segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Os retornados...
Muitos são os fatos relacionados à escravização de africanos no Brasil. Suas influências, suas lutas, sofrimento, rebeldia e todos os aspectos encontrados em nosso passado e cotidiano são marcantes e impossíveis de serem esquecidos, mesmo que em muitos casos se queira esquecer.
Mas há um fato interessante a respeito dessas pessoas escravizadas e deste nosso passado que poucos de nós sabemos que aconteceu: o retorno de muitos ex-escravos ao continente africano antes e depois de 1888, ano da abolição da escravatura no Brasil.
Muitos dos que conseguiram a liberdade voltaram à África alcançando riquezas e ajudaram ainda a formar comunidades e bairros “brasileiros” em várias regiões daquele continente. Muitos desses brasileiros retornados obtiveram forte influência em vários governos africanos obtendo prestígio e riqueza. Alguns se tornaram comerciantes e fizeram fortuna com o tráfico de escravos e de outras especiarias para o Brasil. Exemplo maior desta trajetória de retorno e de enriquecimento se deu com o baiano Francisco Félix de Souza, filho de uma escrava com um senhor português, que ao ser alforriado aos 17 anos resolveu retornar a terra de seus antepassados. Francisco após tomar esta decisão prosseguiu para o reino do Benin no ano de 1788 e assim como muitos de seus “irmãos” africanos tornou-se um próspero traficante de escravos, deixando ao fim de sua vida uma fortuna estimada em 120 milhões de dólares calculada em moeda atual, e chegando a possuir mais de 12 mil escravos em seus 94 anos de idade. Foi um dos homens mais ricos de seu tempo no continente africano.
Nesta foto acima está o embaixador Carlos Fonseca junto de uma representante da família Pereira.

Esta foto foi tirada pelo Historiador brasileiro Carlos Fonseca que esteve na África para encontrar estas pessoas e conhecer de perto suas histórias trocando cartas entre brasileiros e africanos, fato este que originou o projeto “cartas d´ África. Na foto acima estão os descendentes de Francisco Félix de Souza e no quadro a direita encontra-se uma gravura do mesmo. Em primeiro plano vemos na foto Honoré de Souza, oitavo líder do clã de descendentes de Francisco Félix. Fato que me chamou a atenção foi o aspecto da construção ao fundo na foto. É idêntica a encontrada na fazenda Machadinha na cidade de Quissamã, que preserva senzalas e aspectos culturais de comunidades de ex escravos da região. São casas compridas e com grandes janelas. Curiosidade é que não por acaso, o nome Quissamã identifica uma nação africana.
Alberto da Costa e Silva, o maior africanólogo em língua portuguesa descreve em “Um rio chamado Atlântico” vários pormenores da vida destas pessoas retornadas desde aquela época até os remanescentes nos dias atuais.  
(Carlos Fonseca e a família Subero Pereira)
 De acordo com Alberto da Costa e Silva “desde o início do século XVIII, mas, sobretudo após as revoltas muçulmanas de 1807 a 1835 na Bahia... instalaram-se em vários pontos da costa africana, comunidades de brasileiros que se dedicaram ao comércio de escravos, ao comércio transoceânico, ao cultivo do tabaco, do cacau, da mandioca e do algodão, a construção civil, aos ofícios manuais especializados e ás profissões liberais[1].

            Essas pessoas retornadas na maior parte das vezes não retornava a suas comunidades de origem. Muitos deles nem origem africana possuíam (no sentido de que não nasceram lá, mas sim aqui no Brasil). Voltar ao continente de onde teriam saído seus antepassados não era uma decisão fácil de ser tomada. Muitos dos que para lá partiram não eram africanos, mas sim brasileiros, e como tais, possuíam a cultura, e os costumes provenientes do encontro étnico que se dera no Brasil. Se “reencontrar” na África seria algo muito difícil. Costa e Silva nos diz que esses retornados encontraram muitas dificuldades devido a “cerrada solidariedade tribal e de hábitos a que não mais se sentiam vinculados”.
Essas pessoas até hoje se denominam “brasileiros”. Acabaram por se agrupar e desenvolver comunidades próprias, iguais as que se pode ver em várias regiões aqui no Brasil, em que descendentes de alemães, portugueses e japoneses vivem em regiões que em muitos aspectos lembram sua terra natal. No caso desses brasileiros e africanos retornados eles formaram e perpetuaram em plena África bairros e grupos de “brasileiros”. “Concentravam-se geralmente em bairros próprios como o Brazilian Quarter de Lagos, o Quartier Brésil e o Quartier Marô em Ajudá... Outros grupos formaram vilas e cidades, como Atouetá e Porto Seguro, ambas no Togo.[2]
            Estas pessoas levaram consigo vários costumes, que acabaram por se mesclar novamente com outros costumes africanos e a partir daí produzindo novos movimentos culturais como no caso da dança do Boi Bumbá, que em regiões da África se reproduz de forma parecida, mas já com outras denominações. Vale a pena buscar conhecer um pouco desta História fantástica que ao ser visitada nos passa a impressão de que muito de nós lá se encontra, muitos costumes que foram mesclados e que poderiam nos assustar por conta de tão familiar podem ser encontrados junto de “brasileiros” que nunca conheceram o Brasil. E nós, que pouco sabemos de nossos antepassados africanos, nos devemos este saboroso encontro...


[1] SILVA, Alberto da Costa. Um rio chamado atlântico: a África no Brasil e o Brasil na África. Rio de Janeiro, Nova Fronteira; 2011.
[2] Idem.
Fotos do projeto "Cartas da África" do Historiador e Embaixador brasileiro Carlos Fonseca.