sábado, 12 de julho de 2014

A modernidade e o absolutismo

         O que um historiador tem que se preocupar quando vai analisar um acontecimento histórico ou uma obra de algum autor do passado é ter o cuidado de não cometer o anacronismo ou até mesmo fazer uma leitura teleológica dos fatos. Para melhor compreensão do ocorrido temos que nos transportar até àquela época e tentar entender o porquê de tal evento, assim como fazer a contextualização. No caso de autores que defenderam o absolutismo na transição da Idade Média para a modernidade temos que perceber que não se trata de um ideal apenas e sim um anseio a ordem administrativa, já que, estavam saindo de um modelo feudal, onde o poder era descentralizado pertencendo aos senhores donos de terras e que agora estava sendo centralizado nas mãos de um rei local dando margem ao surgimento dos Estados, contudo, esta mudança de comportamento trouxe problemas, já que burgueses e nobres estão em busca do mesmo objetivo, ou seja, o poder.
            Outro fator relevante para ser analisado é o fato de tirar conclusão de um autor através de uma obra apenas, fazemos isto quando lemos o Príncipe de Maquiavel e logo o taxamos de absolutista, mas esquecemos de que ele tem inúmeras obras e não devemos julgá-lo apenas por esta, onde o autor após fazer um estudo empírico dos fatos ocorridos nos últimos tempos e vendo o choque entre o pensamento republicano e a monarquia Italiana chega a conclusão que só um poder absoluto pode salvar a Itália da ruína e manter a ordem. Maquiavel foi o primeiro autor a romper com a ideia do poder divino. Para este pensador, o homem constrói seu próprio caminho e para isto acontecer ele tem que se valer de algumas virtudes. Neste contexto não se trata de virtude cristã e sim virtude política. Para manter o Estado em ordem vale praticamente tudo.
            Se na Itália Maquiavel tentou dar sua contribuição através do seu manual, na Inglaterra não foi diferente. Tomas Hobbes embora não fazendo nenhuma menção ao nome do autor Italiano segue seus passos, porém de forma diferente. Para o escritor Inglês o poder absoluto surge na forma de um pacto entre súditos e o Estado, todavia tentemos entender porque Hobbes está propondo este modelo de governo.
            Depois de Henrique VIII a Inglaterra tem o seu poder centralizado fortalecido, pois este rei com sua frieza e nenhuma piedade de quem atravessasse seu caminho foi construindo um governo absolutista tendo seu ápice com sua filha Elisabeth I no final do século XVI que soube administrar as querelas religiosas permitindo que Católicos e Protestantes pudessem professar sua fé. Mas neste Estado desde século XII existe um parlamento que mesmo perdendo força nunca deixou de incomodar, além disso, tinha que se preocupar com as constantes guerras travadas com a França, além de disputas dinásticas (Tudors x Stuarts) e brigas religiosas entre católicos e protestantes.
            Hobbes nasceu na era de Elisabeth I, ou seja, em plena guerra travada com a Espanha, pois em 1588, ano em que o escritor nasceu Felipe II está atacando o reino Inglês e tentando derrubar Elisabeth. Entretanto, apesar da esquadra Espanhola ser a mais poderosa da época,  não conseguiu atingir seu objetivo principal e foi derrotada pelos navios Ingleses com a ajuda da tempestade. Em 1603 morre Elisabeth e como não era casada e não tinha herdeiro, assume seu primo Jaime I rei da Escócia e filho de Merye prima de Elisabeth a qual foi decapitada por traição pela rainha Inglesa.  Por sinal, decapitação foi o que não faltou no governo Tudors, a começar por Henrique VIII que deu cabo de duas de suas seis esposas, assim como do seu colaborador Thomas More autor de “Utopia”. Começa então uma nova dinastia, os Stuarts enfim chegam ao poder na Inglaterra. Em 1625 morre Jaime e assume seu filho Carlos o qual era Católico fervoroso e com seus ideais absolutistas extremados chega a fechar o parlamento para reinar sozinho, mas tem seu governo marcado pelos confrontos dando inicio a uma guerra civil, onde o seu fim será a morte depois que o exercito de Oliver Cromwell vence a guerra e entrega Carlos ao parlamento para julgamento sendo que já estava decretado a sua condenação. Por outro lado Cromwell instala a republica puritana e se auto proclama rei “lorde protetor da Inglaterra” e em 1653 fecha o parlamento, e com apoio do exercito, burguesia e puritanos passa a governar absoluto. Radical perseguiu tudo que julgava imoral.
Em 1658 Morre Cromwell e assume seu filho Ricardo, sem as mesmas qualidades do pai, logo foi afastado pela nobreza e a burguesia inglesa que estavam negociando o retorno do filho de Carlos que estava exilado na França, sendo que este tinha que aceitar o controle do parlamento. Tem-se então a restauração da Monarquia. Apesar de não arrumar grandes problemas, Carlos II mandou desenterrar Cromwell e enforcar seu cadáver em praça pública para vingar a morte de seu pai. Em 1660 então temos a restauração da dinastia Stuarts e a volta do parlamento como pretendia a nobreza liberal e a burguesia. Daí para frente vamos chegar à revolução gloriosa em 1668, onde será montado o esquema de governo que dará origem ao atual sistema naquele país, a monarquia parlamentarista.
Voltamos à vaca fria, como podemos observar as coisas não estavam muito tranquilas naquelas terras no período em que Tomas Hobbes viveu e isto trás preocupação, já que estes acontecimentos estão atrapalhando o desenvolvimento, pois a Inglaterra estava se desenvolvendo comercialmente, como também fazendo sua expansão marítima e a ocupação da América. Como viajou pela Europa, principalmente pela França que desenvolvia um modelo de absolutismo de sucesso e que começou a se estruturar definitivamente com a organização do Cardeal Richilieu que conseguiu apaziguar as disputas internas, bem como fortalecer o poder real a partir do século XVII. Na França apesar de também existir parlamento não era para intrometer em problemas reais e sim locais, segundo Perry Anderson “Os mais distantes ducados e condados da França sempre renderam vassalagem nominal à dinastia central, mesmo se vassalos inicialmente mais poderosos do que seu suserano real – permitindo uma hierarquia jurídica propícia à posterior integração jurídica”. Ao contrario da Inglaterra que desde a carta magna assinada pelo rei João sem terra em 1215 impondo limites ao seu poder tem dificuldades para implantar o absolutismo, na França este modelo governamental caminha em direção ao seu auge no governo de Luiz XIV, quando na morte do Cardeal Mazarin que administrava em seu nome, Luiz resolve então assumir as rédeas da administração e consegue centralizar de uma vez todos os poderes em suas mãos. Agora o rei administrava, julgava e executava ao mesmo tempo. Era como ele mesmo dizia: “O Estado sou eu”. Baseado praticamente no modelo Francês o autor escreve sua obra dando como solução para as dificuldades da Inglaterra, todavia com uma diferença em relação ao seu vizinho, embora as características administrativas e os objetivos fossem os mesmos, enquanto lá a investidura no cargo seria divino, cá seria em forma de pacto entre sociedade e Estado.
Tomas Hobbes foi o primeiro filósofo a falar de um contrato para que a sociedade pudesse viver em harmonia, respeitando um ao outro, pois sem esse pacto a sociedade entraria em decadência devido às paixões dos homens em seu estado natural. Para Hobbes o homem é naturalmente violento e desconfiado, por isso está sempre em condição de guerra, e é uma guerra de todos os homens contra todos os homens, isso não quer dizer que estes homens vivam em uma guerra constante, porém, como o homem não tem nenhum prazer pela companhia do outro e por causa das suas ambições, a guerra pode acontecer a qualquer momento, basta que um pense que o outro irá ataca-lo para que ele ataque primeiro para se defender e então o caos esta instalado.
            Ao contrario da filosofia Aristotélica em que o homem é um ser naturalmente politico e faz uso da razão para se relacionar, Hobbes diz que temos que prestar atenção na experiência, pois esta mostra que o homem em seu estado natural não faz uso da razão para sobreviver, pelo contrario, quando mais de um almeja a mesma coisa e esta coisa não pode ser de ambos ao mesmo tempo eles vão entrar em disputa para ver quem vai ficar com o bem, mostrando que qualquer um pode alcançar o seu objetivo através de suas forças e se o adversário for mais forte, o mais fraco pode se juntar com outros que também querem a mesma coisa para derrotá-lo. Sendo assim o homem é por natureza um ser competidor, como nos diz Hobbes. ”A competição pela riqueza, a honra, o mando e outros poderes leva à luta, à inimizade e à guerra, porque o caminho seguido pelo competidor para realizar seu desejo consiste em matar, subjugar, suplantar ou repelir o outro”. Para conseguir o que quer, o homem não mede as consequências e nem tem medo de ser injusto, já que, onde não tem justiça não tem injustiça e sem um poder para regular o que é certo e o que é errado a paz estará sempre ameaçada. Nesta situação não há lugar para o progresso e o desenvolvimento não acontece devido à insegurança e sobre tudo o medo da morte violenta, pois quando estão guerreando os homens não tem tempo para pensar na indústria, comércio e até mesmo a ciência fica travada fazendo com que a sociedade em geral não se desenvolva.
            Para a paz reinar e o desenvolvimento acontecer é preciso que o homem ceda parte dos seus direitos para o Estado para que este organize a vida em sociedade permitindo a liberdade entre os corpos em movimento. Hobbes denominou o ser poderoso de Leviatã, numa alusão ao monstro de Jó 41 encontrado na Bíblia, pois este ser que é cruel e indestrutível é também defensor dos menores indefesos. Todavia o monstro de Hobbes não é imortal, porém goza de poder absoluto dado pelos indivíduos não podendo ser contestado, pois ele esta acima do pacto feito entre a sociedade e quem cumpre com o pacto não será punido pelo Estado ao contrario de quem descumprir com as regras será castigado pelo monstro artificial e não poderá tomar nenhuma atitude contra o mesmo, haja vista se fizer algo contra a entidade estará fazendo contra ele próprio, já que transferiu seus direitos para o soberano absoluto.
            Hobbes destaca que mesmo o homem vivendo em condição de guerra ele prefere a paz e pensando no medo da morte seu lado racional fala mais alto e ele concorda em transferir parte dos seus direitos a este ser artificial com poder de punição em nome da lei. Vale lembrar que artificial não quer dizer falso, pois este foi devidamente legitimado pela maioria dos súditos que para garantir a paz abriram mão do seu estado natural. Para garantir a paz o Leviatã pode fazer uso da espada, sem o medo o ser humano tende a não respeitar o pacto, ou seja, sem o poder da espada o contrato não será cumprido pelos homens.
            Apesar de se tratar de um absolutismo existem algumas brechas para a liberdade, embora seja uma liberdade vigiada, já que as famílias podem educar seus filhos sem intromissão do Estado assim como cuidar de suas terras, ou seja, o direito da propriedade privada será preservado desde que sigam as regras do soberano, já que este tem a prerrogativa do controle comercial decidindo quem terá a concessão deste seguimento.

            Para quem se interessar pelo assunto e por esta época eu indico alguns filmes que podem ajudar na compreensão. Para a Itália vale a pena assistir “Os Borgias”, este filme vai retratar o papado de Rodrigo Borgia encarnando o Papa Alexandre VI no final do século XV, o qual Maquiavel usará como modelo de conquistador, principalmente Cesar Borgia que era filho de Rodrigo e segundo o escritor tinha todas as qualidades para se manter no poder a não ser pela sua falta de habilidade em conservar a sorte que herdara de seu pai, um dos fatores elementares para as conquistas. Para tratar da Inglaterra o filme “Elisabeth a era do ouro” dá uma noção do governo desta que foi a última da linhagem dos Tudors, embora não trate do final de sua administração e sim realçando suas particularidades como sua solteirice, por exemplo. Tratando dos Stuarts temos “Morte ao rei” mostrando o fim que Carlos I teve nas mãos de seu opositor Oliver Cromwell. Para a França é muito elucidativo o filme “O absolutismo – A ascensão de Luiz XIV” mostrando como este rei conduziu seu reinado, assim como o modelo que inspirou Tomas Hobbes a escrever o Leviatã. 

Um comentário:

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