem de ter filhos, aliada a possibilidade de entrar em uma guerra, poderia resultar em uma derrota política e militar de grande proporção. Para evitar colapsos várias medidas foram tomadas. Alguns países chegaram a cobrar impostos para solteiros, ao mesmo tempo em que promoviam várias políticas para os casados e para os que pretendiam ingressar na instituição matrimonial. Inicialmente isso não ajudou a aumentar os índices de natalidade, pois muitas mulheres entenderam que o que estava por trás de toda aquela pregação, era a da necessidade de crianças para serem transformadas em “buchas de canhão”. São as crianças e jovens que englobam o maior número de mortos nas guerras e conflitos armados.
Atualmente há uma luta pela descriminalização do aborto. Mas esta luta enfrenta várias resistências, que em muitos casos ainda é promovida por aqueles que se identificavam com tais políticas de morte do período entre guerras, como, por exemplo, a igreja católica. O movimento feminino que já luta há quase um século por melhores condições de vida, de igualdade, pelo direito de poder escolher o que fazer com sua vida conduzindo-a da forma que melhor lhe condiz enfrenta muitas resistências para se impor em vários lugares do mundo.
Atualmente o aborto é permitido em muitos dos países que promoveram os conflitos e as políticas anteriormente citadas. Na Inglaterra o aborto é permitido até 24 semanas e por questões econômicas, sociais e médicas. Na frança, e em Portugal também é permitido, variando apenas o período de gestação e também pelos mesmos motivos.  Na Itália é permitido até 90 dias, pelos mesmos motivos, e a qualquer momento se colocar em risco a saúde da mulher ou em caso de estupro. Na Espanha até 12 semanas em caso de estupro e posteriormente por má formação do feto. Nos Estados Unidos o aborto é legalizado, com exceção do estado de Dakota do Sul.
Trata-se de uma questão a ser discutida, mas que de minha parte acredito que nem o Estado, nem ninguém possuem o direito de intervir nas escolhas pessoais de cada um. Quem vai criar o filho é que deve saber de suas possibilidades, e a questão econômica de cada cidadão deve ser preponderante.
Assim como ocorreu em outra época em que se proibia o aborto pela necessidade de soldados para a guerra, hoje no Brasil se proíbe talvez, pelo mesmo motivo, só que para fornecer crianças inocentes para as mãos do tráfico de drogas, para a guerra pela sobrevivência nas favelas e sertões país adentro; para as necessidades cada vez mais de políticas assistencialistas de bolsa miséria, e para todos os outros tipos de políticas sujas que “visam” melhorias para a população e para o bolso dos que as promovem.

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