sexta-feira, 18 de julho de 2014

A visão da nova historiografia sobre o Brasil colonial de Caio Prado Junior

Com o advento dos cursos de história agrária através de pesquisas empíricas, observou-se que o modelo pradiano não se sustentava por si só, pois o pacto colonial como era defendido pelo escritor não tinha base sólida para explicar o modelo econômico da América Portuguesa.
            Para Caio Prado a Colônia Portuguesa tinha a função de produzir culturas de acordo com a necessidade externa e sempre em grandes quantidades, predominando a monocultura, alicerçada no grande latifúndio e sustentada pelo trabalho escravo e sem espaço para plantações em diversidades, a não ser para subsistência. O autor defende a ideia de total dependência do capital estrangeiro e por isso o mercado interno não tem relevância.
            Posteriormente Celso Furtado reforça o pensamento Pradiano e acrescenta que a economia do Brasil Colônia flutuava de acordo com os preços internacionais e que este fator era preponderante para o sucesso ou crise no mercado Colonial Brasileiro. Afirmação esta que vai ser contestada pela nova historiografia, mesmo tendo ainda existindo muitos trabalhos acadêmicos se valendo do pensamento anterior como nos diz João Fragoso: “De imediato devo dizer que alguns trabalhos acadêmicos continuam a se valer das reflexões de Caio Prado Júnior e Celso Furtado, como ideia de a colônia ser uma economia dominada pelo capital mercantil europeu” . (FRAGOSO. 2013. Pag. 11)
            O primeiro a questionar este modelo explicativo foi Ciro Flamarion Cardoso em debate com Fernando Novais que apesar de ser historiador de ofício não discordava de Caio Prado Junior, onde o que interessava era “produzir mercadorias de baixos custos de modo a permitir na sua revenda lucros extraordinários para o capital mercantil europeu;...”. (FRAGOSO. 2013. Pag. 12). Além da leitura teleológica praticada até então, outras críticas são feitas pelos novos pesquisadores, Jocob Gorender caminha com Ciro Cardoso dizendo que “o capital mercantil era incapaz de caracterizar ou gerar formas de produção, até porque comércio e comerciantes são categorias anteriores ao Dilúvio e a barca de Noé, ou seja, existente em diferentes sistemas econômicos”. (FRAGOSO. 2013. Pag. 14). Estes autores também questionaram a questão de nosso povo ser tratado como seres sem capacidade de pensamento, isto é, no modelo antigo somente os europeus tinham inteligência capaz de desenvolver nossa economia.
            A partir dos anos de 1970/80 o assunto começa a ser mais desenvolvido, João Fragoso  e Manollo Florentino dão seguimento ao pensamento de Ciro Cardoso e através de pesquisas acadêmicas vão perceber que a questão em pauta era bem mais complexa e exigia dos estudiosos muita atenção a outros fatores não menos importante que o valor para decifrar a economia luso-brasileira. Para debater o tema, João Fragoso discorre sobre a nova historiografia, relatando a importância dos novos trabalhos acadêmicos baseados em fontes e nos faz pensar que seria no mínimo inocência imaginar que a sociedade aqui residente não tinha importância na economia colonial brasileira. Quanto a isto, o pesquisador diz que senhores e escravos não porem ser tratados como seres quase sem neurônios.
            Podemos questionar o modelo pradiano da plantation quando analisamos outros autores como Shwartz que apesar de falar em crise econômica mostra o mercado açucareiro em expansão, mesmo que os engenhos se tornem mais simples, o fato é que nos séculos XVII e XVIII houve um aumento na quantidade das fabricas, principalmente com a chegada do moinho de três paus que era mais barato, embora não fosse acessível a qualquer trabalhador. Sampaio também vai tratar do comércio do Brasil colonial desta época mostrando que outras culturas estão sendo cultivadas e neste momento o foco é o mercado interno, embora fale que mercadorias eram exportadas, inclusive para outras colônias e sem passar por Portugal. Outra questão para ser levada em consideração é o comércio escravista, onde os grandes traficantes eram residentes aqui, sendo nomeados de traficantes de “grosso trato” devido aos seus altos investimentos em tráficos, bem como manufaturas em geral. Portanto a tese da dependência do capital externo não se sustenta, como também a crise que o Schwartz comenta também não faz muito sentido, já que, neste período estava crescendo o número de engenhos em nossas terras.
            O tráfico de escravos também foi analisado, como bem sabemos esta prática foi por séculos um negócio lucrativo na América Portuguesa e Manollo Florentino nos dá números que comprovam que nesta época a quantidade de escravos desembarcados no Brasil era de grande proporção, sendo que a maioria de donos de escravos não eram os grandes e sim pequenos senhores, pois aquela ideia de fazendas com mais de cem cativos existiam, porém eram poucos em comparação com os que tinham escravos em menor quantidade. E bem pouco mesmo, predominando os que tinham entre 1 e 9 serviçais. Assim sendo, o tripé monocultura, latifúndio e escravidão não é a base da economia do Brasil colonial na visão da nova historiografia brasileira. Por outro lado não se pode negar que existia este modelo na colônia, só que não era predominância total e sim exceções.
            Como podemos observar o modelo explicativo da economia contemporânea, onde o autor busca sua explicação no Brasil colônia vem sendo negada, ou pelo menos contextualizada nas últimas décadas pelos verdadeiros historiadores, todavia não se pode negar a importância de Caio Prado Junior, pois quando escreveu sua tese talvez não tivesse acesso a tantos dados que mostrasse a outra face da economia colonial brasileira, além do mais ele foi o precursor no rompimento da ideia da economia fechada, onde o que predominava era a cultura em ciclo.

BIBLIOGRAFIA:
FRAGOSO, João; GUEDES, Roberto; KRAUSE, Thiago. A América portuguesa e os sistemas atlânticos na Época Moderna. Rio de Janeiro: FGV, 2013.
SCHWARTZ, Stuart; SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá; FLORENTINO, Manolo. In: FRAGOSO, João e GOUVEIA, Maria de Fátima (org.) O Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014.


sábado, 12 de julho de 2014

A modernidade e o absolutismo

         O que um historiador tem que se preocupar quando vai analisar um acontecimento histórico ou uma obra de algum autor do passado é ter o cuidado de não cometer o anacronismo ou até mesmo fazer uma leitura teleológica dos fatos. Para melhor compreensão do ocorrido temos que nos transportar até àquela época e tentar entender o porquê de tal evento, assim como fazer a contextualização. No caso de autores que defenderam o absolutismo na transição da Idade Média para a modernidade temos que perceber que não se trata de um ideal apenas e sim um anseio a ordem administrativa, já que, estavam saindo de um modelo feudal, onde o poder era descentralizado pertencendo aos senhores donos de terras e que agora estava sendo centralizado nas mãos de um rei local dando margem ao surgimento dos Estados, contudo, esta mudança de comportamento trouxe problemas, já que burgueses e nobres estão em busca do mesmo objetivo, ou seja, o poder.
            Outro fator relevante para ser analisado é o fato de tirar conclusão de um autor através de uma obra apenas, fazemos isto quando lemos o Príncipe de Maquiavel e logo o taxamos de absolutista, mas esquecemos de que ele tem inúmeras obras e não devemos julgá-lo apenas por esta, onde o autor após fazer um estudo empírico dos fatos ocorridos nos últimos tempos e vendo o choque entre o pensamento republicano e a monarquia Italiana chega a conclusão que só um poder absoluto pode salvar a Itália da ruína e manter a ordem. Maquiavel foi o primeiro autor a romper com a ideia do poder divino. Para este pensador, o homem constrói seu próprio caminho e para isto acontecer ele tem que se valer de algumas virtudes. Neste contexto não se trata de virtude cristã e sim virtude política. Para manter o Estado em ordem vale praticamente tudo.
            Se na Itália Maquiavel tentou dar sua contribuição através do seu manual, na Inglaterra não foi diferente. Tomas Hobbes embora não fazendo nenhuma menção ao nome do autor Italiano segue seus passos, porém de forma diferente. Para o escritor Inglês o poder absoluto surge na forma de um pacto entre súditos e o Estado, todavia tentemos entender porque Hobbes está propondo este modelo de governo.
            Depois de Henrique VIII a Inglaterra tem o seu poder centralizado fortalecido, pois este rei com sua frieza e nenhuma piedade de quem atravessasse seu caminho foi construindo um governo absolutista tendo seu ápice com sua filha Elisabeth I no final do século XVI que soube administrar as querelas religiosas permitindo que Católicos e Protestantes pudessem professar sua fé. Mas neste Estado desde século XII existe um parlamento que mesmo perdendo força nunca deixou de incomodar, além disso, tinha que se preocupar com as constantes guerras travadas com a França, além de disputas dinásticas (Tudors x Stuarts) e brigas religiosas entre católicos e protestantes.
            Hobbes nasceu na era de Elisabeth I, ou seja, em plena guerra travada com a Espanha, pois em 1588, ano em que o escritor nasceu Felipe II está atacando o reino Inglês e tentando derrubar Elisabeth. Entretanto, apesar da esquadra Espanhola ser a mais poderosa da época,  não conseguiu atingir seu objetivo principal e foi derrotada pelos navios Ingleses com a ajuda da tempestade. Em 1603 morre Elisabeth e como não era casada e não tinha herdeiro, assume seu primo Jaime I rei da Escócia e filho de Merye prima de Elisabeth a qual foi decapitada por traição pela rainha Inglesa.  Por sinal, decapitação foi o que não faltou no governo Tudors, a começar por Henrique VIII que deu cabo de duas de suas seis esposas, assim como do seu colaborador Thomas More autor de “Utopia”. Começa então uma nova dinastia, os Stuarts enfim chegam ao poder na Inglaterra. Em 1625 morre Jaime e assume seu filho Carlos o qual era Católico fervoroso e com seus ideais absolutistas extremados chega a fechar o parlamento para reinar sozinho, mas tem seu governo marcado pelos confrontos dando inicio a uma guerra civil, onde o seu fim será a morte depois que o exercito de Oliver Cromwell vence a guerra e entrega Carlos ao parlamento para julgamento sendo que já estava decretado a sua condenação. Por outro lado Cromwell instala a republica puritana e se auto proclama rei “lorde protetor da Inglaterra” e em 1653 fecha o parlamento, e com apoio do exercito, burguesia e puritanos passa a governar absoluto. Radical perseguiu tudo que julgava imoral.
Em 1658 Morre Cromwell e assume seu filho Ricardo, sem as mesmas qualidades do pai, logo foi afastado pela nobreza e a burguesia inglesa que estavam negociando o retorno do filho de Carlos que estava exilado na França, sendo que este tinha que aceitar o controle do parlamento. Tem-se então a restauração da Monarquia. Apesar de não arrumar grandes problemas, Carlos II mandou desenterrar Cromwell e enforcar seu cadáver em praça pública para vingar a morte de seu pai. Em 1660 então temos a restauração da dinastia Stuarts e a volta do parlamento como pretendia a nobreza liberal e a burguesia. Daí para frente vamos chegar à revolução gloriosa em 1668, onde será montado o esquema de governo que dará origem ao atual sistema naquele país, a monarquia parlamentarista.
Voltamos à vaca fria, como podemos observar as coisas não estavam muito tranquilas naquelas terras no período em que Tomas Hobbes viveu e isto trás preocupação, já que estes acontecimentos estão atrapalhando o desenvolvimento, pois a Inglaterra estava se desenvolvendo comercialmente, como também fazendo sua expansão marítima e a ocupação da América. Como viajou pela Europa, principalmente pela França que desenvolvia um modelo de absolutismo de sucesso e que começou a se estruturar definitivamente com a organização do Cardeal Richilieu que conseguiu apaziguar as disputas internas, bem como fortalecer o poder real a partir do século XVII. Na França apesar de também existir parlamento não era para intrometer em problemas reais e sim locais, segundo Perry Anderson “Os mais distantes ducados e condados da França sempre renderam vassalagem nominal à dinastia central, mesmo se vassalos inicialmente mais poderosos do que seu suserano real – permitindo uma hierarquia jurídica propícia à posterior integração jurídica”. Ao contrario da Inglaterra que desde a carta magna assinada pelo rei João sem terra em 1215 impondo limites ao seu poder tem dificuldades para implantar o absolutismo, na França este modelo governamental caminha em direção ao seu auge no governo de Luiz XIV, quando na morte do Cardeal Mazarin que administrava em seu nome, Luiz resolve então assumir as rédeas da administração e consegue centralizar de uma vez todos os poderes em suas mãos. Agora o rei administrava, julgava e executava ao mesmo tempo. Era como ele mesmo dizia: “O Estado sou eu”. Baseado praticamente no modelo Francês o autor escreve sua obra dando como solução para as dificuldades da Inglaterra, todavia com uma diferença em relação ao seu vizinho, embora as características administrativas e os objetivos fossem os mesmos, enquanto lá a investidura no cargo seria divino, cá seria em forma de pacto entre sociedade e Estado.
Tomas Hobbes foi o primeiro filósofo a falar de um contrato para que a sociedade pudesse viver em harmonia, respeitando um ao outro, pois sem esse pacto a sociedade entraria em decadência devido às paixões dos homens em seu estado natural. Para Hobbes o homem é naturalmente violento e desconfiado, por isso está sempre em condição de guerra, e é uma guerra de todos os homens contra todos os homens, isso não quer dizer que estes homens vivam em uma guerra constante, porém, como o homem não tem nenhum prazer pela companhia do outro e por causa das suas ambições, a guerra pode acontecer a qualquer momento, basta que um pense que o outro irá ataca-lo para que ele ataque primeiro para se defender e então o caos esta instalado.
            Ao contrario da filosofia Aristotélica em que o homem é um ser naturalmente politico e faz uso da razão para se relacionar, Hobbes diz que temos que prestar atenção na experiência, pois esta mostra que o homem em seu estado natural não faz uso da razão para sobreviver, pelo contrario, quando mais de um almeja a mesma coisa e esta coisa não pode ser de ambos ao mesmo tempo eles vão entrar em disputa para ver quem vai ficar com o bem, mostrando que qualquer um pode alcançar o seu objetivo através de suas forças e se o adversário for mais forte, o mais fraco pode se juntar com outros que também querem a mesma coisa para derrotá-lo. Sendo assim o homem é por natureza um ser competidor, como nos diz Hobbes. ”A competição pela riqueza, a honra, o mando e outros poderes leva à luta, à inimizade e à guerra, porque o caminho seguido pelo competidor para realizar seu desejo consiste em matar, subjugar, suplantar ou repelir o outro”. Para conseguir o que quer, o homem não mede as consequências e nem tem medo de ser injusto, já que, onde não tem justiça não tem injustiça e sem um poder para regular o que é certo e o que é errado a paz estará sempre ameaçada. Nesta situação não há lugar para o progresso e o desenvolvimento não acontece devido à insegurança e sobre tudo o medo da morte violenta, pois quando estão guerreando os homens não tem tempo para pensar na indústria, comércio e até mesmo a ciência fica travada fazendo com que a sociedade em geral não se desenvolva.
            Para a paz reinar e o desenvolvimento acontecer é preciso que o homem ceda parte dos seus direitos para o Estado para que este organize a vida em sociedade permitindo a liberdade entre os corpos em movimento. Hobbes denominou o ser poderoso de Leviatã, numa alusão ao monstro de Jó 41 encontrado na Bíblia, pois este ser que é cruel e indestrutível é também defensor dos menores indefesos. Todavia o monstro de Hobbes não é imortal, porém goza de poder absoluto dado pelos indivíduos não podendo ser contestado, pois ele esta acima do pacto feito entre a sociedade e quem cumpre com o pacto não será punido pelo Estado ao contrario de quem descumprir com as regras será castigado pelo monstro artificial e não poderá tomar nenhuma atitude contra o mesmo, haja vista se fizer algo contra a entidade estará fazendo contra ele próprio, já que transferiu seus direitos para o soberano absoluto.
            Hobbes destaca que mesmo o homem vivendo em condição de guerra ele prefere a paz e pensando no medo da morte seu lado racional fala mais alto e ele concorda em transferir parte dos seus direitos a este ser artificial com poder de punição em nome da lei. Vale lembrar que artificial não quer dizer falso, pois este foi devidamente legitimado pela maioria dos súditos que para garantir a paz abriram mão do seu estado natural. Para garantir a paz o Leviatã pode fazer uso da espada, sem o medo o ser humano tende a não respeitar o pacto, ou seja, sem o poder da espada o contrato não será cumprido pelos homens.
            Apesar de se tratar de um absolutismo existem algumas brechas para a liberdade, embora seja uma liberdade vigiada, já que as famílias podem educar seus filhos sem intromissão do Estado assim como cuidar de suas terras, ou seja, o direito da propriedade privada será preservado desde que sigam as regras do soberano, já que este tem a prerrogativa do controle comercial decidindo quem terá a concessão deste seguimento.

            Para quem se interessar pelo assunto e por esta época eu indico alguns filmes que podem ajudar na compreensão. Para a Itália vale a pena assistir “Os Borgias”, este filme vai retratar o papado de Rodrigo Borgia encarnando o Papa Alexandre VI no final do século XV, o qual Maquiavel usará como modelo de conquistador, principalmente Cesar Borgia que era filho de Rodrigo e segundo o escritor tinha todas as qualidades para se manter no poder a não ser pela sua falta de habilidade em conservar a sorte que herdara de seu pai, um dos fatores elementares para as conquistas. Para tratar da Inglaterra o filme “Elisabeth a era do ouro” dá uma noção do governo desta que foi a última da linhagem dos Tudors, embora não trate do final de sua administração e sim realçando suas particularidades como sua solteirice, por exemplo. Tratando dos Stuarts temos “Morte ao rei” mostrando o fim que Carlos I teve nas mãos de seu opositor Oliver Cromwell. Para a França é muito elucidativo o filme “O absolutismo – A ascensão de Luiz XIV” mostrando como este rei conduziu seu reinado, assim como o modelo que inspirou Tomas Hobbes a escrever o Leviatã. 

sexta-feira, 4 de julho de 2014

A influência africana na agricultura brasileira.


  Muitos dos cativos vindos para a América eram provenientes de regiões em que a agricultura era bem aplicada. Os negros do oeste africano possuíam técnicas agrícolas e artesanais desenvolvidas, divisão social do trabalho, comércio regulamentado, sistemas de governo bem estruturados e princípios de organização militar.[2] Maestri e Fiabani em “O mato, a roça e a enxada”, discutiram a produção dos quilombolas entre os séculos XVI e XIX e nos dizem que:

A produção quilombola horticultora sustentou grande parte dos cativos fugidos que permaneceram nas fronteiras do Brasil. Ela apoiou o processo de colonização de regiões agrestes e afastadas, interveio nas trocas mercantis com a sociedade escravista, contribuiu para a formação das comunidades caboclas, antes e após a abolição etc., entretanto, na história da agricultura brasileira, pouca importância tem sido dada ás comunidades quilombolas. A produção agrícola das comunidades estáveis e semi estáveis de trabalhadores escravizados fugidos tem sido abordada quase exclusivamente por obras gerais e estudos monográficos sobre os quilombos, com destaque para os estudos dedicados a confederação palmarina. É quase como se o caráter anti oficial desses agrupamentos determinasse que eles não poderiam ter contribuído para a construção das práticas agrícolas no Brasil, sobretudo no que se refere á produção das formas singulares que assumiram, antes e depois da abolição, os seguimentos sociais camponeses no Brasil. [3]


Podemos observar que estas comunidades “marginais”, mantinham ligações e um vínculo que variava entre a dependência e o fornecimento de vários gêneros com o restante da sociedade. Outro fato marcante relativo à produção horticultora dos quilombolas se deve a questão de que na África as práticas agrícolas ficavam a cargo das mulheres, enquanto que aos homens as atividades relegadas eram a caça, pesca e a construção, entre outras coisas. Produção agrícola era coisa de mulher. Este fato irá sofrer grande modificação nas Américas, tendo em vista que a maioria dos habitantes dos mocambos era de homens.[4] Uma das explicações para esta maioria masculina nos quilombos pode ser entendida levando-se em conta a maior entrada de homens no mercado escravocrata, e das naturais dificuldades inerentes as fugas.
Gorender relata ainda que no mercado africano de pessoas, as mulheres tinham um preço superior ao dos homens, e que também o tipo de serviço a ser executado nas Américas- produção em lavouras extenuantes como as de açúcar- levava os compradores a darem preferência ao sexo masculino.  Devido a isto, havia uma predominância de homens nas fugas e quilombos. No sul dos Estados Unidos, pelo menos 80% dos debandados eram homens entre dezoito e trinta e cinco anos.[5] Este domínio masculino não foi impedimento ás práticas horticultoras.[6] Para sobreviverem a estas novas condições estes homens tiveram de se readaptar tanto no que diz respeito ao aspecto cultural, quanto ao geoecológico das terras brasileiras a serem desbravadas. As poucas mulheres presentes nos mocambos ensinaram a maioria de homens a desenvolver as técnicas de plantio e colheita agrícola.
 Tendo em vista a afirmativa de Maestri e Fiabani a respeito da importância da produção quilombola, podemos deduzir que os mesmos obtiveram relativo sucesso nesta empreitada. Para se entender melhor este processo, a que se levar em conta a conjuntura dos mercados internos e externos do período. No final do século XVIII, a colônia se encontra em momento de crescimento econômico devido ao aumento de sua produção agroexportadora. Schwartz afirma que no

Brasil, este foi um período de considerável crescimento urbano, economia de exportação em expansão e aumento na importação de escravos, bem como crescimento geral da população. Todos estes fatores contribuíram para o crescimento de um mercado interno de gêneros alimentícios e criaram as circunstâncias certas para o acesso ao mercado especialmente atraente para os escravos. A expansão da agricultura de subsistência foi notável nesse período em muitas regiões do Brasil.[7]


            Escravos e quilombolas souberam se aproveitar das oportunidades do sistema e do crescimento econômico do período. Estes passam a obter acesso a terra, não apenas a partir das fugas que empreenderam, mas também a partir da cessão de lotes feito por seus senhores. “É quase certo que a existência do direito dos escravos á propriedade e certo grau de autonomia resultassem de uma série constante e mutável de acordos e negociações, que variavam de uma região para outra. [8] A cessão de lotes por parte do senhor a determinados escravos acaba sendo um ótimo negócio para ambos, tendo em vista que por parte do senhor, esta concessão poderia lhe resolver certos problemas, que Silva argumenta da seguinte forma:

Teoricamente, como instrumento de produção, propriedade do senhor, o escravo não poderia ter uma economia própria, já que, ele mesmo, não se pertencia. Entretanto, na prática, o escravismo colonial, por toda parte admitiu certa margem de economia própria para uma parcela dos cativos. Ao ceder um pedaço de terra e a folga semanal para trabalhá-la, o senhor aumentava a quantidade de gêneros disponíveis para alimentar a escravaria numerosa, ao mesmo tempo em que fornecia uma válvula de escape para as pressões resultantes da escravidão.[9]



A partir da exposição de Silva podemos concluir que o sistema escravista brasileiro admitiu certa margem ao escravo tornando possível que o mesmo conseguisse trabalhar em seus dias de folga em proveito próprio. Esta possível conquista era fruto de um constante jogo de negociações travadas entre senhor e escravo, que poderia ser benéfica para ambos os lados.




[1]  Stuart Schwartz em “Escravos roceiros e rebeldes” no capítulo 2 apresenta um documento emitido por escravos no interior da Bahia no ano de 1789. No documento podemos ver o posicionamento dos insurgentes com relação a várias questões de seu cotidiano, e também trechos em que os mesmos se diferenciam dos africanos. Este mesmo documento se encontra em anexo no fim deste texto.  A revolta dos Malês também é outro acontecimento em que podemos ver a separação entre estes dois grupos. Ver: Negociação e conflito, p.99-122.
[2] LIMA, Lana Lage da Gama. Op.cit.p19.
[3] MAESTRI, Mário. FIABANI, Ademir. O mato, a roça e a enxada: a horticultura quilombola no Brasil escravista (séculos XVI-XIX). In: MOTTA, Márcia. ZARTH, Paulo. Formas de resistência camponesa: visibilidade e diversidade de conflitos ao longo da história. Concepções de justiça e resistência nos brasis. Rio de Janeiro: UNESP, 2008, p.64-65.
[4] Idem, p.71-72.
[5] SILVA, Eduardo, REIS, João José. Op.cit. p.75.
[6] MAESTRI, Mário, FIABANI, Ademir. Op.cit. p.72.
[7] SCHWARTZ, Stuart. Op.cit.p.115.
[8] Idem, p.105.
[9] SILVA, Eduardo. Barões e escravidão. Três gerações de fazendeiros e a crise da estrutura escravista. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.p.157.