segunda-feira, 21 de abril de 2014

Apenas algumas Inconfidências...



Neste 21 de Abril homenageia-se aquele que ficou conhecido como o líder do movimento que pretendia instaurar uma verdadeira revolução na capitania das Minas Gerais e que ficou conhecida como inconfidência Mineira. Este movimento não passou de algumas reuniões, em que nem todos os envolvidos conseguiram estar presentes. Para alguns Historiadores e analistas não passou de um sonho de “poetas” já que a elite intelectual da capitania esteve envolvida. E vários foram os motivos do pretenso levante. Segundo a Historiadora Mary Del Priore “a inconfidência mineira registrou articulações e motivações externas e internas ao mundo colonial”. 
Entre estas motivações estavam às novas ideias que sopravam da Europa e da América do Norte: eram os ideais iluministas e republicanos que dentro de pouco tempo transformariam a Europa e boa parte do mundo para sempre. Muitos eram os brasileiros que estudavam no velho continente e tinham contato com as novas ideias. Entre eles, um de nome José Joaquim da Maia chegou inclusive a se reunir com Thomas Jeferson, um dos principais líderes e ideólogos da Independência Norte Americana recém-conquistada frente à Inglaterra. O jovem brasileiro conversou sobre uma possível independência de Minas Gerais e da formação de um governo republicano. Não há relatos de algum desdobramento da conversa.
Entre as motivações internas havia a questão econômica, devido ao declínio da produção aurífera da capitania e da cobrança de impostos por parte da Coroa portuguesa. Na verdade, a população e principalmente a elite mineira estava muito preocupada por conta de suas dívidas que chegariam a algo próximo de 8 toneladas de ouro no ano de 1789[1]. A exportação de ouro caiu de 2,2 milhões de libras em 1760 para 700 mil em 1775 e vinha caindo continuamente nos anos seguintes [2]. Com a proclamação da derrama, que seria a cobrança total da dívida, os grandes devedores poderiam ir à falência. Logo, se desvencilhar da coroa portuguesa seria um grande negócio, pois suas dívidas deixariam de existir. Neste caso, uma República não cairia nada mal para os interesses da elite mineira. Segundo o Historiador Lorenzo Aldé, “as Minas Gerais foram palco da primeira aventura republicana brasileira. Na rica capitania, o interesse do “povo” era livrar-se dos escorchantes impostos a que era submetido pela Coroa portuguesa “[3].

Segundo os Historiadores Arno Wehling e Maria José Wehling outros fatores pesaram na predisposição da capitania em se tornar independente. Segundo os mesmos “desenvolvera-se na região uma plutocracia diferente dos senhores de engenho do litoral, cujos interesses encontravam-se razoavelmente diversificados e que não dependia exclusivamente da exportação de matérias primas[4].

Nas reuniões ocorridas muito se teoriza e pouco de concreto era feito para se desenvolver a revolução. Havia dúvidas sobre a forma de governo. Uns eram adeptos da monarquia, outros defendiam o ideário republicano, por mais que não ficasse claro que tipo de República seria essa. A escravidão provavelmente permaneceria.
Wehling e Wehling nos dizem que a conjuração
“reduziu-se a algumas reuniões, das quais participaram proprietários rurais, burocratas e padres, como José Álvares Maciel, o Tenente Coronel Freire de Andrade, o ouvidor Tomás Antônio Gonzaga, Silva Alvarenga, padre Toledo e Melo e o alferes Joaquim José, entre outros. Nelas criticou-se o governo português e a administração colonial e discutiram-se fórmulas políticas de separar o Brasil de Portugal. Quanto a forma de governo, alguns declararam-se monarquistas, outros republicanos. Cogitou-se também a instalação de uma Universidade, da promulgação de novas leis e de aspectos mais práticos e imediatos, como a organização de uma milícia popular e do fornecimento de armas e pólvora[5].

Para Gilberto Cotrim

 A Inconfidência Mineira não foi uma revolta de caráter popular. Visava apenas o fim da opressão portuguesa que prejudicava a elite mineira. Não tinha como finalidade acabar com a opressão social interna, que atingia a maioria da população.


Após essas reuniões e poucos meses passados o movimento foi delatado por Joaquim Silvério dos Reis, Basílio Brito Malheiros do Lago e Inácio Correia Pamplona. Vários foram condenados a pena de degredo na África e apenas Joaquim José foi condenado à forca. Alguém tinha de dar o exemplo para que tal ato não voltasse a ocorrer em território “luso”. Entre os degredados, uns retornaram e assumiram cargos políticos no Brasil, outros obtiveram cargos de prestígio na África. Suas fortunas praticamente não sofreram nenhuma diminuição.
A respeito das fortunas, O Historiador André Figueiredo em seu livro A Fortuna dos Inconfidentes nos conta sobre como os mesmos protegeram esse patrimônio das garras da coroa portuguesa.  Ele apresenta o perfil dos inconfidentes e destaca que “grosso modo, tem em comum o fato de serem todos ricos proprietários de terras, empregadas tanto em atividades minerais quanto agrícolas, bem como possuírem significativo número de escravos”. A influência destes inconfidentes poderosos vai fazer com que seu patrimônio permanece praticamente intocado, fato este incomum, já que em casos de crimes graves contra o governo os bens eram todos confiscados. Figueiredo nos diz que para isto os inconfidentes contaram com a conivência das autoridades locais. Os que retornaram de seu degredo, puderam voltar a viver como antes.
No artigo “Fortunas preservadas” o professor Figueiredo informou sobre diversas posses do Alferes Tiradentes. E entre estas posses pode-se relatar um sítio de 50 Km quadrados que compreendiam 8 sesmarias e que explorava fábrica avultada de escravos. Consta também de suas pesquisas que Tiradentes também possuía outras fazendas na região de Simão Pereira, que compreendiam 3 sesmarias.
 O único que não teria tido nenhuma chance de recomeçar foi de fato o “líder” Tiradentes.  Mas veremos esta questão mais a frente.
  Em se falando de execuções de “líderes” revoltosos na colônia brasileira, podemos fazer uma comparação com outra revolta ocorrida no atual Estado da Bahia exatamente na mesma época, e que ficou conhecida como a revolta dos Alfaiates.
 No ano de 1798 explodiu uma revolta popular na cidade de Salvador. O levante era composto por diversas camadas da sociedade, mas a maioria eram negros e pobres, escravos e libertos. Foi à chamada revolta dos alfaiates que proclamava uma série de mudanças sociais, entre elas a questão da igualdade entre os homens. De acordo com a Historiadora Mary Del Priore o ideal do movimento era “a construção de uma sociedade igualitária e democrática em que as diferenças de raça não estorvassem as oportunidades de emprego nem de mobilidade social”. Os ideais iluministas também fizeram parte deste movimento, e assim como na França revolucionária os sentimentos contrários ao comportamento da igreja católica estavam presentes. 

Ainda segundo Priore, “os discípulos dos chamados “francesismos” não respeitavam os dias de festa religiosa que exigiam o jejum de carne, apedrejavam os nichos de imagens sacras nas esquinas das ruas, onde era hábito rezar terço, atacando publicamente os dogmas da igreja, afirmando que não havia juízo final, céu ou inferno”.
            Os ideólogos do movimento espalhavam pela cidade vários panfletos em que conclamavam o povo baiano a apoiar a insurreição. A data escolhida para o levante foi o dia 28 de agosto. Um dos envolvidos, o soldado Lucas Dantas disse que a revolução é “fazer uma guerra civil entre nós, para que não se distinga a cor branca, parda e preta, e sermos todos felizes, sem exceção de pessoas de sorte. Só governarão aqueles que tiverem maior juízo e capacidade ficando esta capitania sob um governo democrático absoluto “[6].

            O governador ficou sabendo dos planos e mandou prender os envolvidos que eram em número de 31. Foram 22 indiciados, sendo que dos mesmos, 16 eram pobres e constavam não ter nenhuma posse. Eram os alfaiates, sapateiros, soldados, escravos e libertos. Entre os envolvidos estava Cipriano Barata, cirurgião formado em Coimbra e que terá atuação destacada no primeiro reinado como jornalista. Além dele havia outros integrantes de hierarquia social elevada como um cirurgião, dois oficiais militares, um professor de gramática entre outros.
            Em 7 de novembro de 1799 sai a sentença e na data seguinte são enforcados e esquartejados os soldados Luis Gonzaga das Virgens e Lucas Dantas e os alfaiates João de Deus e Manuel Faustino. Outros sete réus foram degredados para a África, sendo cinco pardos e pobres. Cipriano Barata e o Tenente Hermógenes foram absolvidos, logo os que tinham mais instrução e conhecimento de ideias revolucionárias.
Para os escravos e libertos que não sabiam ler, o que lhes atraia era sem dúvida as ideias de liberdade e igualdade. “os representantes da elite branca, pouco a vontade num movimento radical, receberam penas leves. A mão da justiça colonial batia pesadamente, mais uma vez, sobre as camadas populares que ousavam se levantar contra o regime[7].
Voltando a Minas e ao Alferes Joaquim José, há inúmeras controvérsias a seu respeito. Discute-se se teve algum real papel de liderança no movimento mineiro. Se possuía bens ou se era apenas remediado. As opiniões são diversas e não deixam de surgir com o passar dos anos provocando inúmeras discussões. 
Segundo o Historiador  Keneth Maxwell autor do livro "A Devassa da Devassa“,Joaquim José da Silva Xavier não foi o líder da conjura mineira, movimento sem líderes, segundo a declaração dos envolvidos, durante a devassa [...]. Apesar disso, Tiradentes pode ser considerado herói por vários motivos. Em primeiro lugar, por sua personalidade expansiva, tendo desempenhado papel de agitador político do movimento, o que o deixou em posição de vulnerável destaque. Em segundo lugar, porque foi o bode expiatório da conjura mineira, recaindo sobre ele a maior culpa na devassa”.
Mas se há controvérsias sobre a participação de Tiradentes na conjuração mineira, há uma outra discussão que pode gerar transformações incríveis em nossa História. Essa discussão é a que trata da questão de que Tiradentes não teria morrido enforcado. ele teria fugido para A França e em seu lugar morrera um bandido qualquer. Esta tese é do Historiador Carioca Marco Antônio Correa que diz o seguinte.
"um ladrão condenado morreu no lugar de Tiradentes, em troca de ajuda financeira à sua família, oferecida pela maçonaria. Testemunhas da morte de Tiradentes se diziam surpresas, porque o executado aparentava ter menos de 45 anos. Sustenta Correa, que Tiradentes teria sido salvo pelo poeta Cruz e Silva [maçom, amigo dos inconfidentes e um dos juízes da Devassa] e embarcado incógnito para Lisboa em 1792" (PINCA, 2006).
A respeito disto, o Historiador Carlos Ballarotti revela que 
"esta vertente que destrói toda a história de Tiradentes até agora conhecida, também não é inédita. Existem, mesmo na região de Minas, algumas lendas a este respeito, conforme constatado por turistas que visitaram as cidades históricas da região. Um dos motivos dessa afirmativa diz respeito ao desaparecimento da cabeça do herói no primeiro dia de sua exposição na cidade de Vila Rica, a qual nunca mais foi encontrada. Se a cabeça não fosse de Tiradentes, acabariam por descobrir".(BALLAROTTI)

Segundo Laura Pinca Correa  “começou a suspeitar disso quando viu uma lista de presença da Assembleia Nacional francesa de 1793, onde constava a assinatura de um tal Joaquim José da Silva Xavier, cujo estudo grafotécnico permitiu concluir que se tratava da assinatura de Tiradentes”.
Este fato pode provocar uma mudança enorme sobre o que sabemos a respeito da conjuração mineira e sobre a História do Brasil. Por enquanto, resta comemorar o dia de nosso "herói".




[1] PRIORE, Mary. VENÂNCIO, Renato. Uma breve História do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2010. P.144-146.
[2] WEHLING, Arno. WEHLING, Maria José C. de M. Formação do Brasil colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994, p.320.
[3] ALDÉ, Lorenzo. Contestadores planejavam o fim da monarquia, no século XVIII, em diversas regiões. Revista de História da Biblioteca Nacional. Edição nº 50 - Novembro de 2009.
[4] WEHLING, Arno. WEHLING, Maria José C. de M. Formação do Brasil colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994, p329.
[5] Idem, p.330.
[6] Ibidem, p333.
[7] PRIORE, Mary. VENÂNCIO, Renato. Uma breve História do Brasil. São Paulo: Editora  Planeta do Brasil, 2010, p.151.
COTRIM, Gilberto. História e consciência do Brasil. São Paulo: Saraiva 1999. In: Carlos Roberto Ballarotti A Construção do mito de Tiradentes: de mártir republicano a herói cívico na atualidade. Acessado em Antíteses, vol. 2, n. 3, jan.-jun. de 2009, pp. 201-225 http://www.uel.br/revistas/uel/index. php/antiteses.
 MAXWELL, Keneth R. A devassa da devassa. Trad. João Maia. 2. ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra,1978.In: Carlos Roberto Ballarotti A Construção do mito de Tiradentes: de mártir republicano a herói cívico na atualidade. Acessado em Antíteses, vol. 2, n. 3, jan.-jun. de 2009, pp. 201-225 http://www.uel.br/revistas/uel/index. php/antiteses. 

PINCA, Laura. Tiradentes, o bode expiatório. Montfort Associação Cultural.Disponível em<http://www.montfort.org.br/index.php?secao=veritas&subsecao=historia&art
=tiradentes&lang=braOnline>.

 Carlos Roberto Ballarotti A Construção do mito de Tiradentes: de mártir republicano a herói cívico na atualidade. Acessado em Antíteses, vol. 2, n. 3, jan.-jun. de 2009, pp. 201-225 http://www.uel.br/revistas/uel/index. php/antiteses.