segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Os retornados...
Muitos são os fatos relacionados à escravização de africanos no Brasil. Suas influências, suas lutas, sofrimento, rebeldia e todos os aspectos encontrados em nosso passado e cotidiano são marcantes e impossíveis de serem esquecidos, mesmo que em muitos casos se queira esquecer.
Mas há um fato interessante a respeito dessas pessoas escravizadas e deste nosso passado que poucos de nós sabemos que aconteceu: o retorno de muitos ex-escravos ao continente africano antes e depois de 1888, ano da abolição da escravatura no Brasil.
Muitos dos que conseguiram a liberdade voltaram à África alcançando riquezas e ajudaram ainda a formar comunidades e bairros “brasileiros” em várias regiões daquele continente. Muitos desses brasileiros retornados obtiveram forte influência em vários governos africanos obtendo prestígio e riqueza. Alguns se tornaram comerciantes e fizeram fortuna com o tráfico de escravos e de outras especiarias para o Brasil. Exemplo maior desta trajetória de retorno e de enriquecimento se deu com o baiano Francisco Félix de Souza, filho de uma escrava com um senhor português, que ao ser alforriado aos 17 anos resolveu retornar a terra de seus antepassados. Francisco após tomar esta decisão prosseguiu para o reino do Benin no ano de 1788 e assim como muitos de seus “irmãos” africanos tornou-se um próspero traficante de escravos, deixando ao fim de sua vida uma fortuna estimada em 120 milhões de dólares calculada em moeda atual, e chegando a possuir mais de 12 mil escravos em seus 94 anos de idade. Foi um dos homens mais ricos de seu tempo no continente africano.
Nesta foto acima está o embaixador Carlos Fonseca junto de uma representante da família Pereira.

Esta foto foi tirada pelo Historiador brasileiro Carlos Fonseca que esteve na África para encontrar estas pessoas e conhecer de perto suas histórias trocando cartas entre brasileiros e africanos, fato este que originou o projeto “cartas d´ África. Na foto acima estão os descendentes de Francisco Félix de Souza e no quadro a direita encontra-se uma gravura do mesmo. Em primeiro plano vemos na foto Honoré de Souza, oitavo líder do clã de descendentes de Francisco Félix. Fato que me chamou a atenção foi o aspecto da construção ao fundo na foto. É idêntica a encontrada na fazenda Machadinha na cidade de Quissamã, que preserva senzalas e aspectos culturais de comunidades de ex escravos da região. São casas compridas e com grandes janelas. Curiosidade é que não por acaso, o nome Quissamã identifica uma nação africana.
Alberto da Costa e Silva, o maior africanólogo em língua portuguesa descreve em “Um rio chamado Atlântico” vários pormenores da vida destas pessoas retornadas desde aquela época até os remanescentes nos dias atuais.  
(Carlos Fonseca e a família Subero Pereira)
 De acordo com Alberto da Costa e Silva “desde o início do século XVIII, mas, sobretudo após as revoltas muçulmanas de 1807 a 1835 na Bahia... instalaram-se em vários pontos da costa africana, comunidades de brasileiros que se dedicaram ao comércio de escravos, ao comércio transoceânico, ao cultivo do tabaco, do cacau, da mandioca e do algodão, a construção civil, aos ofícios manuais especializados e ás profissões liberais[1].

            Essas pessoas retornadas na maior parte das vezes não retornava a suas comunidades de origem. Muitos deles nem origem africana possuíam (no sentido de que não nasceram lá, mas sim aqui no Brasil). Voltar ao continente de onde teriam saído seus antepassados não era uma decisão fácil de ser tomada. Muitos dos que para lá partiram não eram africanos, mas sim brasileiros, e como tais, possuíam a cultura, e os costumes provenientes do encontro étnico que se dera no Brasil. Se “reencontrar” na África seria algo muito difícil. Costa e Silva nos diz que esses retornados encontraram muitas dificuldades devido a “cerrada solidariedade tribal e de hábitos a que não mais se sentiam vinculados”.
Essas pessoas até hoje se denominam “brasileiros”. Acabaram por se agrupar e desenvolver comunidades próprias, iguais as que se pode ver em várias regiões aqui no Brasil, em que descendentes de alemães, portugueses e japoneses vivem em regiões que em muitos aspectos lembram sua terra natal. No caso desses brasileiros e africanos retornados eles formaram e perpetuaram em plena África bairros e grupos de “brasileiros”. “Concentravam-se geralmente em bairros próprios como o Brazilian Quarter de Lagos, o Quartier Brésil e o Quartier Marô em Ajudá... Outros grupos formaram vilas e cidades, como Atouetá e Porto Seguro, ambas no Togo.[2]
            Estas pessoas levaram consigo vários costumes, que acabaram por se mesclar novamente com outros costumes africanos e a partir daí produzindo novos movimentos culturais como no caso da dança do Boi Bumbá, que em regiões da África se reproduz de forma parecida, mas já com outras denominações. Vale a pena buscar conhecer um pouco desta História fantástica que ao ser visitada nos passa a impressão de que muito de nós lá se encontra, muitos costumes que foram mesclados e que poderiam nos assustar por conta de tão familiar podem ser encontrados junto de “brasileiros” que nunca conheceram o Brasil. E nós, que pouco sabemos de nossos antepassados africanos, nos devemos este saboroso encontro...


[1] SILVA, Alberto da Costa. Um rio chamado atlântico: a África no Brasil e o Brasil na África. Rio de Janeiro, Nova Fronteira; 2011.
[2] Idem.
Fotos do projeto "Cartas da África" do Historiador e Embaixador brasileiro Carlos Fonseca.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

 Kadafi, Getúlio Vargas e a Mídia...
Confesso que fiquei triste ao ver Muamar Kadafi sendo tratado como algo que ainda não sei classificar. As imagens de sua captura, de sua morte em meio a um monte de mercenários ditos”rebeldes” me deixaram perplexo. Vi ali, aquilo que estudo nos livros de História antiga: a era da barbárie. Fiquei triste por se tratar de um ser humano. Um ser humano acusado de ser um ditador, um assassino sanguinário que forçou seu povo a um regime de opressão por mais de 40 anos. Sim, isso é o que dizem nossos telejornais que só transmitem informações antes filtradas pelo crivo norte americano. Quem conhece um pouco de História, sabe que a mentira no meio jornalístico para criar determinadas justificativas para certos atos, são algo comum. Já dizia o “profeta Raul Seixas: “não preciso ler jornais, mentir sozinho eu sou capaz”.
Os índices sociais da Líbia são elevados, maiores até que os de nosso país e de muitos outros aliados americanos. O relatório de desenvolvimento humano/PNUD do ano de 2002 nos informa que a Líbia do cruel ditador Kadafi se encontra na posição de número 58 entre 169 países, enquanto que o Brasil está na posição de número 72. Atrás da Líbia se encontram países como Bulgária, Arábia Saudita, Turquia, China, Macedônia, Romênia, Venezuela e Ucrânia. Neste indicador a Líbia se encontra a apenas três posições do índice de desenvolvimento elevado, onde se encontram países como França, Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos. O Brasil está a mais de vinte posições do nível Líbio. As últimas 24 posições deste índice de desenvolvimento são ocupadas por países africanos, que em muitos casos possuem petróleo, diamantes, terras agricultáveis e apoio americano e foram ex colônias dos europeus até a segunda guerra mundial e que após a “independência” herdaram dos ex colonizadores apenas miséria e subdesenvolvimento. No relatório do ano de 2010 pouca coisa mudou. No caso de nosso país ele piorou em uma posição. É agora o número 73 entre os 169 países relacionados pela ONU. Já o país de Muamar Kadafi melhorou cinco posições e está na de número 53 agora! Estes dados são da ONU, que é gerida e controlada pelos  norte americanos e outros que acusam Kadafi de ser um cruel ditador. Mas como é que pode estes índices tão bons e ainda por cima estarem melhorando? E no caso dos países em situação pior? E no nosso caso que estamos piorando? Lula foi pior que Kadafi então?

O país de Kadafi era o melhor entre os mais de cinqüenta países da África. O mais próspero. Agora com o país destruído, França, Itália, Estados Unidos e Inglaterra começaram a fatiar a reconstrução do país. Provavelmente irão colocar no poder algum lacaio, como no caso do Afeganistão, que depois da derrubada do Talibã, assumiu o governo do país um ex diretor das empresas norte americanas Bush. E dizem que foi através da tal democracia...
O conselho que assume o poder agora na Líbia, se não tiver algum diretor das multinacionais Bush, já é certo que terá ex-aliados de Kadafi. Vários dos organizadores do governo “revolucionário” são ex-ministros do ex-ditador assassinado, e todos partidários dos americanos.  As tensões e a guerra civil está apenas começando. Teremos mortes aos milhares a partir da morte de Kadafi. Se o povo era contra ou a favor de Kadafi, saberemos a partir dos novos acontecimentos.
Começa agora entre outras discussões a que diz respeito ao regime de governo a ser implantado na Líbia. O regime já escolhido é a democracia, que se trata de um corpo estranho para o mundo árabe, e que nós ocidentais insistimos em acreditar que o que é bom para nós tem de ser bom para os outros. Não é assim que deveria funcionar. O regime democrático, onde implantado proporciona “liberdade”, qualidade de vida, progresso, diminui a impunidade e a corrupção; cria instituições políticas sérias e comprometidas com o “desenvolvimento para todos”. É o regime que possibilita o fim da miséria, o acesso aos bens de consumo, a transparência dos gastos públicos e a certeza de que nosso dinheiro será de fato investido na educação, nas estradas e na saúde. É isso mesmo? É isso o que a democracia promove de fato? Será que Kadafi produzia índices piores que os nossos? Posso lhes garantir que não. Não mesmo. Em um país governado por um ditador os índices de qualidade de vida são melhores que os nossos e próximo dos países altamente desenvolvidos; os índices de corrupção são inferiores aos nossos; as estradas e a educação assim como a saúde da população também eram melhor que a nossa. Eram.
Muitas vezes me perguntam como é que podem ser mentirosas as notícias veiculadas por telejornais de nosso país. Como poderiam mentir assim tão descaradamente? Primeiramente há que se diferenciar mentira de omissão. Este é o grande crime das agencias de notícias. A seleção, a escolha a respeito do que deve e que não deve ser veiculado. Os interesses de muitos poderosos que estão veiculados a determinados acontecimentos. Veja-se o caso de jornalecos locais que só publicam aquilo que a prefeitura, ou o prefeito e sua corja querem que seja publicado. As manifestações em busca da abertura política no início dos anos oitenta no Rio de Janeiro, que as redes de TV insistiam em não mostrar são outro exemplo. O debate as vésperas da eleição de 1989 em que a edição e manipulação deste mesmo debate em favor de Fernando Collor de Melo fez com que a eleição tivesse uma virada tremenda, acabando por prejudicar o outro candidato, Luis Inácio Lula da Silva. Foram mostradas apenas as imagens favoráveis a Collor de Melo e depois se apresentou um índice em que Collor disparava nas intenções de voto. Mais um exemplo. Estes fatos são muito recentes, mas devido à corrida cotidiana e aos nossos outros interesses não nos ligamos nestas “bobagens”. Temos coisas mais importantes como à escolha das cidades sede da copa ou os preparativos para o carnaval que está por vir.
Mas um caso que desmascara a postura do jornalismo brasileiro diante dos fatos fora o ocorrido nos idos dos anos 1950 e principalmente no ano de 1954 que acabaram levando ao suicídio o presidente Getúlio Dornelles Vargas. Os jornais noticiavam que o presidente estava envolto em um “mar de lama” e que a corrupção assolava todo o seu governo. Os jornais de Assis Chateaubriand, Carlos Lacerda e Roberto Marinho despejavam notícias em que o governo Vargas se via envolvido em irregularidades. Os motivos para os sucessivos ataques são hoje mais do que conhecidos.
Getúlio Vargas em seu segundo governo enfrentou vários problemas devidos aos interesses internacionais em explorar nossas riquezas. Seu governo se via em uma situação complicada, visto que pretendia industrializar o Brasil tornando-o mais moderno e independente, ao mesmo tempo necessitava de capital estrangeiro para financiar esta empreitada. Havia por parte de seu governo a intenção de deixar o país auto-suficiente nas áreas de exploração de petróleo e energia elétrica. Só que isto ia de encontro aos interesses de muitos investidores internacionais. Veja-se o caso da empresa canadense Light que detinha aproximadamente 70% da produção e distribuição de energia elétrica no país. Vargas queria esta produção em nome do governo, pretendia criar a Eletrobrás. Havia um plano de industrialização no país. Uma busca de deixar o Brasil menos dependente das importações e das empresas multinacionais aqui instaladas. A tão aplaudida implementação das indústrias de base no governo Juscelino Kubistchek se iniciam e são combatidas ao máximo no governo Vargas. Entre outras coisas, a busca de acordos para criação de uma indústria de veículos foi intensa no referido período. Enquanto Mercedes e Volkswagen se interessavam no projeto, a GM e a Ford -que dominavam nosso mercado- se recusaram a colaborar com a implantação de uma indústria de veículos no país. Vargas começava a contrariar poderosos interesses. Na área de siderurgia após os incentivos do governo Vargas o país passara de uma produção de 572 mil toneladas de laminados em 1950 para 1 milhão em 1956. A produção de aço dobrou entre 1955 e 1960. Vargas pretendia diminuir as importações em 50% nos próximos 10 anos. Muitas foram às empresas da área química que se instalaram no país a partir de Vargas. A produção de cimento duplicou entre os anos de 1950 e 1954 levando o país a completa substituição das importações por volta de 1957. O país crescia como nunca. Só que estas notícias não chegavam até o povo. Não apareciam nos jornais de Roberto Marinho e Chateaubriand. Estas medidas contrariavam principalmente os interesses norte americanos.       
A tentativa de tornar o país auto-suficiente em relação ao petróleo e criar a Petrobrás foi motivo para que declarasse uma guerra contra o governo Vargas. Congressistas e a grande mídia eram totalmente contrários a criação da Petrobrás e o fim da dependência brasileira de empresas estrangeiras. A FIRJ que representava os industriais do Rio de Janeiro estava cheia de gerentes estrangeiros que tinham logicamente uma postura anti Vargas.
Todo esse esforço para alavancar a industrialização do país em áreas vitais provocou revoltas ferozes do capital internacional. Isso levou os descontentes com seu governo a criar meios de desarticulá-lo. E os meios de comunicação foram vitais para a difamação de seu nome e seu governo. Os dados referentes ao crescimento econômico não eram divulgados. O aumento no nível de empregos, a diminuição das importações e os incentivos para instalações de empresas no país eram totalmente excluídos dos noticiários. Vargas possuía apenas um jornal do seu lado, o que não era suficiente para enfrentar o poderio do capital financeiro que inundava de dinheiro os grandes jornais do país. Toda a pressão sobre Vargas o leva a cometer suicídio, que serviu de fato para adiar um golpe civil militar, que só viera ocorrer 10 anos depois.
Lembro estes fatos referentes à Era Vargas e seu governo apenas para que façamos uma reflexão a respeito das verdades impostas pela mídia. São “verdades” selecionadas, escolhidas sempre baseadas nos interesses de quem manda e quem paga mais. Nunca se leva ao ar algo imparcial, claro. Ciro Marcondes Filho em “O capital da notícia” nos diz que “um conglomerado jornalístico raramente fala sozinho. Ele é ao mesmo tempo a voz de outros conglomerados econômicos ou grupos políticos que querem dar ás suas opiniões subjetivas e particularistas o foro de objetividade.[1]Complementando a minha fala e a de Marcondes Filho, vejamos o comentário de Marialva Barbosa da UFF que em “Senhores da memória”, uma tese de concurso público nos explica que “a objetividade da notícia é há muito tempo vista como uma falácia, até mesmo para os mais ingênuos dos profissionais. Ao selecionar, ao hierarquizar, ao priorizar a informação-dentro de critérios altamente subjetivos ligados a interesses nem sempre condizentes com o dos leitores; o que o jornalismo está fazendo é uma seletiva reconstrução do presente.[2]
Se Kadafi era um ditador implacável é algo a ser questionado como uma verdade absoluta. Se assim fosse não é possível entender do por que da invasão da OTAN apenas neste momento. É muito curioso ver Muamar Kadafi ao lado de Bush, Obama, Clinton ou Tony Blair sorrindo e se confraternizando. Todos estes líderes e seus respectivos países mantiveram estreitas ligações com a Líbia nas últimas décadas. Infelizmente assim como fizeram com Sadam e Bin Laden não poderemos ver Kadafi dar algumas declarações depois de preso. Infelizmente nenhum dele pode falar. Se defender. Acho que teriam muitos segredos do submundo dos governos de Londres e Washington a nos revelar. Mas, estes possíveis segredos sujos foram para o além, e no momento, só poderão ser compartilhados, talvez, com Alá...
                    ALEX SANDRO GRIJÓ RIBEIRO



[1] MARCONDES FILHO, Ciro. O Capital da notícia. São Paulo, Ática, 1989, p.11 in: ASSIS, Charleston José. Classes populares, cultura política e revolta no Rio de Janeiro. Niterói, Nitpress, 2007, p.17.
[2] BARBOSA, Marialva. Senhores da memória. Tese de concurso público para professor titular no setor de jornalismo. Departamento de comunicação social. UFF, 1993, p.11.in: ASSIS, p.17.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

A corrupção já vem de longa data...
Vira e mexe nos pegamos abismados com alguns acontecimentos que permeiam as páginas dos jornais e as manchetes televisivas. São escândalos de dinheiro na cueca, do Paulo Maluf e família e seus desvios de dinheiro para o exterior. São as obras superfaturadas de nossa saúde, da pobre coitada da educação e de nossas estradas assassinas (desculpe se esqueci algum lugar comum para os ladrões; é que são tantos...).
Além de boa parte de nossos políticos, de nossos magistrados, de nossos policiais, de nossos empresários temos a nossa corrupção diária, que sempre entra em funcionamento quando somos pegos fazendo algo errado (mas que não parece tão errado assim, não é?), como no caso do guarda de trânsito, da blitz, de encontrar um amigo na boca do caixa do banco... Enfim, temos boa parte da culpa de todas as coisas erradas que nos rodeiam. Disse certa vez um filósofo que a culpa de todo o mal é a ignorância. Todo sofrimento provem da mesma. Concordo plenamente com ele. Sofremos por conta de nossa querida e sempre aliada ignorância. Esta não nos deixa. Dizem que ela é eterna (mesmo não crendo, peço a deus que ela tenha fim um dia!).
Mas deixando de lado nossa humilde companheira, voltemos para a questão que me levou a pensar em tentar escrever este texto. A corrupção de ontem e seus reflexos mais do que evidentes nos dias atuais.
Em minha cidade, Macaé, há um número crescente de pessoas enriquecendo na medida em que trabalham e estudam. Afinal, trata-se de uma cidade de muitas oportunidades, e com algum esforço se chega a bons lugares. Ao mesmo tempo, há um número de pessoas que enriquecem sem trabalhar nem estudar. São os que apenas usufruem do erário público. São aqueles que não sabem nada além da simples arte da bajulação. Infelizmente este comportamento baixo não ocorre apenas em minha cidade e nem a partir a descoberta dos poços de petróleo por aqui. É muito mais antigo e disseminado. O professor João Fragoso ao discutir a formação da economia colonial no Rio de Janeiro e de sua primeira elite senhorial entre os séculos XVI e XVII nos relata que “as melhores famílias da terra eram produtos de práticas e instituições e de suas possibilidades econômicas”. Entre estas práticas se encontrava a administração real e a câmara municipal. Explicando melhor (se é que é necessário), “a constituição das fortunas daquelas famílias se baseou na combinação de três práticas vindas da antiga sociedade lusa: a conquista/guerras, a administração real e o domínio da câmara municipal que lhes dava a possibilidade de intervir no dia a dia da colônia”. Qualquer cidadão muito mal informado saberá dizer a quanto custo se formam as fortunas de determinados políticos de sua localidade. Veja-se o caso de muitos vereadores do norte fluminense de onde brota o ouro negro. Qualquer semelhança não será mera coincidência.
 Continuando com João Fragoso, o mesmo nos diz que esta forma de arrecadação de divisas era provavelmente o mecanismo mais eficaz “já que permitiam a apropriação de recursos não de um ou outro setor particular da economia, mas sim de excedentes gerados por toda uma sociedade colonial em formação”. Como excedentes nos dias atuais leia-se além dos impostos pagos por todos nós, os Royalties do petróleo.
Muitos de nossos costumes, ou melhor dizendo, maus costumes provem de nossos antepassados portugueses, que em matéria de corrupção já a praticavam em larga escala a séculos. Má administração, desvio de recursos e uso de cargos públicos para benefício próprio eram práticas comuns entre nossos antepassados lusitanos. Alberto Paim em seu livro “De Pombal a abertura dos portos” nos relata que “o problema econômico de Portugal não era o das indústrias; sim outro, mais complexo e com raízes profundas no próprio ser da nacionalidade: administração ineficiente; um império colonial desproporcionado pela extensão... gente inclinada a vida aventurosa... aos ganhos depredatórios...aos fáceis empreendimentos...
A respeito das negociatas das empresas lusas no comércio entre as colônias e a metrópole, há um relato dos administradores do porto de Cacheu próximo a Bissau a respeito da qualidade dos panos negociados pelos comandantes das embarcações portuguesas. O que ocorria era que os comandantes levavam, por exemplo, dois tipos de tecido; um de péssima qualidade que eram de propriedade do governo, e outro de qualidade muito superior, mas que pertenciam aos comandantes das embarcações portuguesas, que deixavam de vender as mercadorias das empresas do governo para vender as suas de melhor qualidade.  Gilberto Paim cita que “os agentes da empresa no arquipélago e na costa da áfrica comerciavam escandalosamente em proveito próprio e em sociedade com os capitães mores e outras autoridades, apresentando os escravos por preços superiores ao seu custo real e elevando o montante das listas de compras com falsas despesas, como sustento e vestuário da escravaria.”
Não é difícil de encontrar semelhanças com as práticas corriqueiras de nossas instituições políticas atuais. As notas superfaturadas, frias, mercadorias que nunca foram compradas, as empresas fantasmas e ONGs que só servem para atuar em benefício próprio daqueles que as dirigem. Pode-se notar que nossos políticos atuais nada criam, pouco fazem se não reproduzir antigas práticas condenáveis aos olhos da moralidade, mas que aos olhos da realidade não são nem um pouco condenáveis...
João Fragoso citando Nuno Monteiro falando a respeito daqueles que progrediram através das concessões reais, as conhecidas mercês, diz que uma das conseqüências de tais práticas “teria sido a formação de uma nobreza não tanto constituída por grandes proprietários, mas principalmente por beneficiários de favores do rei, ou melhor, por aqueles cujas rendas eram dadas pela coroa (o governo). Quantas são as pessoas que conheço que só vivem, e devem tudo aquilo que conquistaram a bajulação e rendas provenientes disto. Triste as vezes é ver alguns se vangloriando de suas conquistas provenientes de determinadas “assessorias”...
Além destas formas de enriquecimento e destas pessoas, havia outros mortais que conseguiam “vencer na vida” por artifícios semelhantes. Vejam e comparem com algumas práticas atuais. Fragoso nos diz que “outra possibilidade prática dada pelo sistema de benesses, e comum nas diferentes partes do império, era o uso dos postos concedidos pela Coroa para fins menos nobres do que servir o rei.” O mesmo autor relata que segundo o cronista do século XVI, Diogo Couto, “nos soldados da Índia era corrente a mecanização e vil sutileza de adquirir dinheiro, sendo os capitães das fortalezas tanto mercadores quanto militares”. Numa carta em que o mesmo enviara a Lisboa no ano de 1682 em que constava uma denúncia do provedor mor da fazenda real de Angola, era denunciado o capitão do presídio de Ambarca por ter vendido “seu posto por quarenta cabeças de escravos”(!). Não sei se felizmente ou infelizmente, mas pelo menos aqui, nossos oficiais militares não podem negociar desta forma seus postos de comando de presídios ou batalhões... Fragoso conclui que “cabe sublinhar que o que estava em jogo não era tanto os salários pagos pela real fazenda, mas sim, e principalmente, os emolumentos que deles, entre outras possibilidades, podiam auferir”. Fazendo uma análise dos salários dos policiais militares de nosso estado, e da prática vil adotada por muitos deles, encontraremos várias continuidades desde aquela época.Enfim, não faltam similaridades, continuidades e falta de rupturas com um passado e com determinadas práticas que já deveriam ter sido extirpadas há muito. Muitos daqueles que se incubem da tarefa de nos representar e nos proteger se utilizam de seus expedientes para lesar sua própria sociedade. Muitos vivem apenas disto, como pragas ou mesmo parasitas que apenas absorvem aquilo que outros se esforçam para construir.
Como é sabido, o assalto a rés pública é hoje difundido e praticado em larga escala por praticamente todas as instituições nacionais de diversas formas. Poucas se saem ilesas de um inquérito apurado.
Continuando com a análise de nosso não tão glorioso passado, vejamos o trecho da pesquisa de Fragoso que trata da atuação de alguns magistrados do século XVII. Este autor relata que “o titular do juizado de órfãos controlava a arca dos órfãos, cofre onde era guardado o dinheiro e rendimentos das fazendas herdados dos pais falecidos. Numa carta anônima de 1676 os ministros eram acusados de abusos:” em lugar de vestir os órfãos os deixam nus, por que todos os bens que os órfãos herdam de seus pais ficam nas mãos do juiz, escrivão e repartidores”.

Couto Reis em seus manuscritos de 1785 faz uma crítica a câmara dosenado de Campos, seria a Câmara dos vereadores da época. Dizia ele o seguinte:

 
A sua política é a mais perniciosa; podendo nela mais o respeito dos homens poderosos que o zelo do bem público, e o aumento do real serviço. Nas eleições dos que hão de servir os ofícios públicos, é aonde se conhece claramente o clandestino procedimento dos senadores, atendendo mais as paixões próprias, e do interesse particular, que o adiantamento da pátria; por cuja causa, é o seu ponto objetivo introduzir nos ditos ofícios as pessoas do seu séquito, sejam, ou não capazes de exercitá-los, para que tendo as propícias, possam melhor desempenhar os seus intentos, e praticar violências, que deterioram o comum da sociedade.”p.66.

Como podemos ver, as noticias de policiais, políticos, juízes, banqueiros, comerciantes e empresários praticando crimes dos mais variados não são práticas recentes, e se há outra coisa comum a estes crimes do passado com os do presente, é sem sombra de dúvida a tão conhecida impunidade.  Hoje como naquela época apenas alguns “eleitos” é que podem usufruir daquilo que a maioria tanto se esforça para produzir. É a grande massa trabalhando para sustentar um pequeno grupo que nada lhes dá em troca, a não ser as migalhas que caem de seus banquetes.. No passado, assim como atualmente grande parte das pessoas poderosas de nossa sociedade retirou seu poder usurpando aquilo que era produzido pela massa de trabalhadores. Marx não estava errado quando disse que a propriedade é um roubo.
 Dizem que é a oportunidade que faz o ladrão, mas eu diria que alguns buscam esta oportunidade e sonham ser na vida esses ladrões. Ladrões do dinheiro público...  

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

A indústria de controle da criminalidade...
Para se ganhar dinheiro com um negócio é necessário que haja uma demanda por tal produto ou serviço. É preciso que as pessoas acreditem que realmente precisam consumir tal mercadoria. Que trata-se de algo relativamente importante para seu bem estar.
No caso da tranqüilidade, do viver em sossego, com paz e segurança, qualquer esforço será válido, afinal estes são um dos pontos primordiais para uma sociedade se desenvolver. Não queremos ver nossos filhos sendo criados em meio à violência cotidiana que tanto nos aflige.
Os índices de criminalidade dos tempos atuais são relativamente altos. Alguns se perguntam : são realmente altos de fato ou o número de definições para um comportamento criminoso é que tivera aumento? Talvez um pouco de cada. Mas, o que estaria provocando este aumento? O que poderia estar “degenerando” nossa sociedade? Isto seria interessante para alguém? Seria lucrativo? Qual a indústria que mais ganha dinheiro no mundo? Quais são os crimes que mais prejuízos trazem as sociedades? Por quem são cometidos? Como são suas punições e seus tratamentos?
Estas perguntas não são tão difíceis de responder, afinal, ocorrem todos os dias e há muito, muito tempo.
 Neste texto estarei tentando tratar de assuntos ligados a criminalidade, a delitos, mesmo não sendo um especialista em criminalidade. Trata-se apenas de um cidadão que tenta encontrar respostas que fujam ao senso mais do que comum.
Fazendo uma análise de algumas décadas atrás, mais especificamente ao início dos anos 1980, e mais especificamente ainda no continente europeu, que seria o continente mais “desenvolvido,” econômica e socialmente deste mundo. Veremos algumas mudanças em certos aspectos comportamentais de seus cidadãos e algo de muito familiar para nós brasileiros: a corrupção dos mais ricos e a falta de punições para os mesmos.
Os anos 1980 seriam descritos como o período final da política de bem estar social, do pleno emprego, das garantias sociais para a maioria e do surgimento do desemprego em massa desde o pós guerra.
O aumento do nível de desemprego na referida década provocou algo que ainda não fora visto (pelo menos nos índices estatísticos): o aumento da criminalidade. As populações carcerárias aumentaram em toda a Europa de forma significativa (Para os marxistas (e eu concordo com eles) a prisão é o meio utilizado pelo capital para disciplinar o trabalho e manter a ordem pública). É sabido que quem mais sofreu com o aumento do desemprego e da criminalidade foram os mais pobres. Não é preciso nenhum dado estatístico para saber disto. Estes passaram a super lotar as carceragens de vários países europeus (nas eleições suecas de 1991 o slogan do partido de centro direita era: ”que fiquem eles nas prisões para que nós possamos sair”).
Com relação aos crimes de colarinho branco cometidos pelos mais ilustres representantes daquela sociedade, estes também aumentaram em número; de acontecimentos e não de prisões.
Outro aliado da miséria advinda do desemprego que prosperava, fora a falta de moradia: foram mais de três milhões no fim da década aqui estudada.
Ao subir ao poder na Inglaterra, a primeira ministra Margareth Thatcher começou a promover uma política que ia direto contra o bem estar social. Nos anos anteriores ao governo Thatcher, os sindicatos dos trabalhadores haviam ganho muita força, e isto fazia com que os mesmos enfrentassem seus patrões e conseguissem se impor e obter conquistas significativas, tanto em seus salários como em vários outros benefícios. Os sindicatos eram muito mais ativos, e não se dedicavam apenas as questões trabalhistas, mas também a questões sociais em geral.  Thatcher adotara uma política anti sindicatos, para que através disto pudesse enfraquecê-los. A decisão de não aceitar ser chantageada por sindicatos, que mantinham um pulso muito forte diante dos governos anteriores, logo se transforma em uma política de extermínio ou redução ao máximo de sua força. Alguns analistas dizem que o governo não tinha interesse de criar um desemprego maciço, mas no fim das contas foi mais ou menos isso que ocorreu. Salários diminuíram, a inflação aumentou. A média inflacionária subiu de 3,7% entre 1961/1969 para 6,4% em 1973, e para 10% entre 73/79. O governo Thatcher com relação ao seu antecessor conseguiu triplicar o desemprego. Entre os anos de 1960 e 1985 a mão de obra industrial caiu de 47% para 41% na Alemanha, de 40% para 26,5% na Holanda, e de 36% para 31% na Espanha. Isto acabava por provocar a aceitação por parte dos sindicatos de ganhos menores, visto que as coisas iam muito mal, e vale aquele velho ditado: é melhor pingar do que secar.
Em países como França, Espanha e Holanda os sindicalizados a cada dia diminuíam. Muitos trabalhadores passaram a não acreditar em seus sindicatos. Outros estavam desempregados, logo, não podiam se sindicalizar e contribuir. Esta onda de desemprego em massa acabou por diminuir o número de greves acentuadamente. As mulheres passaram a ocupar muitas vagas antes destinadas aos homens, com a vantagem para o empregador de se pagar valores mais baixos. Muitos analistas descreveram que se tratava do momento da “morte do proletariado”, que durante um século promovera lutas e conquistas para os trabalhadores, e que agora tinha de se curvar a tática do capital para aumentar a mão de obra disponível e diminuir os salários. A lógica era simples. Em vez de ter a maioria empregada, com poucos concorrentes por vaga, é melhor possuir muitos desempregados loucos por uma vaga (já ocupada), fazendo com que o ocupante da vaga se sujeite a baixos salários, tendo em vista que:” se você não quer o emprego, tenho dez na fila querendo o seu lugar...
Desta forma colocou-se o trabalhador e seus respectivos sindicatos contra a parede, provocando uma guinada tremenda em uma queda de braço que até então não era tão desigual. Temos neste referido período vários fatores que levaram ao surgimento da indústria de proteção de pessoas em larga escala (algo que já vinha ocorrendo na América do norte). Seu principal aliado fora a disseminação da miséria, alavancada e arquitetada por vários políticos e intelectuais de renome no continente europeu. A partir deste momento, começamos a ver o surgimento de sistemas de vigilância, monitoramento por câmeras e empresas de segurança particular. Muitos trabalhadores começam a ser empurrados para o sub mundo do crime.
Esta relação entre desemprego e criminalidade é comprovada por várias pesquisas mundo afora. O pesquisador Túlio Khan, especialista em criminologia nos diz que mesmo assim estes efeitos não podem ser sentidos de imediato. Segundo ele, estas pessoas diante da falta de emprego buscam várias alternativas antes de se colocarem na marginalidade. “ninguém normal perde o emprego num dia e se torna assaltante de banco no outro”, diz. O novo desempregado inicialmente busca se inserir novamente no mercado de trabalho formal. Não conseguindo busca o trabalho informal, a ajuda de familiares, bicos e todas as alternativas possíveis. A maior parte das pessoas busca sempre formas dignas de sobrevivência. O crime é uma atitude extrema para a grande maioria.  Khan nos diz que entre os anos de 1981 e 1983, o Brasil enfrentava sérios problemas econômicos, com baixa taxa de crescimento e queda no nível de emprego. Paralelamente a isso tivemos um acentuado aumento no número de furtos no mesmo período. A partir de 1984 quando a economia melhora alavancando o aumento do número de empregos, o número de furtos registrados cai significativamente. O mesmo nos diz que “quando em 1986, no auge do plano cruzado, a taxa de desemprego total na grande São Paulo caiu de 12,2 para 9,6, os índices de furtos caíram 14%.” E continua dizendo que “com o fracasso do plano cruzado em 1987 os índices de furto voltaram a crescer.
Há que se entender também a questão da reincidência a que são acometidos boa parte dos ex detentos. Conseguir um emprego com a ficha suja é muito mais difícil. As taxas de reincidência criminal chegam a quase 50% entre ex detentos, explica Khan.
Na questão da taxa de homicídios, a taxa brasileira é três vezes maior que a de mais de cem países do mundo. Segundo Khan enquanto em outros 108 países pesquisados a taxa para cada cem mil habitantes fica em 8,5%, no Brasil atingimos o número de 24,1 homicídios por cem mil habitantes. De acordo com dados das nações unidas nos países em desenvolvimento a violência é superior a dos países desenvolvidos e dos menos desenvolvidos.  
Países cheios de conflitos sociais apresentam melhores índices que o de nosso país. Veja-se o caso da África Subsaariana, englobando 17 países, possui um índice de homicídios que chega a pouco mais da metade do brasileiro (24,1), ou seja, 13%. Nas Américas ficamos atrás apenas de Colômbia, Honduras e Jamaica entre os mais violentos.
A ligação entre subdesenvolvimento, desemprego e criminalidade pode ser atestada de forma clara a partir de tais pesquisas. O aumento das taxas de desemprego a partir da década de 1980, tendo como princípio o fim do estado de bem estar social, e o enfraquecimento dos sindicatos tomado como um projeto de Estado também pode ser verificado. Entre os grandes beneficiários deste aumento da violência encontraremos sempre grandes empresas, poderosos empresários e parlamentares que ficam felizes ao ver contratos e licitações milionárias para a aquisição de armas e veículos para produzir uma falsa sensação de segurança e um verdadeiro cheiro de sangue nas favelas brasileiras. É fato que as guerras, o terrorismo, ou a pregação do terrorismo não deverão desaparecer tão cedo, afinal, quantos políticos perderiam patrocínios de campanha proveniente das empresas produtoras de armamentos e munições?
Caso emblemático foi o da aquisição de caças para a força aérea brasileira. Enquanto os técnicos chegaram a conclusão de que os caça suecos eram os melhores, e que deveriam ser estes os adquiridos pelo governo brasileiro, o presidente Lula  a época disse preferir os caça franceses. O motivo? A empresa que produzia os caça franceses estava em dificuldades financeiras, e esta mesma empresa patrocinara a campanha do primeiro ministro francês Nicola Sarkozy, que estava apoiando o Brazil na luta por conseguir uma cadeira no conselho de segurança da ONU. Infelizmente não são estes fatos que chegam até nosso povo, ou, que se chega passa desapercebido ao largo da conversa do fim do dia que de "relevante" há apenas o futebol e o próximo capítulo da novela.      Alex Grijó

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Contra o aborto e a favor da guerra...
            A discussão a respeito da legalidade ou não do aborto ocupou recentemente as páginas de periódicos, a pauta de discussões partidárias, religiosas e de toda a sociedade constituída. Discutia-se o direito de escolha da mãe, ou do casal, a respeito de  poder querer ou não continuar uma gravidez indesejada independente do motivo. De minha parte considero uma intromissão muito grande do estado no direito pessoal de uma pessoa, que, mais do que ninguém, é quem pode saber se poderá cuidar de outra vida, dando lhe condições dignas de sobrevivência. Mas não irei discutir aqui minhas opiniões. Pretendo apenas apresentar como teriam surgido as campanhas contra o “fim da vida”, e como outros países vêem este procedimento.
 
A preocupação com a questão do aborto, e com as políticas de saúde pública nascem dentro de um contexto de grave crise no continente europeu. Surgem a partir de um momento definido pelo historiador Eric Hobsbawm como a “era dos extremos”. Estamos falando do período do entre e pós guerras mundiais do século XX. Infelizmente os dados que apresentarei são sempre omitidos dos debates de televisão ou propriamente das discussões políticas, pois, talvez se não o fossem, muita gente poderia ter opiniões um tanto quanto diferentes.
Na Europa a preocupação com o tamanho das populações se insere exatamente no período anterior a eclosão da primeira grande guerra em 1914. Os índices de natalidade de boa parte do continente se encontravam em vertiginosa queda. Essa preocupação tinha inclusive certa especificidade: a queda das taxas de natalidade da “raça” branca. Tratava-se de um consenso entre muitos especialistas de que o número da população influenciaria na força da nação diante de conflitos bélicos. Havia uma política clara dentro de muitos estados europeus, como por exemplo, Alemanha, Itália e Suécia, de se promover um estoque de seres humanos saudáveis e desejáveis. Era a busca de um número elevado de pessoas, mas que não possuíssem defeitos. Para isto, políticas de esterilização ocorreram em larga escala. As pessoas ditas “indesejáveis”, como deficientes físicos, mentais, surdos, cidadãos sexualmente “promíscuos” eram vistos como ameaça a estabilidade e prosperidade da “família” burguesa branca. Por isso deveriam ser extirpadas em médio prazo. Em muitos casos eram assassinadas de imediato. Estas práticas de esterilização de pessoas “indesejadas” continuou a ocorrer até bem pouco tempo em países como a Suécia e Suíça, por exemplo. A Alemanha de Adolf Hitler não fora uma exceção como muitos imaginam. A prática da eugenia fora difundida em muitas partes do mundo, como no caso dos Estados Unidos principalmente.
 
 A primeira guerra mundial matou algo em torno de 20 milhões de pessoas. Destes, pelo menos oito milhões eram de homens jovens. Esta ausência seria sentida e provocou a necessidade de políticas públicas que buscassem formas de se preencher este vácuo humano. Só na Alemanha, o número de viúvas deste pós guerra ultrapassava meio milhão de mulheres. A maioria nunca mais encontrou um marido. O número dos que voltaram com corpos e mentes dilacerados, e que nunca se recuperaram, ou que cometeram suicídio foi enorme. Por conta disto o Estado passa a intervir com maior ênfase na vida das pessoas, pois como teria dito o ditador italiano Benito Mussolini, “a ordem moral produz a ordem pública.”
Havia uma grande preocupação entre as sociedades européias que era devido a posição de certa independência alcançada por um bom número de mulheres durante a após a guerra. Como é sabido, enquanto os homens iam para as frentes de batalha, mulheres e crianças tinham de tomar seus lugares nas fábricas e indústrias existentes, fazendo com que seus respectivos países não parassem e mantivessem a produção de gêneros de primeira necessidade, inclusive armas para o front de batalha. Trata-se do surgimento da mulher moderna”, que de certa forma começa a por em xeque as posições de homens e mulheres dentro da sociedade. As mulheres passam a partir deste momento a questionar seus papéis de subordinadas dos maridos e requerer mais direitos sociais, principalmente do que se refere a igualdade de oportunidades e de sexo.
 
Na União Soviética, reduto do comunismo mundial, as mulheres tiveram a partir dos anos 1920 algumas conquistas que podemos chamar de revolucionárias. A emancipação bolchevique feminina deu as mulheres o direito de se divorciar, freou o poder da igreja sobre as mesmas, banindo vários privilégios patriarcais que estavam a séculos enraizados naquela sociedade. Falo-se inclusive em se abolir por completo o casamento e em encorajar uniões livres. Eram ataques soviéticos as instituições burguesas.
No restante da Europa a questão era bem diferente. Nenhum outro país tomaria o caso russo como exemplo, e o que mais acontecia era que as mulheres tinham suas posições de inferioridade mantidas. Em poucos lugares as mesmas tiveram acesso ao voto antes dos anos 1930. Os direitos das mulheres esbarravam no tradicional “culto a família burguesa”.
Após a guerra muitas mulheres foram forçadas a abandonar seus postos de trabalho e voltar para seus “devidos lugares”, ou seja, para os afazeres domésticos. Em determinados países, como a Inglaterra, por exemplo, as mulheres ao se casarem tinham de automaticamente pedirem demissão de seus empregos (interessante a respeito das mulheres que trabalhavam fora de casa é que até a década de 1960 elas recebiam seus salários em muitos países depositados nas contas de seus maridos). O fascismo alardeava que “a maternidade era o patriotismo das mulheres”.
 
Como já citado anteriormente, uma das preocupações era a queda na taxa de natalidade deste início de século. Em um momento em que conflitos militares estão prestes a eclodir, pensar em uma redução da população seria algo devastador. A formação dos exércitos nacionais e as melhorias na saúde pública estão intrinsecamente ligadas as previsões de guerras e conflitos em larga escala. Entre os franceses havia um medo crescente de que o aumento da população alemã viesse a lhe criar graves problemas. A eclosão da primeira guerra mundial levou muitos líderes europeus a propagar a idéia de que o papel da mulher era o da procriação e fornecimento de homens fortes e sadios para o desenvolvimento da sociedade. “a gravidez é o serviço ativo da mulher”, diziam. A população européia estava em declínio. Havia previsões de que estacionaria ou que iria diminuir nas próximas décadas. Havia um medo generalizado de que “raças de cor” invadissem o continente para suprir os lugares da “raça” branca. Certa vez em um discurso, Benito Mussolini disse:
“agora vão, e digam às mulheres que ponham muitos filhos no mundo. Muitos filhos!” este discurso fora direcionado as líderes da liga da organização feminina fascista italiana.  Na Alemanha havia o movimento que se posicionava contra o liberalismo das mulheres, a favor das obrigações maternas, e totalmente contra a trabalhadora que não a do lar materno. Ou seja, o papel das mulheres deveria estar limitado ao de mãe e dona de casa, produtora e educadora de soldados.
 
Paralelamente a isto é que surgem as campanhas contrárias ao aborto. Na iminência de guerras, de declínio populacional, os Estados tinham de buscar meios de conter a diminuição de possíveis braços para empunhar fuzis nos fronts de guerra. “o aborto constitui um peso para o estado, pois reduz à contribuição feminina á produção,” teria escrito um médico soviético mostrando que nesse caso, até o comunismo sucumbira a certas necessidades burguesas.
A pressão católica sobre o aborto terá neste momento das guerras mundiais uma intensificação muito grande, pois sua política sempre andara de mãos dadas com as ideologias do estado. A encíclica do papa Pio XI a respeito da santidade do matrimônio veio reforçar isto em 1930.
A partir deste momento vários países europeus passam a tratar como crime o aborto. Na Inglaterra levava a prisão perpétua quem praticasse tal ato. A Itália chegou a cogitar o registro de todos os casos de gravidez no país. “impedir a fecundidade do povo italiano constituía crime”.
Estes Estados citados estão entre os responsáveis diretos pela eclosão das guerras mundiais, e entre os que mais irão perder vidas nestes conflitos. Se as mulheres deixassem de ter filhos, aliada a possibilidade de entrar em uma guerra, poderia resultar em uma derrota política e militar de grande proporção. Para evitar colapsos várias medidas foram tomadas. Alguns países chegaram a cobrar impostos para solteiros, ao mesmo tempo em que promoviam várias políticas para os casados e para os que pretendiam ingressar na instituição matrimonial. Inicialmente isso não ajudou a aumentar os índices de natalidade, pois muitas mulheres entenderam que o que estava por trás de toda aquela pregação, era a da necessidade de crianças para serem transformadas em “buchas de canhão”. São as crianças e jovens que englobam o maior número de mortos nas guerras e conflitos armados.
Atualmente há uma luta pela descriminalização do aborto. Mas esta luta enfrenta várias resistências, que em muitos casos ainda é promovida por aqueles que se identificavam com tais políticas de morte do período entre guerras, como, por exemplo, a igreja católica. O movimento feminino que já luta há quase um século por melhores condições de vida, de igualdade, pelo direito de poder escolher o que fazer com sua vida conduzindo-a da forma que melhor lhe condiz enfrenta muitas resistências para se impor em vários lugares do mundo.
Atualmente o aborto é permitido em muitos dos países que promoveram os conflitos e as políticas anteriormente citadas. Na Inglaterra o aborto é permitido até 24 semanas e por questões econômicas, sociais e médicas. Na frança, e em Portugal também é permitido, variando apenas o período de gestação e também pelos mesmos motivos.  Na Itália é permitido até 90 dias, pelos mesmos motivos, e a qualquer momento se colocar em risco a saúde da mulher ou em caso de estupro. Na Espanha até 12 semanas em caso de estupro e posteriormente por má formação do feto. Nos Estados Unidos o aborto é legalizado, com exceção do estado de Dakota do Sul.
Trata-se de uma questão a ser discutida, mas que de minha parte acredito que nem o Estado, nem ninguém possuem o direito de intervir nas escolhas pessoais de cada um. Quem vai criar o filho é que deve saber de suas possibilidades, e a questão econômica de cada cidadão deve ser preponderante.
Assim como ocorreu em outra época em que se proibia o aborto pela necessidade de soldados para a guerra, hoje no Brasil se proíbe talvez, pelo mesmo motivo, só que para fornecer crianças inocentes para as mãos do tráfico de drogas, para a guerra pela sobrevivência nas favelas e sertões país adentro; para as necessidades cada vez mais de políticas assistencialistas de bolsa miséria, e para todos os outros tipos de políticas sujas que “visam” melhorias para a população e para o bolso dos que as promovem.
O último goitacá...
Ao fazer uma visita recente a cidade de Campos dos Goytacazes, e ir fazendo as naturais perguntas a respeito de uma cidade que pouco conheço, busquei informações junto ao meu amigo Lairte Almeida a respeito do paradeiro dos “primeiros” habitantes daquela terra, e que veio a ganhar este nome devido aos povos que ali habitavam. A resposta de meu nobre colega foi que estes indígenas desapareceram daquelas paisagens, e que hoje permanecem vivos apenas no nome da cidade. Resolvi então fazer uma busca a respeito do paradeiro dos mesmos, começando pelo monumento dedicado aos goitacás, e que se encontrava na entrada da cidade e fora retirado pela prefeitura, mas que hoje ninguém sabe onde se encontra. Encontrei no máximo imagens da retirada do monumento. A figura encontrada expõe de forma bem elucidativa o que de fato ocorreu com estes seres humanos: foram expulsos de suas terras e exterminados num verdadeiro genocídio ainda pouco explicado.




É possível acreditar que a retirada de tal monumento possa ser derivada de certo constrangimento, devido à contradição de em “suas” terras, não serem encontrados nenhum representante deste povo, de não haver instituições que busquem preservar a memória e o passado, de contar suas histórias e manter viva uma cultura rica, proporcionando conhecimento e até produzindo meios de não deixar que coisas parecidas aconteçam novamente, tendo como parceira da crueldade a nossa infeliz passividade e falta de memória.
As populações indígenas que habitavam estas terras quando da chegada dos povos europeus tiveram a partir deste momento duas opções: a primeira seria se tornar escravo e irem morrendo aos poucos, devido ao sofrimento e as doenças comuns a europeus, mas devastadoras para os indígenas devido a não possuírem resistência a uma simples gripe; ou promover franca resistência lutando ou fugindo para o mais longe possível (caso de muitas tribos que fugiram para o norte). Muitas foram às guerras promovidas pelo homem branco em busca de gentios, ou negros da terra como era costume chamar os indígenas. As guerras eram chamadas de “justas”, e eram autorizadas pelas autoridades competentes, ou pelo próprio monarca. Estima-se que quando da chegada dos portugueses ao Brasil haverem algo em torno de cinco milhões de pessoas já vivendo nestas terras. É um número elevadíssimo se levarmos em consideração a famosa frase que aprendemos na escola; o “descobrimento” do Brasil! Estes mesmos cinco milhões teriam sido exterminados em sua grande maioria já no primeiro século da colonização. O problema que se colocava diante dos europeus quando aqui chegaram era que havia “terras em abundância e necessidade de escravos; esta fórmula sem dúvida muito tinha a ver com a formação da sociedade colonial brasileira”.1 Os que sobreviveram à escravidão e ao extermínio estariam hoje em número de pouco mais de 300 mil pessoas. O caso das tribos goitacás seria o das tribos que resistiram e foram exterminadas por sua valentia. Há vários relatos que tratam de tal comportamento. Alguns relatos super exagerados de viajantes que por aqui estiveram contam como esses homens pescavam tubarões “usando apenas um pedaço de pau afiado nas extremidades. Ao mordê-lo, o tubarão ficava preso e era então puxado para fora do mar”.2
Manuel martins do Couto Reis escreve em 1785 sobre estes povos. Seu relato está impregnado de falácias sobre os indígenas, que foram descritos de forma errônea e intensional por muitos viajantes que por estas terras caminharam desde o século XVI. Vejamos o que Couto Reis disse sobre os indígenas;

 
eram estes índios dotados de uma condição feroz, e inclinados a mais brutal crueldade, de tal sorte, que caindo qualquer individuo de diferente nação nas mãos de sua barbaridade, o dilaceravam logo para uso de seus manjares”. Manuscritos de Manuel Martins do Couto Reis. 1785, p.119.

A respeito dos índios puris; “índios assaz corpulentos, audazes, destemidos, vigilantes e de máximas muito atraiçoadas, inclinados a toda desumanidade, dando a morte a qualquer vivente, que encontram seja, ou não irracional, ainda que os não defendam”. p.121.
 
Os relatos eram exagerados e tinham a intenção de  justificar o tratamento dispensado as "ferozes bestas" com aparência humana... 
O fato é que no primeiro século da colonização portuguesa, era inviável esta empreitada sem a utilização da mão de obra escrava indígena. Várias leis foram editadas e revogadas a respeito da liberdade dos indígenas. Uma lei de 1570 apregoava a liberdade dos indígenas, mas dizia ao mesmo tempo que se fossem em guerras justas os mesmos poderiam ser escravizados. “as causas legítimas das guerras justas seriam a recusa á conversão ou o impedimento da propagação da fé, a prática de hostilidades contra vassalos e aliados dos portugueses e a quebra de acordos celebrados.”3. Em 1609 tivemos nova lei que declarava que todos os índios na América portuguesa eram livres. Essa lei seria revogada em 1611 por pressão dos padres jesuítas e pelos colonos portugueses, que necessitavam da manutenção destas pessoas como escravas para a manutenção de suas empresas de exploração na colônia.
Ao tentar conciliar projetos incompatíveis, embora igualmente importantes para seus interesses, os gentios cuja conversão justificava a própria presença européia na América, eram mão de obra sem a qual não se podia cultivar a terra e, defendê-la de ataques inimigos tanto europeus quanto indígenas. Enfim, sem a qual o projeto colonial era inviável.4.
A Historiadora Sheila de Castro em “A Colônia em movimento” nos relata que os viajantes que pretendiam se aventurar pela região dos campos dos goitacases recebiam informações assustadoras a respeito dos habitantes do local. Os ditos “índios” seriam devoradores de carne humana, “exímios caçadores de tubarões e jacarés, vingativos e colecionadores de ossos humanos. Contavam que os poucos que mantiveram contato com os famosos goitacases não ficaram vivos para relatar o que viram”.6
As lendas em torno destes goitacases eram muitas. Falava-se, por exemplo, que caçavam até “tigres” com seus arcos. Eram apresentados não como seres humanos, mas sim como bestas com aparência humana. É possível entender estas descrições a partir do ponto de vista daqueles que pretendiam tomar estas terras daqueles povos, e precisam de uma justificativa. Logo, ao promover guerras não às promoviam contra inocentes, mas sim contra bestas devoradoras de homens. Desta forma a consciência ficaria mais tranqüila após os genocídios.
De acordo com o relato de Simão de Vasconcelos os goitacases eram os ocupantes de uma região notável e aprazível. Uma das mais interessantes da colônia. O problema destas terras então era que elas estavam “defendidas por povos bárbaros e selvagens, que resistiam ao contato europeu”, e estes mesmos europeus a queriam de qualquer forma. Então se promoviam as guerras “justas”.
Sendo a guerra justa possibilidade indiscutível de escravização lícita, pode-se imaginar o interesse que sua declaração tinha para os colonizadores”.7
O Historiador campista Júlio Feydit que escreveu no fim do século XIX, assim nos relata a impressão de um viajante francês conhecido como Knivet, que assim descreveu os goitacases:
“Os ouetacás não cessam de guerrear seus vizinhos, e não recebem estrangeiros entre eles para negociarem. Quando eles não se julgam os mais fortes fogem com ligeireza comparável a dos veados. Seu porte sujo e asqueroso, seu olhar feroz e sua fisionomia brutal, fazem dele o povo mais odioso do universo. Ele se distingue da maior parte dos indígenas do Brazil pela sua cabeleira a qual deixam cair às costas e só cortam um pequeno círculo na fronte. Sua linguagem não se parece com a de seus próximos vizinhos.”
Como podemos ver, os goitacases são descritos como extremamente ferozes e ágeis, além de não gostarem nem um pouco do contato com o homem branco.  Este comportamento será decisivo para seu extermínio. Feydit apresenta relato de Simão de Vasconcelos que escrevera sobre a vida do padre João de Almeida da Companhia de Jesus na província do Brazil. Vasconcelos fez uma descrição a respeito do fim destes povos, descrevendo como teriam sido mortos pelos portugueses. Na referida descrição o autor diz que “a toda pessoa estranha que encontrava, fazia pasto de seus dentes.” Declarando que para estes índios não haveria coisa melhor do que comer carne humana. A gota d’água para dar fim a estas pessoas teria sido o ataque a um navio português que teria ancorado no ano de 1630 nas praias daquela região. Vasconcelos conta que os tripulantes teriam fugido por terra antes de serem apanhados pelos goitacás, mas a notícia que teria se espalhado era a de que eles teriam sido devorados pelos índios ferozes. Os “responsáveis” pelo massacre teriam sido os índios das capitanias de Cabo Frio e do Espírito Santo, que teriam ido até o local para acudir (?) aos portugueses. Ao chegarem e apenas encontrar destroços do navio, que teria de fato sido destruído pelo tempo e pelas marés, imaginaram que teria sido destruído pelos goitacases. A partir desta impressão, as tribos que vieram socorrer os portugueses resolveram dizimar os índios campistas. “feitos em um corpo deram sobre os índios e os mataram todos; e o que mais, que não contentes com esta vingança entraram sertão até as suas aldeias e a todos os mais que se acharam homens, mulheres e meninos deram a morte, sem perdoar sexo, idade e destruindo as aldeias acabando por uma vez aquela tão nociva nação de gente, tão odiosa á todo hospede e a todo caminhante; ficando dali em diante seguras e tratáveis aquelas campinas.”[8]
A descrição de gente tão bárbara pode ser explicada, como já citado anteriormente, pela necessidade de se encontrar justificativas para seu extermínio. Declarar que não possuíam deuses, ou deus, que comiam carne humana e eram extremamente ferozes era uma forma comum de descrição feita pelos colonizadores dispostos a tomar novas terras e escravizar ou, em último caso, por fim aquelas vidas. Isto não se deu apenas com os povos destas terras brasileiras. Vários foram os povos mundo afora vitimados a partir destes estereótipos. Um exemplo foi o ocorrido do outro lado do mundo com os habitantes originais da Tasmânia, que tendo certa hostilidade e desconfiança com relação ao homem branco, foram em apenas uma geração totalmente dizimados. Não há hoje sequer um habitante original daquele povo naquele país. Os últimos membros deste povo teriam sido aldeados por um pastor evangélico, que teria dito que melhor era eles morrerem ali, na aldeia, do que estarem nas matas a mercê dos colonos ingleses. A última pessoa daquele povo teria morrido no ano de 1883 na própria aldeia, já idosa e sem filhos. Eram em número de cinco mil pessoas antes da chegada dos ingleses.
No caso dos goitacases, temos poucos indícios de seu paradeiro, ou do paradeiro de algum sobrevivente. É sabido que a cultura e o conhecimento que aquele povo detinha se perdeu. O que temos são relatos como os citados anteriormente descrevendo os indígenas a partir do olhar do conquistador, que não é de forma alguma imparcial.
É triste, mas acredito que podemos declarar que este aqui, caído, é de fato o último goitacá...





<!--[if !supportFootnotes]-->

<!--[endif]-->
<!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--> MONTEIRO, John Manuel. Negros da terra. Índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. Companhia das letras, terceira reimpressão, p.129).
<!--[if !supportFootnotes]-->[2]<!--[endif]--> MOISÉS, Beatriz Perrone. Índios livres e índios escravos. Os princípios da legislação indigenista do período colonial (séculos XVI a XVIII).
<!--[if !supportFootnotes]-->[4]<!--[endif]--> FARIA, Sheila de Castro.  A colônia em movimento.
<!--[if !supportFootnotes]-->[7]<!--[endif]--> FEYDIT, Júlio.  Subsídios para a história dos Campos dos Goitacases. P.18.