segunda-feira, 27 de maio de 2013

A lenda de Santana...


Quem é nascido em Macaé ou vive aqui há muitos anos já deve ter ouvido falar da lenda de Santana, a santa que por diversas vezes teria fugido da Capela que fica no alto do morro de mesmo nome para a ilha também conhecida com o nome da santa. Vários Historiadores locais e memorialistas já a descreveram e são fontes preciosas para que “histórias” como esta não se perca no passado. É interessante notar as mudanças que ocorrem ao longo do tempo, o que é acrescido e o que é perdido devido às falhas e a seleção da memória. Como os “fatos” tomam tantas dimensões com o passar dos anos.

Antonio Alvarez Parada, conhecido e reverenciado professor da cidade, autor de vários livros sobre a memória e a História do município está entre os ilustres nomes que não deixam o passado da cidade morrer. Para aqueles que chegam todos os dias a cidade de Macaé, cidade esta que hoje tem sua identidade atrelada à exploração do petróleo, o passado local não lhes é apresentado de nenhuma forma. Infelizmente não temos mais, ou temos poucos “Tonitos e Armandos” para preservar nossa memória. Há excelentes Historiadores locais como minha querida Mestra Conceição Franco, o Professor Marcelo Abreu, e a Historiadora Ana Lúcia Nunes entre outros, mas falta um pouco de difusão de seus trabalhos na mídia local para que pudéssemos nos deliciar com esse passado que poucos têm o prazer de conhecer.  Mas vamos nos ater à história da santa Ana, a santa “fujona” de Macaé.

De acordo com Alvarez Parada, um antigo vigário de Macaé, o padre Jameau, seria um dos responsáveis por romancear ainda mais a lenda de Santana, introduzindo detalhes curiosos e que nas palavras de Tonito, “vale a pena relembrar”. No livro “Histórias curtas e antigas de Macaé” Alvarez Parada nos relata que Jameau descreve a “existência da galeria ou túnel que ligaria certo ponto, ás margens do rio Macaé ao cimo do morro de Santana, mais precisamente a um alçapão atrás do altar mor da igrejinha.” (PARADA, p.67-68).  Este seria o caminho pelo qual a santa “fugiria” das dependências da igreja para ir de volta à ilha que leva seu nome, local onde a santa teria sido encontrada por pescadores.  Em seus escritos o referido padre dá “detalhes” curiosos do túnel de ligação encontrado por ele e por um indígena local que o acompanhava.

“Caminhou pouco tempo, parando afinal ele em frente de uma espécie de furna habilmente dissimulada (...) e foi avançando, avançando cautelosamente, até uma galeria cuja altura podia ser de oito palmos de largura. Essa galeria seguia da encosta para o maciço no morro em linha oblíqua, abobadada de tijolos, chegando em um amplo salão sombrio, o índio parou, tateou a parede e achando imperceptível botão, apertou. Instantaneamente uma porta abriu-se, deixando aparecer um quarto de oito palmos quadrados, de paredes ornadas de azulejos...”(PARADA, p.68)

A descrição do padre me faz lembrar aqueles filmes de Indiana Jones em que paredes se moviam, alçapões se abriam e pilastras desabavam ao leve toque de “pedras detonadoras” disfarçadas inofensivamente na parede. Mas as “descobertas” do padre Jameau não terminam por ai, há mais detalhes interessantes que mexem com a nossa imaginação. Continuando com o relato, ele nos diz que “no fundo, rico altar cujo trono achava-se munido de pesados castiçais de prata maciça e em cima a imagem de santo Inácio de Loyola do mesmo metal”. (op.cit.p.68) Para quem não sabe, Inácio de Loiola foi o fundador da ordem dos jesuítas, ordem esta que teria se instalado em Macaé e fundado a igreja de Santana por volta de 1630 e por aqui permanecido até 1858, ano em que por problemas com moradores locais e com outro padre, Vaz Pereira, de Nossa Senhora das Neves, foram mandados de volta a Portugal e substituídos por outros padres, agora não jesuítas. No ano seguinte são expulsos definitivamente do país por ordem do Marques de Pombal. É interessante notar que no inventário da igreja realizado após a expulsão dos jesuítas, não foi encontrado nenhuma imagem de Inácio de Loiola. Segundo Márcia Amantino era comum encontrar a imagem daquele que fora o fundador da ordem jesuíta em igrejas dirigidas pelos mesmos. (AMANTINO, 2011, p.53).    

Armando Borges, outro memorialista local nos relata com alguns outros detalhes essa instigante lenda. Talvez comece a ficar um pouco mais claro essa nossa História. Baseado no relato do mesmo, o que ocorria na localidade era um entrevero por conta do local de construção da igreja de Santana. Borges explica que

“No século XIX existia em Macaé uma colônia de pescadores que devido à fragilidade de suas embarcações e o rudimentar sistema de pesca, não iam além da ilha do francês, e sonhavam fazer lá uma colônia de pesca com colegas, os quais estavam de pleno acordo; mas para tanto, precisavam de força superior para protegê-los. Todos devotos de Santana, lançaram a ideia entre eles de construírem na ilha, a igreja que os padres jesuítas haviam planejado construir no morro. Mas para isso seria necessário que a santa se “manifestasse” favoravelmente e os padres se convencessem de que a santa preferia a ilha”. (BORGES, 2005, p.114).

 

A partir deste desejo de se construir a capela na ilha, e da necessidade da “manifestação” da santa em favor disto, ela começa a partir daí a “fugir” e aparecer justamente na ilha do francês. Este fato teria ocorrido pelo menos duas vezes vindo a ser “encontrada” por pescadores na referida ilha e sendo entregue aos jesuítas. Parecia estar claro que a santa estava de acordo e queria de fato ir morar na ilha para proteger os pescadores. A santa gostava da ilha, fugia para lá por saudade e tristeza. Mas para o padre Jameau as explicações das sucessivas fugas se deviam por outro motivo. Ocorriam por conta do “mau comportamento do povo, que de uma feita, após receber a imagem com hinos religiosos, fechou a igrejinha e entregou-se a festejos populares de moralidade não muito elevada.” (PARADA, op.cit, p.74). Ainda de acordo com Jameau, a santa só teria deixado de fugir depois que outro padre campista veio à cidade para uma cerimônia religiosa para que Santana parasse com suas fugas. Já Borges nos diz que as fugas deixaram de ocorrer quando os jesuítas fizeram um acordo com os pescadores batizando a ilha do Francês com o nome da santa, e francês passou-se chamar a ilha que fica a esquerda da agora denominada ilha de Santana. Outro ponto com relação a construção da igreja no morro de Santana é o que diz respeito ao posicionamento da frente da igreja. A lenda diz que a primeira capela ficaria de frente para o mar, e de tanto olhar para as ilhas, e se entristecer de saudades a santa acabaria fugindo para lá. A nova capela teria sido construída de frente para a região serrana, ou seja, de costas para o mar para que a santa não visse as ilhas. Segundo a Historiadora Conceição Franco, o posicionamento da Igreja de costas para o mar, não se deve a questão da santa, e sim ao grande desenvolvimento econômico da região de Nossa Senhora das Neves, região serrana do município e grande celeiro produtor de alimentos que abasteciam a cidade do Rio de Janeiro e que no final do século XVIII possuía um grande desenvolvimento econômico com inúmeras fazendas, grandes proprietários chegando a ter uma população superior a da região do litoral de Macaé.

 Santana para quem não sabe, foi avó de Jesus cristo, e segundo o Historiador Anderson de Oliveira, a segunda santa mais cultuada no Brasil colonial. Era conhecida como a protetora das famílias, como mestra e guia e seu culto associou-se a educação como forma de resistência as heresias. (OLIVEIRA, 2011, p.109). Interessante notar que mesmo tendo Santana como principal santa protetora e tendo a maioria dos devotos da localidade, no momento de criação da Vila de Macaé, invocou-se outro “santo”, desta vez o de nome João, que em princípio nada teria haver com a região. Seria uma homenagem ao príncipe regente D.João VI. Este fato de dar nomes de santos a cidades para homenagear nobres e políticos não era incomum e ocorreu muito no Brasil. Para citar outros dois exemplos a Cidade de São Salvador dos Campos dos Goitacases, ou Campos, como nos referimos comumente. O são Salvador de Campos não é o cristo, mas sim Salvador Correia de Sá, antigo Governador do Rio de Janeiro e que doou terras naquela região para seus filhos, os Assecas. A cidade vizinha de São João da Barra é outra cidade que tem seu nome definido da mesma forma. O João de lá, não é o mesmo de Macaé (apesar de o santo ter de ser), mas sim João de Sá, filho de Salvador Correia de Sá.

Fontes:

Márcia Amantino – Claudia Rodrigues – Carlos Engemann – Jonis Freire (organizadores). Povoamento, catolicismo e escravidão na antiga Macaé. Rio de Janeiro, 2011, Apicuri.

Antonio Alvarez Parada. Histórias curtas e antigas de Macaé. Rio de Janeiro: Artes Gráficas, 1995.

Armando Borges. Histórias e lendas de Macaé. Itaperuna, Damadá artes Gráficas, 2005.