quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Tragédia, descaso ou missão divina?

      Nos últimos dias não se fala em outra coisa, a conversa é sempre a mesma ´´Que tragédia o que aconteceu na região serrana ´´, junto com o comentário vem sempre as indagações: Mas de quem é a culpa? Um diz: ´´coisa da natureza, não separa pobre de rico todo mundo está sofrendo as conseqüências, outro: É falta de fiscalização, se não fosse o leilão que as prefeituras fazem com suas pastas de secretarias tudo poderia ser evitado e vão ter aqueles que irão colocar a culpa em deus, os religiosos pela fé e os políticos por esperteza, já que é muito mais fácil achar um culpado que não pode ser julgado e que é sempre justo com todos os seres da face da terra.
      Uma coisa é certa, sendo qualquer destes fatores quem é o mais prejudicado? Com certeza, rico vai ser a minoria atingida uma pequena porcentagem. Vimos por exemplo a estória de um caseiro de uma propriedade em que a casa do patrão por mais castigada que foi estava em ótimo estado e sem nenhum risco de desabamento instantâneo, enquanto a do funcionário....era só um amontoado de madeira que com certeza não era de lei, e o que é pior junto com a sua moradia foi embora para nunca mais voltar sua família. Então em qual desses fatores este cidadão se encaixa? Como podemos ver ele era como a maioria, ou seja, pobre que se estivesse morando na casa do patrão a probabilidade de ficar sozinho sem seus familiares seria bem menor.
      Teve bairro com mais de duas mil moradias que sumiu do mapa. Será que tinha algum milionário nesta área? Creio que não. Sendo desastre natural, negligência das autoridades ou coisa divinal, chegamos à seguinte conclusão. Quem sempre leva a pior é o menos favorecido e nem por isso é poupado da desgraça, até quando estes acontecimentos funestos vão acontecer? Tirando vidas e quando não, a esperança de quem não teve a sorte de nascer em uma família de posses e por isso vive condenado a viver em lugares não habitáveis. E quem deveria fazer alguma coisa se faz de cego e depois quer colocar a culpa em algo sobrenatural, ou aparece com a solução mágica de que vamos construir casas em lugares seguros para estas pessoas, e porque não fizeram isto antes? Talvez porque não iriam ter a quantidade de doações que se consegue nestes acontecimentos e com a falta de organização junto ao sentimento de solidariedade das pessoas parte destes donativos serão desviados e não vamos ficar sabendo como aconteceu. É isso.
                                                                               Lairte Almeida

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Uma tragédia anunciada...

Tristeza, desolação, vazio, perplexidade, dor. Estas são algumas das palavras que podem descrever o que milhares de pessoas estão passando neste momento devido as chuvas em nosso país. A tragédia anunciada que toma conta de nossos telejornais, e que nos faz perguntar quantas mais ainda irão ocorrer, irá deixar marcas eternas na vida daquelas pessoas e daqueles municípios. A parte mais revoltante da estória, é que sabemos que algo poderia ter sido feito. Segundo o secretário do governador Sérgio Cabral, Carlos Minc, as autoridades da cidade de Nova Friburgo receberam as informações de que ocorreriam chuvas com nível muito elevado com seis dias de antecedência. Há que se perguntar o que fora tomado de providência para ao menos amenizar tal tragédia?
Os cálculos prematuros já apontam para mais de três bilhões de prejuízos. Segundo especialistas, o custo com prevenção chega a ser sete vezes menor que este valor. Investimentos em equipamentos que poderiam monitorar a cabeceira dos rios avisando da intensidade e aumento do nível com alguma antecedência, sistemas de monitoramento via satélite, somado a um plano de contingência, aliado a não negligência do poder público teriam reduzido drasticamente as conseqüências.
 Na região serrana, não se levando em conta a negligência do poder público, a falta de um plano de contingência teve impacto preponderante no número de mortos.   As autoridades que segundo Carlos Minc receberam a informação, não sabiam o que fazer com ela (neste caso isso também é negligência). O caso é idêntico ao ocorrido na Ásia com os tsunamis que mataram mais de 200 mil pessoas recentemente. As autoridades também foram avisadas do que estava por ocorrer, mas, não tinham a menor ideia do que fazer com ela. Possivelmente não acreditaram que seria algo tão devastador.
A questão é: o que nossas autoridades estão fazendo para evitar tais tragédias? Um ano se passou da tragédia do morro do bumba no Rio de Janeiro e mesmo assim ainda existem pessoas morando naquela área de risco.
O que será feito daqui a um ano com as outras áreas de risco? Pergunto isso não em relação às medidas tomadas pelo estado, mas pela natureza. Quem serão os próximos a chorarem a morte de seus filhos?

sábado, 15 de janeiro de 2011

Se não temos um inimigo, inventamos um!


Nos últimos tempos tem sido lugar comum falar do Irã e de seu regime dos Aiatolás, de seu enriquecimento de urânio com propensas intenções de produzir armas de destruição em massa e das condenações “sumárias” de ativistas contrários ao governo estabelecido. Confesso que acho difícil ter uma visão clara destas questões, principalmente devido a nossas fontes de informação, que são baseadas no que Londres, Nova York e Washington querem que seja publicado. Mas, é possível fazer alguns questionamentos.
Como se sabe, os principais acusadores dos iranianos são os norte americanos, que em matéria de “confiabilidade” tem nota zero em qualquer avaliação séria. Veja-se o caso do Vietnã, do Iraque e do Afeganistão, que baseados em mentiras mataram milhões de pessoas, apenas por interesses econômicos. Isto é fato. Mentiras por dinheiro.
Os americanos do norte defendem que apenas eles e seus aliados têm o direito de possuir armas de destruição em massa. Os americanos do norte acham absurdas as condenações à pena de morte no Irã. Mas eles fazem o mesmo com suas cadeiras elétricas.
Os livros de Paulo Coelho foram proibidos no Irã. É dito que se deve a manifestações de apoio do escritor a um amigo iraniano, e por protestos por conta da morte de uma ativista contraria ao governo atual. Alexandre Garcia disse no dia 11 deste janeiro que “nós não sabemos o que está acontecendo no Irã.” Concordo plenamente. Com as informações extremamente parciais a que somos submetidos pelos nossos jornalistas extremamente parciais, sempre estaremos mal informados Alexandre.
Baseado naquilo que não sei a respeito do que de fato se passa no Irã, fico a me perguntar se lá, morrem tantas pessoas nas filas dos hospitais a esperar por um simples leito, ou um transplante de órgão. Se morrem tantas pessoas assassinadas como no Brasil, que só em Salvador este ano(é, este ano) já foram assassinados mais de 50 pessoas. Se lá tantas pessoas desaparecem depois de entrar em viaturas policiais. Se morrem tantos jovens como aqui na saída dos estádios de futebol. Se homossexuais são tão discriminados como aqui, em que jovens de classe média saem agredindo estas pessoas simplesmente por sua condição sexual (no Irã a mudança de sexo é permitida e financiada pelo sistema de saúde, que fornece nova documentação para a pessoa). Pergunto-me se tantas pessoas morrem soterradas a cada dia de chuva nas cidades iranianas(se a chuva os castiga a cada ano como tem sido lugar comum aqui). Se na volta para casa depois de um fim de semana de festas, as estradas ficam cheias de mortos que sempre ultrapassam as centenas. Se a corrupção é tão difundida, tão desenfreada e tão sem punição como aqui, um país democrático e cristão. Há que se lembrar que o nível de desenvolvimento humano do Irã é considerado médio, assim como os do Brasil,da Venezuela, do Gabão, Vanuatu, Comores, Suazilândia, Belize, Fiji e Quirguistão (que grupo hein!). Deveríamos estar um pouco melhor que eles, você não acha?
No caso dos norte americanos, os fatos não mentem (a TV sim). Estes são de fato os maiores terroristas do mundo. Para impor seus interesses econômicos os americanos do norte usam da força, das armas, e da total violência em nome de sua estabilidade. Estabilidade esta que precisa da manutenção das guerras, da violência, já que sua economia depende em muito da sua indústria de armamentos, que sem o medo dos conflitos, e dos conflitos de fato, iriam à falência. No caso do oriente médio, fazem-se necessárias ações para o controle de sua produção de petróleo. Se determinado país oriental não estiver de acordo com a política norte americana, será chamado de integrante de algum "eixo do mal" e de estar desenvolvendo armas de destruição em massa( os órgãos competentes responsáveis por avaliar o Irã confirmaram em seus relatórios que não há nenhum indício de que os iranianos estão desenvolvendo armas de destruição em massa).  Essa é a lógica imperialista ianque, que é assinada em baixo por todos os outros países subservientes, que por acaso entre estes se encontra o nosso. as farsas americanas não são de hoje.
Em dezembro de 1989 o inimigo era o Panamá, que fora invadido apenas por conta de seu canal. A invasão do Kuwait em agosto de 1990 por Saddam Hussein foi um forte argumento para os americanos colocarem novamente em prática sua “máquina de guerra de defesa da democracia”. Na verdade era a defesa dos poços de petróleo. Sem contar que os dirigentes do Kuwait eram lacaios americanos, e neste caso, precisam ser defendidos. Após a invasão do Afeganistão, agora já neste novo século, logo após os ataques “terroristas” de 11 de setembro, os americanos conseguiram fazer com que em poucos anos a produção de ópio que vinha sendo reduzida a índices mínimos pelo governo talibã, chegasse a 70% da produção mundial, exatamente nas áreas em que o exército americano ocupa. Estas informações que nossa mídia global não nos repassa é o  que me faz concordar com o Alexandre Garcia: “nós não sabemos o que se passa no Irã”.
                                                           Alex Grijó
2011, Pedro I, Fernando Collor e Lindberg Farias...
No ano de 1822 no dia sete de setembro era proclamada a independência do Brasil de Portugal. Pedro I, o filho de João VI fora o líder de tal acontecimento. Muito pouco tempo depois, Pedro, o libertador dá um golpe na constituição, não a jurando como havia prometido e instaura uma ditadura, chegando a fechar o congresso. Pedro não queria ter seu poder limitado por uma constituição. Queria poderes plenos, déspotas. Passados mais alguns anos em meio às revoltas,conflitos internos e externos chegando a perda de território (que viria a compor o Uruguai em 1928) o mesmo “libertador” se vê forçado a deixar o Brasil, sendo quase, ou mesmo expulso do país. Era uma mudança e tanto.
Passadas algumas décadas, Pedro I se torna herói em quadro de Pedro Américo, que fora mandado pintar pelo outro Pedro, o segundo, filho do primeiro. Era uma homenagem ao pai, seu herói, que ele mesmo mal chegara a conhecer.
Em sete de setembro de 1972, os militares comemoravam o aniversário da independência, aquela mesma lá do Pedro libertador que logo depois fora expulso do país. Médice, nosso presidente general, ou vice e versa presidiu um desfile na avenida paulista. Nessas comemorações os restos mortais de Pedro, o herói, não o que fora expulso, foram transladados de Portugal para o Brasil, para finalmente descansar na capela do monumento do Ypiranga, depois de uma longa peregrinação por várias cidades do país.
O que me questiono é como é que se criam os “heróis” com o passar do tempo. Como é que mudam o “caráter” de determinadas figuras para se constituir o panteão nacional, criar uma identidade, criar um povo, um país. Vem-me a cabeça uma famosa frase referente à unificação italiana, da transformação de vários feudos no que hoje conhecemos como Itália. A frase é a seguinte: ”Criamos a Itália, agora temos de criar os italianos”...
Nesta semana que passou tivemos a posse da primeira presidenta do Brasil. Junto a isto, ministros, deputados, senadores e secretários também foram empossados. Em uma das transmissões de ministérios tivemos um destes casos de como as coisas mudam. Fernando Collor, nosso ex- presidente alijado do cargo por denúncias de corrupção e atualmente exercendo cargo de senador da república, esteve presente. Era a transmissão de cargo da secretaria de relações institucionais. O petista Luiz Sérgio, novo ministro e o ex, Alexandre Padilha fizeram questão de elogiar Fernando Collor (por quê?), que também fora aplaudido pela maioria do público presente ao ato. Atitude interessante foi a do ex- cara pintada e líder estudantil Lindberg Farias, que foi ao encontro de Collor para saudar-lhe com um singelo aperto de mão. Como é que são as coisas. Em 1992 Lindberg “pintava” Collor como a imagem do que haveria de pior na política brasileira, e hoje são colegas de Senado, podendo possivelmente se tornar aliados brigando por causas comuns ao povo brasileiro (!?) .Sinceramente, se me perguntarem onde fica, ou o que significa a casa da mãe Joana no Brasil, não hesitarei em apontar para Brasília. Acho que todos vocês também.  Grande abraço a todos e boas surpresas neste ano...
                                                                                           Alex Grijó

O terrorismo é oriental ou ocidental?


            Muito se fala dos conflitos que ocorrem no oriente médio, dos homens bomba, dos ataques a mesquitas, escolas e vários locais que estão sempre cheios de civis. Alguns destes ataques são direcionados a instalações militares americanas. São ataques terroristas. É o que dizem. Mas as ações norte americanas baseadas em mentiras já mataram muito mais do que todos os atos terroristas em todas as partes do mundo. Somente no Iraque já são mais de cem mil pessoas mortas desde o início da guerra com grande maioria de civis. Devemos lembrar que os norte americanos é que são os invasores das terras iraquianas, e que tudo se deve a exploração de petróleo. Os Iraquianos nada tiveram haver com os atentados de 11 de setembro. A Al Kaida não está, e nem foi criada naquele país. Na verdade quem estava envolvido eram os árabes sauditas, mas estes são de longe grandes aliados dos norte americanos. A embaixada árabe é a única que tem segurança permanente nos EUA. George Bush e suas empresas de petróleo possuem grandes negócios com os sheiks árabes desde os anos 70. Então, não há a necessidade de invasão. As mentiras relacionadas a estes tiranos árabes devem ser totalmente contrárias a verdade, sempre apresentando os árabes como muçulmanos não tão radicais assim.
No Iêmen, que é considerado um dos países mais fechados do mundo, morrem em torno de 2 mil pessoas por ano por conflitos que são cheios de ações “terroristas”. No Brasil, os cálculos aproximados de homicídio apontam para algo em torno de mais de 36 mil mortes anuais! Só para ficar em um exemplo, neste ano que mal começou, em seus primeiros dez dias, já foram mortas 54 pessoas na cidade baiana de Salvador! E neste caso não há a desculpa do terrorismo...
A cada ano morrem aqui mais pessoas de acidentes de trânsito do que em quatro anos da guerra do Vietnã. Uma bactéria encontrada no amendoim (isso mesmo) mata mais do que ações terroristas no mundo todo. No entanto, os gastos para combater tal bactéria inexistem... A fome no Haiti causa muito mais estragos do que todos os aviões tomados por terroristas mundo afora. Mas os gastos para combater a fome são irrisórios, se comparados aos gastos na segurança de aviões e aeroportos.
Os americanos invadiram o Iraque baseados em uma mentira, a das armas de destruição em massa. Isto é fato. Estas armas não foram encontradas, pois nunca existiram. Sadam Hussein foi retirado do poder e assassinado friamente por ser um ditador antidemocrático. Osni Mubarak, presidente do Egito a aproximadamente 20 anos, vence suas eleições uma após a outra com mais de 90% dos votos. Na última eleição foram exatos 99% dos votos! Incrível! E alguns ainda acham que o Lula é um cara popular e que Fidel é que é um grande ditador.
A questão é que o presidente do Egito é aliado dos norte americanos, e Saddam e Fidel não. O conceito de ditador é um pouco diferente nestes casos. Se for aliado americano pode cometer crimes, burlar eleições, praticar genocídio, perpetuar-se no poder a qualquer custo. Basta interpretar o papel de lacaio americano fornecendo tudo aquilo que os mesmos estiverem precisando. Agindo desta forma será possível enriquecer ambos os lados (os lados dos líderes corruptos) e sem a necessidade de invasões militares. Haverá apenas a invasão econômica depredadora da economia local e propagadora da desigualdade social.
Fato interessante noticiado recentemente foi o da descoberta de minério de ferro em grande quantidade nas montanhas do Afeganistão, que por acaso são as mesmas montanhas que os norte americanos invadiram logo após os atentados de 11 de setembro, com a justificativa de que Bin Laden estava lá escondido em cavernas. É muita coincidência, vocês não acham?
Outro país soberano que está sob constante ameaça de sanções e invasão norte americana é o Irã. Este seria mais um país cheio de terroristas e disposto a explodir o mundo em nome de alguma guerra santa injustificável. Seriam totalmente intolerantes e radicais. Infelizmente as informações que nos chegam na maior parte do tempo são provenientes de redes norte americanas ou inglesas (que é a mesma coisa) proporcionando uma visão parcial dos fatos. Baseado no histórico norte americano de mentiras ao longo de todo o século XX é difícil acreditar no que a maior parte da mídia nos apresenta como “verdade” a respeito do Irã. Só para se ter uma idéia a mudança de sexo é permitida no Irã, e totalmente paga pelo sistema público de saúde. Para um país fundamentalista acho que eles estão até que bem adiantados.
As invasões norte americanas no oriente médio me lembram as famosas cruzadas que pretendiam libertar a terra santa dos infiéis muçulmanos. Como naquela época, as justificativas religiosas eram apenas uma desculpa que servia para encobrir os gananciosos interesses pelas riquezas locais. Naquela época o Papa era a autoridade que fornecia a mentira religiosa para os saques, estupros e assassinatos que ocorreram em larga escala. Hoje são outros fundamentalistas que fazem isto. Bob Jones, presidente da Faculdade cristã Bob Jones nos EUA, fez a seguinte declaração a respeito de outro religioso e presidente americano, George W.Bush:
Na sua reeleição deus graciosamente permitiu que os EUA -embora o país não merecesse- fossem poupados da agenda do paganismo (...) coloque a sua agenda no fogo e deixe a queimar. Você não deve nada aos liberais. Eles te desprezam por que desprezam o seu cristo. (The New York Times, Nov/2004.)
Este presidente norte americano a que se refere Bob Jones deveria ser julgado por crimes contra a humanidade, mas ele está do lado dos que atualmente podem fazer tudo sem sofrer sanção alguma. E além do mais, de acordo com o pastor Jones, cristo está do lado de Bush. Pergunto-me: quem está do lado das crianças inocentes afegãs e iraquianas a morrer por causa dos mísseis Tomahawks norte americanos?  E as crianças na África a morrer de doenças e fome? Quem estará ao seu lado, se Jesus está com os americanos do norte?  E nós? Quem estará ao nosso lado, os não norte americanos? Os que não possuem bombas de destruição em massa ou o apoio de Jesus cristo como os norte americanos? A quem devemos rezar?
                                                                                                               Alex Grijó

Anomalia é ver político preso...


Na época em que estava na escola, ali, bem atrás das carteiras escolares, lá na fila do lado direito na antepenúltima cadeira, aprendi que repetir o ano não era coisa muito boa. Aprendi que repetir não era o verbo correto; mais certo seria progredir. Aprendi que na hora da refeição devemos comer só uma vez, e não ficar repetindo. Comer demais não faz bem. Não sei bem se aprendi a lição, mas acho que alguns aprenderam menos ainda, e acho que o povo do Maranhão não teve estas lições em suas escolas (se é que lá existe escola).
Há quanto tempo José Sarney está se repetindo na política brasileira e maranhense? Este estado está entre os piores do país em vários índices de desenvolvimento social, e Sarney está no poder a décadas, e só o que soube fazer foi agravar a precariedade das condições daquele estado (além de nomear todas as ruas, escolas, avenidas, praças e fóruns com o nome da família).
De acordo com o jornal Imparcial, o Maranhão está nas últimas posições no índice de desenvolvimento da família (exclua ai a família do Sarney). O estado só ganha do Acre neste quesito.
A maior parte dos municípios deste estado não possuem esgoto tratado (se bem que minha cidade também não possui). O Maranhão também ficou lá em baixo no que se refere à habitação, acesso ao conhecimento (só podia ser) e disponibilidade de recursos. Se em algum momento pudéssemos acreditar na pré-suposição de que o voto é uma possibilidade de se conseguir dias melhores para a população, com certeza este não é o caso da grande maioria que vota em homens como o diferenciado José Sarney, que nas palavras do presidente Lula, tentando defender o mesmo em mais um caso de corrupção, disse que “Sarney não pode ser tratado como uma pessoa comum.” Acredito que realmente haja diferença entre as pessoas neste país. Aliás, tenho certeza. Esta estória de que somos todos iguais perante a lei é uma tremenda farsa, assim como a existência do papai Noel. Eu não acredito!
 Mais uma entre as tantas que estamos acostumados a engolir dia após dia. Os escândalos se repetem no meio político um atrás do outro. Falam que brasileiro não tem memória, e logo se esquece dos crimes cometidos por um político. Ora! São tantos crimes cometidos por tantos políticos, que antes de analisarmos um, já vêm logo outros! Fica difícil lembrar-se de tantas coisas tão corriqueiras e repetitivas. São tantos nomes, tantos escândalos. Mensalão, mensalinho, anões do orçamento, desvio na Petrobrás, contratação de familiares, enriquecimento ilícito de filho de presidente, de chefe da casa civil, festa em motel com verba pública, apoio a milícias por determinados governantes, deputado com empregados em regime de escravidão em suas fazendas, envolvimento de caseiro em desvio de verba, e os sem números de superfaturamentos, notas frias, obras nunca feitas e com verba já dispensada e tantas outras coisas que realmente não é fácil de lembrar, mesmo com estas notícias saltitando nas páginas dos jornais todos os dias. O que todas estas coisas possuem de comum é apenas a impunidade. Procure saber o número de condenados por estes crimes. Garanto que ninguém, ou talvez quem sabe o caseiro.
Voltando a falar da igualdade perante a lei, me pergunto se não é apenas perante a lei de papel, que não deve ser a mesma prática do delegado e do juiz. Na cadeia só tem pobre! Para político há habeas corpus, e quando um deles vai preso, é um espanto tremendo. Repercussão mundial. Imagino até a manchete no Times: “anomalia; Político consegue ser preso no Brasil!” É como o caso da mãe de gêmeos que descobriu que a diferença de fisionomia de seus filhos se devia a pais diferentes! Um absurdo! Um caso raríssimo! Dificilmente irá ocorrer de novo, e só serve para nos deixar abismados (tanto os pais diferentes quanto a prisão do político) Assim é quando vemos um Sarney, um Maluf, um Fernando Collor na cadeia(nestes casos só o Maluf). Uma anomalia, uma quase aberração, que com exceção do caso dos gêmeos com dois pais, gostaríamos de ver com maior repetência...
                                                                       Alex Grijó

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

O que é esclarecimento...

Esclarecimento [Aufklärung] é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem a direção de outro indivíduo. O homem é o próprio culpado dessa menoridade se a causa dela não se encontra na falta de entendimento, mas na falta de decisão e coragem de servir-se de si mesmo sem a direção de outrem. Sapere aude! Tem coragem de fazer uso de teu próprio entendimento, tal é o lema do esclarecimento.
A preguiça e a covardia são as causas pelas quais uma tão grande parte dos homens, depois que a natureza de há muito os libertou de uma direção estranha (naturaliter maiorennes), continuem no entanto de bom grado menores durante toda a vida. São também as causas que explicam por que é tão fácil que os outros se constituam em tutores deles. É tão cômodo ser menor. Se tenho um livro que faz as vezes de meu entendimento, um diretor espiritual que por mim tem consciência, um médico que por mim decide a respeito de minha dieta etc., então não preciso esforçar-me eu mesmo. Não tenho necessidade de pensar, quando posso simplesmente pagar; outros se encarregarão em meu lugar dos negócios desagradáveis. A imensa maioria da humanidade (inclusive todo o belo sexo) considera a passagem à maioridade difícil e além do mais perigosa, porque aqueles tutores de bom grado tomaram a seu cargo a supervisão dela. Depois de terem primeiramente embrutecido seu gado doméstico e preservado cuidadosamente estas tranquilas criaturas a fim de não ousarem dar um passo fora do carrinho para aprender a andar, no qual as encerraram, mostram-lhes em seguida o perigo que as ameaça se tentarem andar sozinhas. Ora, este perigo na verdade não é tão grande, pois aprenderiam muito bem a andar finalmente, depois de algumas quedas. Basta um exemplo deste tipo para tornar tímido o indivíduo e atemorizá-lo em geral para não fazer outras tentativas no futuro.
É difícil portanto para um homem em particular desvencilhar-se da menoridade que para ele se tornou quase uma natureza. Chegou mesmo a criar amor a ela, sendo por ora realmente incapaz de utilizar seu próprio entendimento, porque nunca o deixaram fazer a tentativa de assim proceder. Preceitos e fórmulas, estes instrumentos mecânicos do uso racional, ou antes do abuso, de seus dons naturais, são os grilhões de uma perpétua menoridade. Quem deles se livrasse só seria capaz de dar um salto inseguro mesmo sobre o mais estreito fosso, porque não está habituado a este movimento livre. Por isso são muitos poucos aqueles que conseguiram, pela transformação do próprio espírito, emergir da menoridade e empreender então uma marcha segura.
Que porém um público se esclareça [aufkläre] a si mesmo é perfeitamente possível; mais que isso, se lhe for dada a liberdade, é quase inevitável. Pois econtrar-se-ão sempre alguns indivíduos capazes de pensamento próprio, até entre os tutores estabelecidos da grande massa, que, depois de terem sacudido de si mesmos o jugo da menoridade, espalharão em redor de si o espírito de uma avaliação racional do próprio valor e da vocação de cada homem em pensar por si mesmo. O interessante nesse caso é que o público, que anteriormente foi conduzido por eles a este jugo, obriga-os daí em diante a permanecer sob ele, quando é levado a se rebelar por alguns de seus tutores que, eles mesmos, são incapazes de qualquer esclarecimento. Vê-se assim como é prejudicial plantar preconceitos, porque terminam por se vingar daqueles que foram seus autores ou predecessores destes. Por isso, um público só muito lentamente pode chegar ao esclarecimento. Uma revolução poderá talvez realizar a queda do despotismo pessoal ou da opressão ávida de lucros ou de domínios, porém nunca produzirá a verdadeira reforma do modo de pensar. Apenas novos preconceitos, assim como os velhos, servirão como cintas para conduzir a grande massa destituída de pensamento.
Para este esclarecimento porém nada mais se exige senão liberdade. E a mais inofensiva entre tudo aquilo que se possa chamar liberdade, a saber: a de fazer um uso público de sua razão em todas as questões. Ouço, agora, porém, exclamar de todos os lados: não raciocineis! O oficial diz: não raciocineis, mas exercitai-vos! O financista exclama: não raciocinei, mas pagai! O sacerdote proclama: não raciocineis, mas crede! (Um único senhor no mundo diz: raciocinai, tanto quanto quiserdes, e sobre o que quiserdes, mas obedecei!). Eis aqui por toda a parte a limitação da liberdade. Que limitação, porém, impede o esclarecimento? Qual não o impede, e até mesmo favorece? Respondo: o uso público de sua razão deve ser sempre livre e só ele pode realizar o esclarecimento entre os homens. O uso privado da razão pode porém muitas vezes ser muito estreitamente limitado, sem contudo por isso impedir notavelmente o progresso do esclarecimento. Entendo contudo sob o nome de uso público de sua própria razão aquele que qualquer homem, enquanto sábio, faz dela diante do grande público do mundo letrado. Denomino uso privado aquele que o sábio pode fazer de sua razão em um certo cargo público ou função a ele confiado. Ora, para muitas profissões que se exercem no interesse da comunidade, é necessário um certo mecanismo, em virtude do qual alguns membros da comunidade devem comportar-se de modo exclusivamente passivo para serem conduzidos pelo governo, mediante uma unanimidade artificial, para finalidades públicas, ou pelo menos devem ser contidos para não destruir essa finalidade. Em casos tais, não é sem dúvida permitido raciocinar, mas deve-se obedecer. Na medida, porém, em que esta parte da máquina se considera ao mesmo tempo membro de uma comunidade total, chegando até a sociedade constituída pelos cidadãos de todo o mundo, portanto na qualidade de sábio que se dirige a um público, por meio de obras escritas de acordo com seu próprio entendimento, pode certamente raciocinar, sem que por isso sofram os negócios a que ele está sujeito em parte como membro passivo. Assim, seria muito prejudicial se um oficial, a que seu superior deu uma ordem, quisesse pôr-se a raciocinar em voz alta no serviço a respeito da conveniência ou da utilidade dessa ordem. Deve obedecer. Mas, razoavelmente, não se lhe pode impedir, enquanto homem versado no assunto, fazer observações sobre os erros no serviço militar, e expor essas observações ao seu público, para que as julgue. O cidadão não pode se recusar a efetuar o pagamento dos impostos que sobre ele recaem; até mesmo a desaprovação impertinente dessas obrigações, se devem ser pagas por ele, pode ser castigada como um escândalo (que poderia causar uma desobediência geral). Exatamente, apesar disso, não age contrariamente ao dever de um cidadão se, como homem instruído, expõe publicamente suas ideias contra a inconveniência ou a injustiça dessas imposições. Do mesmo modo também o sacerdote está obrigado a fazer seu sermão aos discípulos do catecismo ou à comunidade, de conformidade com o credo da Igreja a que serve, pois foi admitido com esta condição. Mas, enquanto sábio, tem completa liberdade, e até mesmo o dever, de dar conhecimento ao público de todas as suas ideias, cuidadosamente examinadas e bem intencionadas, sobre o que há de errôneo naquele credo, e expor suas propostas no sentido da melhor instituição da essência da religião e da Igreja. Nada existe aqui que possa constituir um peso na consciência. Pois aquilo que ensina em decorrência de seu cargo como funcionário da Igreja, expõe-no como algo em relação ao qual não tem o livre poder de ensinar como melhor lhe pareça, mas está obrigado a expor segundo a prescrição de um outro e em nome deste. Poderá dizer: nossa igreja ensina isto ou aquilo; estes são os fundamentos comprobatórios de que ela se serve.
Tira então toda utilidade prática para sua comunidade de preceitos que ele mesmo não subscreveria com inteira convicção, em cuja apresentação pode contudo se comprometer, porque não é de todo impossível que em seus enunciados a verdade esteja escondida. Em todo caso, porém, pelo menos nada deve ser encontrado aí que seja contraditório com a religião interior. Pois se acreditasse encontrar esta contradição não poderia em sã consciência desempenhar sua função, teria de renunciar. Por conseguinte, o uso que um professor empregado faz de sua razão diante de sua comunidade é unicamente um uso privado, porque é sempre um uso doméstico, por grande que seja a assembleia. Com relação a esse uso ele, enquanto padre, não é livre nem tem o direito de sê-lo, porque executa uma incumbência estranha. Já como sábio, ao contrário, que por meio de suas obras fala para o verdadeiro público, isto é, o mundo, o sacerdote, no uso público de sua razão, goza de ilimitada liberdade de fazer uso de sua própria razão e de falar em seu próprio nome. Pois o fato de os tutores do povo (nas coisas espirituais) deverem ser eles próprios menores constitui um absurdo que dá em resultado a perpetuação dos absurdos.
Mas não deveria uma sociedade de eclesiásticos, por exemplo, uma assembleia de clérigos, ou uma respeitável classe (como a si mesma se denomina entre os holandeses) estar autorizada, sob juramento, a comprometer-se com um certo credo invariável, a fim de por este modo de exercer uma incessante supertutela sobre cada um de seus membros e por meio dela sobre o povo, e até mesmo a perpetuar essa tutela? Isto é inteiramente impossível, digo eu. Tal contrato, que decidiria afastar para sempre todo ulterior esclarecimento do gênero humano, é simplesmente nulo e sem validade, mesmo que fosse confirmado pelo poder supremo, pelos parlamentos e pelos mais solenes tratados de paz. Uma época não pode se aliar e conjurar para colocar a seguinte em um estado em que se torne impossível para esta ampliar seus conhecimentos (particularmente os mais imediatos), purificar-se dos erros e avançar mais no caminho do esclarecimento. Isto seria um crime contra a natureza humana, cuja determinação original consiste precisamente neste avanço. E a posteridade está portanto plenamente justificada em repelir aquelas decisões, tomadas de modo não autorizado e criminoso. Quanto ao que se possa estabelecer como lei para um povo, a pedra de toque está na questão de saber se um povo se poderia ter ele próprio submetido a tal lei. Seria certamente possível, como se à espera de lei melhor, por determinado e curto prazo, e para introduzir certa ordem. Ao mesmo tempo, se franquearia a qualquer cidadão, especialmente ao de carreira eclesiástica, na qualidade de sábio, o direito de fazer publicamente, isto é, por meio de obras escritas, seus reparos a possíveis defeitos das instituições vigentes. Estas últimas permaneceriam intactas, até que a compreensão da natureza de tais coisas se tivesse estendido e aprofundado, publicamente, a ponto de tornar-se possível levar à consideração do trono, com base em votação, ainda que não unânime, uma proposta no sentido de proteger comunidades inclinadas, por sincera convicção, a normas religiosas modificadas, embora sem detrimento dos que preferissem manter-se fiéis às antigas. Mas é absolutamente proibido unificar-se em uma constituição religiosa fixa, de que ninguém tenha publicamente o direito de duvidar, mesmo durante o tempo de vida de um homem, e com isso por assim dizer aniquilar um período de tempo na marcha da humanidade no caminho do aperfeiçoamento, e torná-lo infecundo e prejudicial para a posteridade. Um homem sem dúvida pode, no que respeita à sua pessoa, e mesmo assim só por algum tempo, na parte que lhe incumbe, adiar o esclarecimento. Mas renunciar a ele, quer para si mesmo quer ainda mais para sua descendência, significa ferir e calcar aos pés os sagrados direitos da humanidade. O que, porém, não é lícito a um povo decidir com relação a si mesmo, menos ainda um monarca poderia decidir sobre ele, pois sua autoridade legislativa repousa justamente no fato de reunir a vontade de todo o povo na sua. Quando cuida de toda melhoria, verdadeira ou presumida, coincida com a ordem civil, pode deixar em tudo o mais que seus súditos façam por si mesmos o que julguem necessário fazer para a salvação de suas almas. Isto não lhe importa, mas deve apenas evitar que um súdito impeça outro por meios violentos de trabalhar, de acordo com toda sua capacidade, na determinação e na promoção de si. Causa mesmo dano a sua majestade quando se imiscui nesses assuntos, quando submete à vigilância do seu governo os escritos nos quais seus súditos procuram deixar claras suas concepções. O mesmo acontece quando procede assim não só por sua própria concepção superior, com o que se expõe à censura: Ceaser non est supra grammaticos, mas também e ainda em muito maior extensão, quando rebaixa tanto seu poder supremo que chega a apoiar o despotismo espiritual de alguns tiranos em seu Estado contra os demais súditos.
Se for feita então a pergunta: “vivemos agora uma época esclarecida [aufgeklärten]”?, a resposta será: “não, vivemos em uma época de esclarecimento”. Falta ainda muito para que os homens, nas condições atuais, tomados em conjunto, estejam já numa situação, ou possam ser colocados nela, na qual em matéria religiosa sejam capazes de fazer uso seguro e bom de seu próprio entendimento sem serem dirigidos por outrem. Somente temos claros indícios de que agora lhes foi aberto o campo no qual podem lançar-se livremente a trabalhar e tornarem progressivamente menores os obstáculos ao esclarecimento geral ou à saída deles, homens, de sua menoridade, da qual são culpados. Considerada sob este aspecto, esta época é a época do esclarecimento ou o século de Frederico.
Um príncipe que não acha indigno de si dizer que considera um dever não prescrever nada aos homens em matéria religiosa, mas deixar-lhes em tal assunto plena liberdade, que portanto afasta de si o arrogante nome de tolerância, é realmente esclarecido [aufgeklärt] e merece ser louvado pelo mundo agradecido e pela posteridade como aquele que pela primeira vez libertou o gênero humano da menoridade, pelo menos por parte do governo, e deu a cada homem a liberdade de utilizar sua própria razão em todas as questões da consciência moral. Sob seu governo os sacerdotes dignos de respeito podem, sem prejuízo de seu dever funcional expor livre e publicamente, na qualidade de súditos, ao mundo, para que os examinasse, seus juízos e opiniões num ou noutro ponto discordantes do credo admitido. Com mais forte razão isso se dá com os outros, que não são limitados por nenhum dever oficial. Este espírito de liberdade espalha-se também no exterior, mesmo nos lugares em que tem de lutar contra obstáculos externos estabelecidos por um governo que não se compreende a si mesmo. Serve de exemplo para isto o fato de num regime de liberdade a tranquilidade pública e a unidade da comunidade não constituírem em nada motivo de inquietação. Os homens se desprendem por si mesmos progressivamente do estado de selvageria, quando intencionalmente não se requinta em conservá-los nesse estado.
Acentuei preferentemente em matéria religiosa o ponto principal do esclarecimento, a saída do homem de sua menoridade, da qual tem a culpa. Porque no que se refere às artes e ciências nossos senhores não têm nenhum interesse em exercer a tutela sobre seus súditos, além de que também aquela menoridade é de todas a mais prejudicial e a mais desonrosa. Mas o modo de pensar de um chefe de Estado que favorece a primeira vai ainda além e compreende que, mesmo no que se refere à sua legislação, não há perigo em permitir a seus súditos fazer uso público de sua própria razão e expor publicamente ao mundo suas ideias sobre uma melhor compreensão dela, mesmo por meio de uma corajosa crítica do estado de coisas existentes. Um brilhante exemplo disso é que nenhum monarca superou aquele que reverenciamos.
Mas também somente aquele que, embora seja ele próprio esclarecido, não tem medo de sombras e ao mesmo tempo tem à mão um numeroso e bem disciplinado exército para garantir a tranquilidade pública, pode dizer aquilo que não é lícito a um Estado livre ousar: raciocinais tanto quanto quiserdes e sobre qualquer coisa que quiserdes; apenas obedecei! Revela-se aqui uma estranha e não esperada marcha das coisas humanas; como, aliás, quando se considera esta marcha em conjunto, quase tudo nela é um paradoxo. Um grau maior de liberdade civil parece vantajoso para a liberdade de espírito do povo e no entanto estabelece para ela limites intransponíveis; um grau menor daquela dá a esse espaço o ensejo de expandir-se tanto quanto possa. Se portanto a natureza por baixo desse duro envoltório desenvolveu o germe de que cuida delicadamente, a saber, a tendência e a vocação ao pensamento livre, este atua em retorno progressivamente sobre o modo de sentir do povo (com o que este se torna capaz cada vez mais de agir de acordo com a liberdade), e finalmente até mesmo sobre os princípios do governo, que acha conveniente para si próprio tratar o homem, que agora é mais do que simples máquina, de acordo com a sua dignidade.
  • autor: Immanuel Kant

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Dionísio domesticado.




                           
Dionísio, mais conhecido como Baco, era um deus bastardo. Perambulou por muito tempo pela Ásia Menor até que, pelas mãos do sacerdote Melampo, introduziu-se nas terras gregas. Virou um sucesso. Conforme as plantações de parreiras se espalhavam pelas ilhas e pela Arcádia, mais gente o celebrava. Por essa altura, já como deus das vindimas, representavam-no como uma figura humana de chifres, barbas e pés de bode, com um olhar invariavelmente embriagado. Consta que suas primeiras seguidoras, há uns 3 ou 3,5 mil anos atrás, foram mulheres que viram nos dias que lhe eram dedicados um momento de escaparem da vigilância dos maridos, dos pais e dos irmãos, e caírem na folia “em meio a danças furiosas e gritos de júbilo”, como disse Apolodoro. Os homens, transfigurados em silenos e sátiros, não demoraram em aderir às procissões e ao “frenesi dionisíaco”. A festança que se estendia por três dias, encerrava-se com uma bebedeira em meio a um vale-tudo pansexualista.

Nos primórdios do culto, as autoridades (as cortes, os sacerdotes e os ricos) não gostaram nada daqueles festejos malucos. Entre outras razões porque eram as vitimas favoritas das sátiras. Os festejos bacantes, como é sabido, serviam como um acerto de contas do povo com os seus governantes. Neles o miserável vestia-se de rei, o libertino como guia religioso, e a rameira local posava como a mais pura donzela, e assim por diante. Dionísio, brincalhão e debochado, estimulava que virassem o mundo de ponta-cabeça.

A repressão fracassou. Foi então que no século 6 a.C., Pisístrato, o tirano de Atenas oficiou-lhe homenagens. Não só isso. Construiu-lhe um templo na Acrópole: o teatro Dionísio, que está lá até hoje. Organizou em seguida concursos de peças cômicas ou trágicas para celebrá-lo no placo, iniciando assim o amparo das artes cênicas pelo estado.

Erwin Rohde, um colega de Nietzsche, interpretou a transformação de Dionísio de um irreverente deus das folganças num ente oficioso, à interferência de um outro deus: Apolo. O deus Sol, deus do Estado, não podia permitir que aquela subversão dos costumes ficasse solta pelos campos a provocar loucuras, incitando o pobrerio. Atraiu-o então para dentro da cidade e, como sócio maior, domou-o. Em Roma, com as saturnais, as incríveis e desregradas festas populares que se davam em dezembro deu-se praticamente a mesma história.

O nosso carnaval, trazido pelos portugueses no século 17, é um herdeiro direto das bacantes e das saturnais greco-romanas e percorreu a mesma trajetória de acomodação. A nossa plebe imediatamente aderiu ao entrudo como um imperdível momento de inverter, ainda que simbolicamente, o mundo desgraçado em que vivia. Naqueles dias tão aguardados, quando a troça assumia ares de majestade, nenhum fidalgo ou pomposo, nada de solene ou sublime, escapava da mordacidade dos festivos. Aqui também Apolo interviu. Gradativamente, a partir de 1935, com o centralismo estatal, sufocou-se a salutar espontaneidade popular com regulamentos e com horários. Seduziram Dionísio com promessas de honrá-lo em lugares especiais (Sambódromos ou equivalentes), acertando em troca o fim da zombaria e do ridículo em que submetia os poderosos. Faz tempo que as Escolas de Samba enfiaram-se numa camisa-de-força. Caíram na armadilha de Apolo. Para exibirem-se obedientes às normas exigidas precisam de dinheiro. Este só se encontra entre os figurões; públicos ou privados. Os sambas-enredo, esvaziados da irreverência e da gostosa safadice, não dizem mais nada. Comumente são elogios. O luxo das fantasias e a parafernália dos alegóricos cerceia qualquer gesto mais solto ou original. O resultado é a mesmice. Quem assiste a um só desfile viu a todos. Os que passaram e os que ainda virão. Domesticaram Dionísio!
fonte:educaterra

O mito da caverna

O Mito da Caverna narrado por Platão no livro VII do livro A Republica é, talvez, uma das mais poderosas metáforas imaginadas pela filosofia, em qualquer tempo, para descrever a situação geral em que se encontra a humanidade. Para o filósofo, todos nós estamos condenados a ver sombras a nossa frente e tomá-las como verdadeiras. Essa poderosa crítica à condição dos homens, escrita há quase 2500 anos atrás, inspirou e ainda inspira inúmeras reflexões pelos tempos a fora. A mais recente delas é o livro de José Saramago A Caverna.




A Condição Humana
Platão viu a maioria da humanidade condenada a uma infeliz condição. Imaginou (no Livro VII de A República, um diálogo escrito entre 380-370 a.C.) todos presos desde a infância no fundo de uma caverna, imobilizados, obrigados pelas correntes que os atavam a olharem sempre a parede em frente. O que veriam então? Supondo a seguir que existissem algumas pessoas, uns prisioneiros, carregando para lá para cá, sobre suas cabeças, estatuetas de homens, de animais, vasos, bacias e outros vasilhames, por detrás do muro onde os demais estavam encadeados, havendo ainda uma escassa iluminação vindo do fundo do subterrâneo, disse que os habitantes daquele triste lugar só poderiam enxergar o bruxuleio das sombras daqueles objetos, surgindo e se desafazendo diante deles. Era assim que viviam os homens, concluiu ele. Acreditavam que as imagens fantasmagóricas que apareciam aos seus olhos (que Platão chama de ídolos) eram verdadeiras, tomando o espectro pela realidade. A sua existência era pois inteiramente dominada pela ignorância (agnóia).




Libertando-se dos grilhões
Se por um acaso, segue Platão na sua narrativa, alguém resolvesse libertar um daqueles pobres diabos da sua pesarosa ignorância e o levasse ainda que arrastado para longe daquela caverna, o que poderia então suceder-lhe? Num primeiro momento, chegando do lado de fora, ele nada enxergaria, ofuscado pela extrema luminosidade do exuberante Hélio, o Sol, que tudo pode, que tudo provê e vê. Mas, depois,
reprodução (estátua de Rodin)
   Livre é quem pensa
aclimatado, ele iria desvendando aos poucos, como se fosse alguém que lentamente recuperasse a visão, as manchas, as imagens, e, finalmente, uma infinidade outra de objetos maravilhosos que o cercavam. Assim, ainda estupefato, ele se depararia com a existência de um outro mundo, totalmente oposto ao do subterrâneo em que fora criado. O universo da ciência (gnose) e o do conhecimento (espiteme), por inteiro, se escancarava perante ele, podendo então vislumbrar e embevecer-se com o mundo das formas perfeitas.
Com essa metáfora - o tão justamente famoso Mito da Caverna - Platão quis mostrar muitas coisas. Uma delas é que é sempre doloroso chegar-se ao conhecimento, tendo-se que percorrer caminhos bem definidos para alcançá-lo, pois romper com a inércia da ignorância (agnosis) requer sacrifícios. A primeira etapa a ser atingida é a da opinião (doxa), quando o indivíduo que ergueu-se das profundezas da caverna tem o seu primeiro contanto com as novas e imprecisas imagens exteriores. Nesse primeiro instante, ele não as consegue captar na totalidade, vendo apenas algo impressionista flutuar a sua frente. No momento seguinte, porém, persistindo em seu olhar inquisidor, ele finalmente poderá ver o objeto na sua integralidade, com os seus perfis bem definidos. Ai então ele atingirá o conhecimento (episteme). Essa busca não se limita a descobrir a verdade dos objetos, mas algo bem mais superior: chegar à contemplação das idéias morais que regem a sociedade - o bem (agathón), o belo (to kalón) e a justiça (dikaiosyne).

reprodução




O Visível e o Inteligível

reprodução
   No exercício da vida
Há pois dois mundos. O visível é aquele em que a maioria da humanidade está presa, condicionada pelo lusco-fusco da caverna, crendo, iludida que as sombras são a realidade. O outro mundo, o inteligível, é apanágio de alguns poucos. Os que conseguem superar a ignorância em que nasceram e, rompendo com os ferros que os prendiam ao subterrâneo, ergueram-se para a esfera da luz em busca das essências maiores do bem e do belo (kalogathia). O visível é o império dos sentidos, captado pelo olhar e dominado pela subjetividade; o inteligível é o reino da inteligência (nous) percebido pela razão (logos). O primeiro é o território do homem comum (demiurgo) preso às coisas do cotidiano, o outro, é a seara do homem sábio (filósofo) que volta-se para a objetividade, descortinando um universo diante de si.



O Desconforto do Sábio
Platão então pergunta (pela boca de Sócrates, personagem central do diálogo A República), o que aconteceria se este ser que repentinamente descobriu as maravilhas do mundo dominado por Hélio, o fabuloso universo inteligível, descesse de volta à caverna? Como ele seria recebido? Certamente que os que se encontram encadeados fariam mofa dele, colocando abertamente em dúvida a existência desse tal outro mundo que ele disse ter visitado. O recém-vindo certamente seria unanimemente hostilizado. Dessa forma, Platão traçou o desconforto do homem sábio quando é obrigado a conviver com os demais homens comuns. Não acreditam nele, não o levam a sério. Imaginam-no um excêntrico, um idiossincrático, um extravagante, quando não um rematado doido (destino comum a que a maior parte dos cientistas, inventores, e demais revolucionários do pensamento tiveram que enfrentar ao longo da história) fonte: educaterra

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Esclarecendo a bíblia...

Laura Schlessinger é uma personalidade do rádio americano que distribui conselhos para pessoas que ligam para seu show.
Recentemente ela disse que a homossexualidade é uma abominação de acordo com Levíticos 18:22 e não pode ser perdoada em qualquer circunstância. O texto abaixo é uma carta aberta para Dra. Laura, escrita por um cidadão americano e também disponibilizada na Internet.

“Cara Dra. Laura
Obrigado por ter feito tanto para educar as pessoas no que diz respeito à Lei de Deus. Eu tenho aprendido muito com seu show, e tento compartilhar o conhecimento com tantas pessoas quantas posso. Quando alguém tenta defender o homossexualismo, por exemplo, eu simplesmente o lembro que Levíticos 18:22 claramente afirma que isso é uma abominação. Fim do debate.
Mas eu preciso de sua ajuda, entretanto, no que diz respeito a algumas leis específicas e como seguí-las:
a. Quando eu queimo um touro no altar como sacrifício, eu sei que isso cria um odor agradável para o Senhor (Levíticos 1:9). O problema são os meus vizinhos. Eles reclamam que o odor não é agradável para eles. Devo matá-los por heresia?
b. Eu gostaria de vender minha filha como escrava, como é permitido em Êxodo 21:7. Na época atual, qual você acha que seria um preço justo por ela?
c. Eu sei que não é permitido ter contato com uma mulher enquanto ela está em seu período de impureza menstrual (Levíticos 15:19-24). O problema é: como eu digo isso a ela? Eu tenho tentado, mas a maioria das mulheres toma isso como ofensa.
d. Levíticos 25:44 afirma que eu posso possuir escravos, tanto homens quanto mulheres, se eles forem comprados de nações vizinhas. Um amigo meu diz que isso se aplica a mexicanos, mas não a canadenses. Você pode esclarecer isso? Por que eu não posso possuir canadenses?
e. Eu tenho um vizinho que insiste em trabalhar aos sábados. Êxodo 35:2 claramente afirma que ele deve ser morto. Eu sou moralmente obrigado a matá-lo mesmo?
f. Um amigo meu acha que mesmo que comer moluscos seja uma abominação (Levíticos 11:10), é uma abominação menor que a homossexualidade. Eu não concordo. Você pode esclarecer esse ponto?
g. Levíticos 21:20 afirma que eu não posso me aproximar do altar de Deus se eu tiver algum defeito na visão. Eu admito que uso óculos para ler. A minha visão tem mesmo que ser 100%, ou pode-se dar um jeitinho?
h. A maioria dos meus amigos homens apara a barba, inclusive o cabelo das têmporas, mesmo que isso seja expressamente proibido em Levíticos 19:27. Como eles devem morrer?
i. Eu sei que tocar a pele de um porco morto me faz impuro (Levíticos 11:6-8), mas eu posso jogar futebol americano se usar luvas? (as bolas de futebol americano são feitas com pele de porco).
j. Meu tio tem uma fazenda. Ele viola Levíticos 19:19 plantando dois tipos diferentes de vegetais no mesmo campo. Sua esposa também viola Levíticos 19:19 porque usa roupas feitas de dois tipos diferentes de tecido (algodão e poliéster). Ele também tende a xingar e blasfemar muito. É realmente necessário que eu chame toda a cidade para apedrejá-los (Levíticos 24:10-16)? Nós não poderíamos simplesmente queimá-los em uma cerimônia privada, como deve ser feito com as pessoas que mantêm relações sexuais com seus sogros (Levíticos 20:14)?
Eu sei que você estudou essas coisas a fundo, então estou confiante que possa ajudar. Obrigado novamente por nos lembrar que a palavra de Deus é eterna e imutável. Seu discípulo e fã ardoroso.”

Epicuro envia saudações a Meneceu

Que ninguém hesite em se dedicar à filosofia enquanto jovem, nem se canse de fazê-lo depois de velho, porque ninguém jamais é demasiado jovem ou demasiado velho para alcançar a saúde do espírito. Quem afirma que a hora de dedicar-se à filosofia ainda não chegou, ou que ela já passou é como se dissesse que ainda não chegou ou que já passou a hora de ser feliz. Desse modo, a filosofia é útil tanto ao jovem quanto ao velho: para quem está envelhecendo sentir-se rejuvenescer através da grata recordação das coisas que já se foram, e para o jovem poder envelhecer sem sentir medo das coisas que estão por vir; é necessário, portanto, cuidar das coisas que trazem a felicidade, já que, estando esta presente, tudo temos, e, sem ela, tudo fazemos para alcançá-la.
Pratica e cultiva então aqueles ensinamentos que sempre te transmiti, na certeza de que eles constituem os elementos fundamentais para uma vida feliz.
Em primeiro lugar, considerando a divindade como um ente imortal e bem-aventurado, como sugere a percepção comum de divindade, não atribuas a ela nada que seja incompatível com a sua imortalidade, nem inadequado com a sua imortalidade, nem inadequado à sua bem-aventurança; pensa a respeito dela tudo que for capaz de conservar-lhe felicidade e imortalidade.
Os deuses de fato existem e é evidente o conhecimento que temos deles; já a imagem que deles faz a maioria das pessoas, essa não existe: as pessoas não costumam preservar a noção que têm dos deuses. Ímpio não é quem rejeita os deuses em que a maioria crê, mas sim quem atribui aos deuses os falsos juízos dessa maioria. Com efeito, os juízos do povo a respeito dos deuses não se baseiam em noções inatas, mas em opiniões falsas. Daí a crença de que eles causam os maiores malefícios aos maus e os maiores benefícios aos bons. Irmanados pelas suas próprias virtudes, eles só aceitam a convivência com os seus semelhantes e consideram estranho tudo que seja diferente deles.
Acostuma-te à ideia de que a morte para nós não é nada, visto que todo bem e todo mal residem nas sensações, e a morte é justamente a privação das sensações. A consciência clara de que a morte não significa nada para nós proporciona a fruição da vida efêmera, sem querer acrescentar-lhe tempo infinito e eliminando o desejo de imortalidade.
Não existe nada de terrível na vida para quem está perfeitamente convencido de que não há nada de terrível em deixar de viver. É tolo portanto quem diz ter medo da morte, não porque a chegada desta lhe trará sofrimento, mas porque o aflige a própria espera: aquilo que não nos perturba quando presente não deveria afligir-nos enquanto está sendo esperado.
Então, o mais terrível de todos os males, a morte, não significa nada pra nós, justamente porque, quando estamos vivos, é a morte que não está presente; ao contrário, quando a morte está presente, nós é que não estamos. A morte, portanto, não é nada, nem para os vivos, nem para os mortos, já que para aqueles ela não existe, ao passo que estes não estão mais aqui. E, no entanto, a maioria das pessoas ora foge da morte como se fosse o maior dos males, ora a deseja como descanso dos males da vida.
O sábio, porém, nem desdenha viver, nem teme deixar de viver; para ele, viver não é um fardo e não-viver não é um mal.
Assim como opta pela comida mais saborosa e não pela mais abundante, do mesmo modo ele colhe os doces frutos de um tempo bem vivido, ainda que breve.
Quem aconselha o jovem a viver bem e o velho a morrer bem não passa de um tolo, não só pelo que a vida tem de agradável para ambos, mas também porque se deve ter exatamente o mesmo cuidado em honestamente viver e em honestamente morrer. Mas pior ainda é aquele que diz: bom seria não ter nascido, mas, uma vez nascido, transpor o mais depressa possível as portas do Hades.
Se ele diz isso com plena convicção, por que não se vai desta vida? Pois é livre para fazê-lo, se for esse realmente seu desejo; mas se o disse por brincadeira, foi um frívolo em falar de coisas que brincadeira não admitem.
Nunca devemos nos esquecer de que o futuro não é nem totalmente nosso, nem totalmente não-nosso, para não sermos obrigados a esperá-lo como se estivesse por vir com toda certeza, nem nos desesperarmos como se não estivesse por vir jamais.
Consideremos também que, dentre os desejos, há os que são naturais e os que são inúteis; dentre os naturais, há uns que são necessários e outros, apenas naturais; dentre os necessários, há alguns que são fundamentais para a felicidade, outros, para o bem-estar corporal, outros, ainda, para a própria vida. E o conhecimento seguro dos desejos leva a direcionar toda escolha e toda recusa para a saúde do corpo e para a serenidade do espírito, visto que esta é a finalidade da vida feliz: em razão desse fim praticamos todas as nossas ações, para nos afastarmos da dor e do medo.
Uma vez que tenhamos atingido esse estado, toda a tempestade da alma se aplaca, e o ser vivo não tendo que ir em busca de algo que lhe falta, nem procurar outra coisa a não ser o bem da alma e do corpo, estará satisfeito. De fato, só sentimos necessidade do prazer quando sofremos pela sua ausência; ao contrário, quando não sofremos, essa necessidade não se faz sentir.
É por essa razão que afirmamos que o prazer é o início e o fim de uma vida feliz. Com efeito, nós o identificamos como o bem primeiro e inerente ao ser humano, em razão dele praticamos toda escolha e toda recusa, e a ele chegamos escolhendo todo bem de acordo com a distinção entre prazer e dor.
Embora o prazer seja nosso bem primeiro e inato, nem por isso escolhemos qualquer prazer: há ocasiões em que evitamos muitos prazeres, quando deles nos advém efeitos o mais das vezes desagradáveis; ao passo que consideramos muitos sofrimentos preferíveis aos prazeres, se um prazer maior advier depois de suportarmos essas dores por muito tempo. Portanto, todo prazer constitui um bem por sua própria natureza; não obstante isso, nem todos são escolhidos; do mesmo modo, toda dor é um mal, mas nem todas devem ser sempre evitadas. Convém, portanto, avaliar todos os prazeres e sofrimentos de acordo com o critério dos benefícios e dos danos. Há ocasiões em que utilizamos um bem como se fosse um mal e, ao contrário, um mal como se fosse um bem.
Consideramos ainda a autossuficiência um grande bem; não que devamos nos satisfazer com pouco, mas para nos contentarmos com esse pouco caso não tenhamos o muito, honestamente convencidos de que desfrutam melhor a abundância os que menos dependem dela; tudo o que é fácil de conseguir; difícil é tudo o que é inútil.
Os alimentos mais simples proporcionam o mesmo prazer que as iguarias mais requintadas, desde que se remova a dor provocada pela falta: pão e água produzem o prazer mais profundo quando ingeridos por quem deles necessita.
Habituar-se às coisas simples, a um modo de vida não luxuoso, portanto, não só é conveniente para a saúde, como ainda proporciona ao homem os meios para enfrentar corajosamente as adversidades da vida: nos períodos em que conseguimos levar uma existência rica, predispõe o nosso ânimo para melhor aproveita-la, e nos prepara para enfrentar sem temos as vicissitudes da sorte.
Quando então dizemos que o fim último é o prazer, não nos referimos aos prazeres dos intemperantes ou aos que consistem no gozo dos sentidos, como acreditam certas pessoas que ignoram o nosso pensamento, ou não concordam com ele, ou o interpretam erroneamente, mas ao prazer que é ausência de sofrimentos físicos e de perturbações da alma. Não são, pois, bebidas nem banquetes contínuos, nem a posse de mulheres e rapazes, nem o sabor dos peixes ou das outras iguarias de uma mesa farta que tornam doce uma vida, mas um exame cuidadoso que investigue as causas de toda escolha e de toda rejeição e que remova as opiniões falsas em virtude das quais uma imensa perturbação toma conta dos espíritos. De todas essas coisas, a prudência é o princípio e o supremo bem, razão pela qual ela é mais preciosa do que a própria filosofia; é dela que originaram todas as demais virtudes; é ela que nos ensina que não existe vida feliz sem prudência, beleza e justiça, e que não existe prudência, beleza e justiça sem felicidade. Porque as virtudes estão intimamente ligadas à felicidade, e a felicidade é inseparável delas.
Na tua opinião, será que pode existir alguém mais feliz do que o sábio, que tem um juízo reverente acerca dos deuses, que se comporta de modo absolutamente indiferente perante a morte, que bem compreende a finalidade da natureza, que discerne que o bem supremo está nas coisas simples e fáceis de obter, e que o mal supremo ou dura pouco, ou só nos causa sofrimentos leves? Que nega o destino, apresentado por alguns como o senhor de tudo, já que as coisas acontecem ou por necessidade, ou por acaso, ou por vontade nossa; e que a necessidade é incoercível, o acaso, instável, enquanto nossa vontade é livre, razão pela qual nos acompanham a censura e o louvor?
Mais vale aceitar o mito dos deuses, do que ser escravo do destino dos naturalistas: o mito pelo menos nos oferece a esperança do perdão dos deuses através das homenagens que lhes prestamos, ao passo que o destino é uma necessidade inexorável.
Entendendo que a sorte não é uma divindade, como a maioria das pessoas acredita (pois um deus não faz nada ao acaso), nem algo incerto, o sábio não crê que ela proporcione aos homens nenhum bem ou nenhum mal que sejam fundamentais para uma vida feliz, mas, sim, que dela pode surgir o início de grandes bens e de grandes males. A seu ver, é preferível ser desafortunado e sábio, a ser afortunado e tolo; na prática, é melhor que um bom projeto não chegue a bom termo, do que chegue a ter êxito um projeto mau.
Medita, pois, todas estas coisas e muitas outras a elas congêneres, dia e noite, contigo mesmo e com teus semelhantes, e nunca mais te sentirás perturbado, quer acordado, quer dormindo, mas viverás como um deus entre os homens. Porque não se assemelha absolutamente a um mortal o homem que vive entre bens imortais.