sexta-feira, 4 de julho de 2014

A influência africana na agricultura brasileira.


  Muitos dos cativos vindos para a América eram provenientes de regiões em que a agricultura era bem aplicada. Os negros do oeste africano possuíam técnicas agrícolas e artesanais desenvolvidas, divisão social do trabalho, comércio regulamentado, sistemas de governo bem estruturados e princípios de organização militar.[2] Maestri e Fiabani em “O mato, a roça e a enxada”, discutiram a produção dos quilombolas entre os séculos XVI e XIX e nos dizem que:

A produção quilombola horticultora sustentou grande parte dos cativos fugidos que permaneceram nas fronteiras do Brasil. Ela apoiou o processo de colonização de regiões agrestes e afastadas, interveio nas trocas mercantis com a sociedade escravista, contribuiu para a formação das comunidades caboclas, antes e após a abolição etc., entretanto, na história da agricultura brasileira, pouca importância tem sido dada ás comunidades quilombolas. A produção agrícola das comunidades estáveis e semi estáveis de trabalhadores escravizados fugidos tem sido abordada quase exclusivamente por obras gerais e estudos monográficos sobre os quilombos, com destaque para os estudos dedicados a confederação palmarina. É quase como se o caráter anti oficial desses agrupamentos determinasse que eles não poderiam ter contribuído para a construção das práticas agrícolas no Brasil, sobretudo no que se refere á produção das formas singulares que assumiram, antes e depois da abolição, os seguimentos sociais camponeses no Brasil. [3]


Podemos observar que estas comunidades “marginais”, mantinham ligações e um vínculo que variava entre a dependência e o fornecimento de vários gêneros com o restante da sociedade. Outro fato marcante relativo à produção horticultora dos quilombolas se deve a questão de que na África as práticas agrícolas ficavam a cargo das mulheres, enquanto que aos homens as atividades relegadas eram a caça, pesca e a construção, entre outras coisas. Produção agrícola era coisa de mulher. Este fato irá sofrer grande modificação nas Américas, tendo em vista que a maioria dos habitantes dos mocambos era de homens.[4] Uma das explicações para esta maioria masculina nos quilombos pode ser entendida levando-se em conta a maior entrada de homens no mercado escravocrata, e das naturais dificuldades inerentes as fugas.
Gorender relata ainda que no mercado africano de pessoas, as mulheres tinham um preço superior ao dos homens, e que também o tipo de serviço a ser executado nas Américas- produção em lavouras extenuantes como as de açúcar- levava os compradores a darem preferência ao sexo masculino.  Devido a isto, havia uma predominância de homens nas fugas e quilombos. No sul dos Estados Unidos, pelo menos 80% dos debandados eram homens entre dezoito e trinta e cinco anos.[5] Este domínio masculino não foi impedimento ás práticas horticultoras.[6] Para sobreviverem a estas novas condições estes homens tiveram de se readaptar tanto no que diz respeito ao aspecto cultural, quanto ao geoecológico das terras brasileiras a serem desbravadas. As poucas mulheres presentes nos mocambos ensinaram a maioria de homens a desenvolver as técnicas de plantio e colheita agrícola.
 Tendo em vista a afirmativa de Maestri e Fiabani a respeito da importância da produção quilombola, podemos deduzir que os mesmos obtiveram relativo sucesso nesta empreitada. Para se entender melhor este processo, a que se levar em conta a conjuntura dos mercados internos e externos do período. No final do século XVIII, a colônia se encontra em momento de crescimento econômico devido ao aumento de sua produção agroexportadora. Schwartz afirma que no

Brasil, este foi um período de considerável crescimento urbano, economia de exportação em expansão e aumento na importação de escravos, bem como crescimento geral da população. Todos estes fatores contribuíram para o crescimento de um mercado interno de gêneros alimentícios e criaram as circunstâncias certas para o acesso ao mercado especialmente atraente para os escravos. A expansão da agricultura de subsistência foi notável nesse período em muitas regiões do Brasil.[7]


            Escravos e quilombolas souberam se aproveitar das oportunidades do sistema e do crescimento econômico do período. Estes passam a obter acesso a terra, não apenas a partir das fugas que empreenderam, mas também a partir da cessão de lotes feito por seus senhores. “É quase certo que a existência do direito dos escravos á propriedade e certo grau de autonomia resultassem de uma série constante e mutável de acordos e negociações, que variavam de uma região para outra. [8] A cessão de lotes por parte do senhor a determinados escravos acaba sendo um ótimo negócio para ambos, tendo em vista que por parte do senhor, esta concessão poderia lhe resolver certos problemas, que Silva argumenta da seguinte forma:

Teoricamente, como instrumento de produção, propriedade do senhor, o escravo não poderia ter uma economia própria, já que, ele mesmo, não se pertencia. Entretanto, na prática, o escravismo colonial, por toda parte admitiu certa margem de economia própria para uma parcela dos cativos. Ao ceder um pedaço de terra e a folga semanal para trabalhá-la, o senhor aumentava a quantidade de gêneros disponíveis para alimentar a escravaria numerosa, ao mesmo tempo em que fornecia uma válvula de escape para as pressões resultantes da escravidão.[9]



A partir da exposição de Silva podemos concluir que o sistema escravista brasileiro admitiu certa margem ao escravo tornando possível que o mesmo conseguisse trabalhar em seus dias de folga em proveito próprio. Esta possível conquista era fruto de um constante jogo de negociações travadas entre senhor e escravo, que poderia ser benéfica para ambos os lados.




[1]  Stuart Schwartz em “Escravos roceiros e rebeldes” no capítulo 2 apresenta um documento emitido por escravos no interior da Bahia no ano de 1789. No documento podemos ver o posicionamento dos insurgentes com relação a várias questões de seu cotidiano, e também trechos em que os mesmos se diferenciam dos africanos. Este mesmo documento se encontra em anexo no fim deste texto.  A revolta dos Malês também é outro acontecimento em que podemos ver a separação entre estes dois grupos. Ver: Negociação e conflito, p.99-122.
[2] LIMA, Lana Lage da Gama. Op.cit.p19.
[3] MAESTRI, Mário. FIABANI, Ademir. O mato, a roça e a enxada: a horticultura quilombola no Brasil escravista (séculos XVI-XIX). In: MOTTA, Márcia. ZARTH, Paulo. Formas de resistência camponesa: visibilidade e diversidade de conflitos ao longo da história. Concepções de justiça e resistência nos brasis. Rio de Janeiro: UNESP, 2008, p.64-65.
[4] Idem, p.71-72.
[5] SILVA, Eduardo, REIS, João José. Op.cit. p.75.
[6] MAESTRI, Mário, FIABANI, Ademir. Op.cit. p.72.
[7] SCHWARTZ, Stuart. Op.cit.p.115.
[8] Idem, p.105.
[9] SILVA, Eduardo. Barões e escravidão. Três gerações de fazendeiros e a crise da estrutura escravista. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.p.157.

2 comentários:

  1. Excelente artigo sobre a influência africana no Brasil.
    Meu filho usou como base para um trabalho escolar.
    aprenda tudo sobre energia solar

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