terça-feira, 17 de dezembro de 2013

O Capital (Le Capital)



 Este filme de produção Francesa mostra como as grandes empresas fazem para aumentar seu capital. Para quem não tem muito tempo para ler sobre o assunto, o mesmo expõe de maneira clara e simples o pensamento dos capitalistas, onde o que mais importa é o lucro. Sem se incomodar nem um pouco com o que irá acontecer com a grande maioria da humanidade, as detentoras do capital só pensam em como fazer para aumentarem os seus ganhos.
      Com a prática do Robin Wood ao contrário, o capitalismo não se importa de tirar dos pobres para dar aos ricos.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

MORTE: A ÚNICA CERTEZA DA VIDA



Sobre a morte...






Não é feio o nosso jazigo; podia ser um pouco mais simples, - a inscrição e uma cruz, - mas o que está é bem feito. Achei-o novo demais, isso sim. Rita fá-lo lavar todos os meses, e isto impede que envelheça. Ora, eu creio que um velho túmulo dá melhor impressão do ofício, se tem as negruras do tempo, que tudo consome. O contrário parece sempre de véspera [...] a impressão que me dava o tal do cemitério é a que me deram sempre outros; tudo ali estava parado.”


O texto acima é um trecho do livro “Memorial de Aires” de Machado de Assis. São reflexões a respeito da morte, e que também não deixam de ser a respeito da vida. Mostra certo cuidado com o lugar dos mortos por parte dos vivos. Afinal, um dia será necessário que de nós alguém cuide. Com o passar dos tempos, em alguns lugares este cuidado com os mortos e com os antepassados acaba sendo deixado de lado, e aqueles outrora queridos, passam para as novas gerações como seres totalmente desconhecidos. São as gerações de antepassados que nem imaginamos ter “existido”. Mas eles se encontram lá, em algum cemitério ainda utilizado ou em desuso. E aqui em minha região há alguns que se encontram totalmente abandonados, e os seus “habitantes” há tempos que não sabem o que é receber a visita de seus entes queridos. 


 Cemitérios nem sempre foram considerados lugares sagrados. Na época do surgimento dos primeiros cemitérios, eles foram alvo de raiva e protestos. Muitos deles foram destruídos. Eles vinham para dificultar nosso acesso aos céus. Após a morte tínhamos de estar próximos de deus. Tínhamos de estar dentro de uma igreja.

 A morte sempre permeou o imaginário humano. É uma de nossas maiores indagações. A partir da disseminação do cristianismo e mais posteriormente com as novas “cruzadas” rumo a América para catequizar os povos indígenas, a fundação dos pequenos povoados e das vilas era na maioria dos casos sempre antecedida pela fundação de igrejas. Tratava-se de uma precaução com relação à morte. Morrer em um lugar distante e sem um padre para ouvir seu pedido de perdão no momento derradeiro e sem ter um lugar sagrado para ser sepultado, era algo que se encontrava fora de cogitação. E a proximidade do templo era algo que faria diferença, ao menos no imaginário da época. Quanto mais próximo da igreja, e se possível do altar, mais perto de Deus a pessoa se encontraria. Nas palavras do Historiador Gastão Cruls, “até então para os mortos de categoria havia sempre uma catacumba no claustro dos conventos ou uma campa no chão dos templos”. Era assim que eram feitos os sepultamentos. Dentro das naves da igreja. Ali mesmo, sob o piso. E o mau cheiro era insuportável e visto pelos defensores dos sepultamentos nas igrejas como uma prova de devoção (dos vivos por aguentar o mau cheiro nas missas!). De acordo com o Historiador Júlio Cesar Medeiros da Silva Pereira “os primeiros cristãos tinham o cos­tume de sepultar os seus mortos com ritos próprios e em lugares separados, aos quais chamavam de coemeterium (palavra latina derivada do grego koimètérium, forjada a partir do termo Koimâo, que tem por significado “eu faço dormir”). Nesses espaços, com o intuito de fugir da perseguição vigen­te, os cristãos se reuniam para celebrar o seu culto. Mais tarde, a construção de igrejas se daria ao lado das criptas e catacumbas e, a partir do século IV, primeiramente os reis e, mais tarde, todos os comuns, passariam a ser sepultados dentro das igrejas “.

Sepultamentos dentro de igrejas foram comuns até o século XIX em nosso país. Em visita que fiz a cidade de Ouro Preto, Foi possível visualizar várias indicações de pessoas sepultadas desta forma, no interior do templo, bem debaixo de nossos pés, sob os bancos de madeira ali posicionados. No passado não era costume haver bancos nas missas.  Encontrei em uma delas inclusive a inscrição a respeito do sepultamento de Francisco de Assis Lisboa, o Aleijadinho, grande escultor do período Barroco no Brasil, autor de várias obras de artes que se encontram nas cidades mineiras de Ouro Preto e Congonhas do Campo.

O sepultamento em igrejas começou a declinar a partir de 1825 quando os ventos da Europa e novas concepções de higiene passam a ser divulgadas. Há uma carta régia de 1801 do governo imperial que determina a proibição. De acordo com Felipe Bernardi Silveira, professor da UEMG, “as coisas estavam mudando na primeira metade do século XIX. A chegada da família real em 1808 certamente desencadeou uma série de alterações na rotina e nos costumes dos súditos”.[1] E entre estas mudanças estavam as que falavam de questões relacionadas à saúde pública. Médicos não viam com bons olhos missas que ocorriam sobre os sepultados. Ainda segundo Silveira, as teorias médicas da época apontavam para a presença de “gases nocivos no ar que se respirava, produzidos por matéria animal ou vegetal em decomposição”. Os relatos sobre o mau cheiro e sobre acontecimentos devido ao acúmulo de gases dentro dos templos acabaram por produzir histórias que hoje, poderíamos dizer, no mínimo curiosas. O Pesquisador Fabiano Vilaça relata um caso em que uma catacumba explodiu dentro de uma igreja “lançando os restos do cadáver que continha para o quintal das casas próximas”.[2]

Um excelente trabalho sobre a morte e seus rituais é o livro “A morte é uma festa” de João José Reis que discute em detalhes o acontecimento que ficou conhecido como “a cemiterada”, ocorrido em 25 de outubro de 1836 na Bahia. O fato se relacionava a mesma questão da proibição dos sepultamentos dentro das igrejas e do surgimento dos primeiros cemitérios que deixavam de estar nas mãos da igreja para agora ser assumido por particulares. Reis nos relata que a revolta começou com um chamado dos líderes religiosos locais. Centenas de pessoas marcharam para a praça do terreiro em Salvador depois de terem sido acordadas por inúmeras badaladas dos sinos das igrejas locais. De lá se deslocaram para a Câmara Municipal com o intuito de impedir que os mortos se distanciassem das igrejas. Revoltas como esta ocorreram em vários lugares e não apenas no Brasil. A forma como o corpo passou a ser tratado foi objeto de muitas revoltas. E não foram apenas as questões relacionadas ao local do sepultamento, mas também ao uso do cadáver.  José Reis afirma que “a partir do século XVIII, tornou-se comum o confisco pelo Estado, ou a usurpação ilegal por particulares dos cadáveres dos criminosos executados. Os cadáveres eram vendidos ou cedidos para uso de estudantes e professores de anatomia”.[3]

A questão é que os novos ventos da modernidade, dos ideais iluministas e da ética capitalista vinham produzindo mudanças que feriam muitos conceitos há tempos enraizados. A Ciência avançava e necessitava fazer experimentos. Um Caso misto de bizarrice com curiosidade foi o da revolta provocada após a morte de um menino na cidade de Manchester na Inglaterra no início do século XIX. Ocorreu que após a morte do menino os pais foram buscar o corpo no hospital. Chegando lá receberam um corpo que não possuía a cabeça. Foi colocado em seu lugar um tijolo! Resultado: revolta e a enfermaria totalmente destruída. A polícia encontrou posteriormente a cabeça no quarto do farmacêutico do hospital e devolveu a família que finalmente pode enterrar o menino da melhor forma possível. Corpos continuaram a ser enterrados em igrejas por pelo menos mais uns 30 anos em partes do país. A resistência foi grande, mas vencida com o tempo. O corpo, a igreja, deus, e o próprio homem passariam a ser vistos de forma diferente a partir deste século. Um século de profundas transformações sociais.  Foi de fato um século revolucionário.

 Enfim, há inúmeras questões que podem ser abordadas com relação à morte. Desde como proceder com aqueles que já se foram, com seus restos, até a gastar para que “fiquem bem” lá do outro lado. Tudo depende de como você o mundo ao seu redor. Mas isto já é uma outra história...










[1] Santo mau cheiro. Felipe Augusto de Bernardi Silveira. Revista de História da Biblioteca Nacional. Janeiro de 2011, p.44-45.


[2] Idem, p.47.


[3] Reis, João José. A morte é uma festa. SÃO Paulo, Companhia das Letras, 1991, p.83.

quarta-feira, 21 de agosto de 2013


EU E O PROFESSOR ALEX PROCURANDO RESGATAR UM POUCO DE NOSSA HISTÓRIA ATRAVÉS DOS CEMITÉRIOS ABANDONADOS.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

A PRIMEIRA CRUZADA



         Quando pensamos nas cruzadas, o que vem ao nosso pensamento de imediato é a chamada guerra santa, porém existiram outros fatores para a culminação deste evento que foi um dos mais sangrentos da época medieval. Por outro lado não podemos jamais desprezar o fator religioso empregado para encorajar os guerreiros que lutaram pela suposta defesa da cruz de cristo.
            Com o enfraquecimento do império romano, os árabes acabaram ganhando terreno e rapidamente ocuparam grande parte do oriente, conquistando desde a Pérsia, Síria, Palestina e a cidade a qual foi usada para fundamentar a guerra: Jerusalém. Sendo esta o símbolo religioso, Jerusalém foi usada como motivo da guerra, pois era a marca da fé para ambos os lados, judeus, muçulmanos e cristãos tinham seus argumentos fundamentalistas para justificar a posse da mesma. Sendo terra do rei Salomão, Maomé ou de Jesus cristo, fato é que depois de um longo período pertencendo aos cristãos, no século XII estava sob domínio dos Islâmicos que assumira ainda no século VII, tendo Maomé como figura principal nesta tomada, sendo este profeta responsável pela unificação religiosa do povo árabe. Inicialmente, este Maomé teve dificuldade em professar sua fé na cidade de Meca, pois os senhores preferiram não arriscar seus domínios para um pregador da justiça e da moral e acabaram por expulsá-lo da cidade. Vendo-se em apuros Maomé marchou em direção a Medina com alguns seguidores, lá conseguiu prosperar com o islamismo e mais tarde montou um exercito voltando a Meca para a tomada da cidade. Este foi um acontecimento importante para o crescimento do islamismo e suas conquistas, incluindo Jerusalém.
Sendo o mediterrâneo dominado pelos muçulmanos e a cada ano avançando em direção a Roma, preocupando tanto o imperador oriental, assim como o ocidental, pois além de estarem perdendo terras também corriam o risco de perder fiéis, já que onde os árabes ocupavam era cobrado um imposto maior para quem fosse cristão o que indiretamente forçaria a uma conversão para sobrevivência dos mesmos. Estava aí o argumento para a recuperação de Jerusalém como nos mostra este fragmento do discurso de Urbano: “Empreendei o caminho do santo sepulcro, arrancai aquela terra àquele povo celerado e submetei-la a vós: ela foi dada por deus em propriedade aos filhos de Israel; como diz a escritura.”  
Durante quase um século Jerusalém foi disputada a ferro e fogo pelos cristãos e muçulmanos, embora este evento tenha durado em torno de dois séculos, envolvendo oito cruzadas ao todo, porém foram nos primeiros períodos os acontecimentos mais relevantes. Desde mortes, traições e um período de falta de alimentos, fazendo com que guerreiros se alimentassem do sangue dos próprios cavalos que os carregavam. Tratarei aqui sobre a primeira das cruzadas, iniciada em 1096 até 1099 e teve como principal fomentador o papa Urbano II. Sendo este nomeado em 1088, tinha como meta colocar a igreja novamente no senário politico, já que esta estava renegada ao segundo plano pelos governantes, Urbano aproveitou da necessidade de apoio do seu co-irmão e ao mesmo tempo rival Aleixo I chefe da igreja oriental e imperador Bizantino, que ao ver a necessidade de defender seu território contra as investidas dos árabes pediu ajuda ao chefe da igreja ocidental, o papa ocidental viu no pedido uma oportunidade de expressar sua força e mostrar que a igreja continuava forte, aumentando assim seus poderes políticos.
Tendo como argumento o assolamento dos não cristãos, já que as cruzadas na visão de Hilário Franco jr eram expedições militares empreendidas contra os inimigos da cristandade e por isso legitimadas pela igreja, que consedia aos seus participantes privilégios espirituais e materiais. Então qualquer investida contra quem não era cristão poderia ser considerada uma cruzada, embora tenham acontecidos assassinatos de cristãos das cidades dominadas. Motivos eram criados quando se via a possibilidade de ter vantagem e eliminar o concorrente, desde que fosse para melhorar sua pobre vida, sendo ele irmão em cristo ou não. Fica claro que não se tratava apenas da defesa da religião, mas também a oportunidade de se apossar de bens alheios e com a permissão do papa, o que era de fundamental importância para da legalidade as incursões.
Numa época em que a religião era muito forte, fazer parte da cruzada era se sentir parte da igreja, pois o papa no concilio de clermont em novembro de 1095 fez um forte discurso em defesa da empreitada, dizendo que quem se voluntariasse estaria contribuindo para a defesa da religião e ao mesmo tempo sendo perdoados de seus pecados, pois quem viesse a morrer pelo caminho teria o perdão divino, assim como matar infiéis também seria permitido por Deus, o que obviamente era de atração sublime, além disso, tinha a oportunidade de conquistar uma terra que jorrava leite e mel conforme este fragmento de Hilário Franco Jr: “A terra que habitam é estreita e miserável, mas no território sagrado do oriente há extensões de onde jorram mel e leite (...)” Neste fragmento o fator terra sobrepõe a religião, o que nos indica o interesse dos cruzados na conquista de terras para sobreviver.
Vendo na guerra santa uma oportunidade de conquista, os cruzados empenharam seus próprios recursos, além de contar com a ajuda da igreja que era a principal interessada, muitos foram os voluntários, porém não se sabe ao certo quantos, segundo Hilário não passavam de dez mil, embora haja quem diga que na primeira cruzada o imperador Aleixo acordou com sessenta mil homens em seu portão, o que o deixou assustado e impedindo que os entrasse na cidade sem antes conversar com o responsável pela tropa, exigindo-lhes fidelidade e a promessa que as primeiras terras conquistadas seriam de bizâncio.
Esta cruzada foi composta pela nobreza e supervisionada pelo papa, porém mesmo tendo um representante papal para comandar a tropa, os exércitos eram autônomos, pertencendo a senhores feudais Franceses, Alemães e Italianos, cada um com seu representante, sendo responsável pelos franceses, Hugo de Vermandois e Raimundo de Saint-Gilles, pelos Alemães o Duque Godfredo de Bulhão e seu irmão Balduino e pelos Italianos Boemundo. Sendo de regiões diferentes e pertencendo a senhores distintos, fica difícil acreditar que chegaram todos ao mesmo tempo em Constantinopla, o que joga por terra a teoria do acontecido nos portões da cidade mencionado anteriormente, porém o acordo é verdadeiro, tanto que Raimundo não concorda com a proposta de Aleixo e quase cria um problema para avançar rumo ao objetivo.
Com os acordos firmados era hora de por em pratica o combinado, só que para chegar a Jerusalém teria que passar em cidades pelo caminho e por que não conquistá-las também. A primeira cidade é Nicéia, de importante localização estratégica por ser próxima de Constantinopla, porém depois do eficiente trabalho dos militares, Aleixo faz um acordo com os turcos que acaba entregando a cidade ao chefe Bizantino com a promessa que pouparia as vidas ali existentes, isto não foi bem visto pelos guerreiros, afinal estavam ali para ganhar a luta e obter vantagens financeiras na forma de saques, para eles existiu uma traição, mesmo assim a luta continuou.
Com Nicéia dominada era a vez da Síria a qual foi bem mais difícil, devido as suas dificuldades geográficas, aprisionamentos, desentendimentos entre os próprios cruzados e a resistência dos árabes que apresentaram uma grande força militar, todavia o sucesso foi alcançado e após a conquista de cidades que inclusive não foram entregues ao chefe bizantino conforme o combinado chegou à vez de Antioquia, a qual tinha suma importância comercial e também ponto estratégico para chegar ao principal objetivo. Em 1098 os cruzados ocupam Antioquia depois de sete meses de cerco e graças a astucia de Boemundo, que contando com a traição de um cristão armênio morador daquela cidade, facilitou a transposição das muralhas pelos cruzados, porém ao penetrarem à cidade, os ocidentais se viram sitiados após a chegada de um exercito turco que chegara para socorrer seus irmãos, sentindo que a situação estava desfavorável, pois estava havendo muitas baixas e a fome já assolavam o exercito, um camponês teve a solução para levantar o moral do pessoal, disse que teria sonhado que havia ali a lança que ferira cristo, e que se a achassem a guerra seria ganha. A tal lança com certeza foi encontrada no local indicado pelo tal sujeito e a fé dos guerreiros foi renovada, agora tinham a certeza que Deus estava do lado deles e conseguiram a vitória mesmo em desvantagem e em campo aberto. Estava cumprida uma das mais importantes missões para chegar ao ápice das conquistas, agora só faltava a principal e mais importante de todas que era Jerusalém.
Após muitas lutas e as tais ações isoladas dos chefes cruzados procurando conquistas em que pudessem ter benefícios próprios, como por exemplo, a tramoia de Balbuino seguindo caminho diferente do objetivo principal. Após derrotarem o exército muçulmano em Doriléia, este chefe junta seu pessoal e segue em direção a Basiléia aliando-se a seu governante, que sendo cristão pensou que ao invés de lutar seria melhor contar com a proteção deste militar e proteger seu povo dos ataques turcos. Porém Balduino só faz o acordo depois de se tornar herdeiro do rei. Com a morte deste soberano, inclusive em situação suspeita, Balduino torna-se o monarca desta cidade e cria o condado de Edessa em 1098. Outro caso em que a cidade foi devastada foi Ma`arrat Al-Numan, onde a atrocidade foi tamanha que até crianças chegaram a ser comida assada, sendo colocadas em espetos como se frango fosse. Finalmente em julho de 1099 o objetivo principal estava confirmado, os cruzados penetram em Jerusalém depois de muita dificuldade e talvez a mais sangrenta de todas até aqui, pois a perseguição foi de tamanha crueldade que andava em poças de sangue até o tornozelo e muçulmanos retiravam seus mortos do templo de Salomão e faziam montes tão altos como casas.

Com isso estava cumprida a missão, a cidade agora pertencera a Jesus, e não mais a Maomé, pelo menos para os cristãos que voltaram a dominar aquelas importantes terras, entretanto o seu essencial articulador não vira a vitória, Urbano falece antes do triunfo final, Don Godofredo assume a administração, mas no ano seguinte também perece deixando o governo nas mãos de seu irmão Balduino, este terá a incumbência de defender a cidade dos contra-ataques muçulmanos, mas isto é outra história que terá ênfase na segunda cruzada.  

segunda-feira, 27 de maio de 2013

A lenda de Santana...


Quem é nascido em Macaé ou vive aqui há muitos anos já deve ter ouvido falar da lenda de Santana, a santa que por diversas vezes teria fugido da Capela que fica no alto do morro de mesmo nome para a ilha também conhecida com o nome da santa. Vários Historiadores locais e memorialistas já a descreveram e são fontes preciosas para que “histórias” como esta não se perca no passado. É interessante notar as mudanças que ocorrem ao longo do tempo, o que é acrescido e o que é perdido devido às falhas e a seleção da memória. Como os “fatos” tomam tantas dimensões com o passar dos anos.

Antonio Alvarez Parada, conhecido e reverenciado professor da cidade, autor de vários livros sobre a memória e a História do município está entre os ilustres nomes que não deixam o passado da cidade morrer. Para aqueles que chegam todos os dias a cidade de Macaé, cidade esta que hoje tem sua identidade atrelada à exploração do petróleo, o passado local não lhes é apresentado de nenhuma forma. Infelizmente não temos mais, ou temos poucos “Tonitos e Armandos” para preservar nossa memória. Há excelentes Historiadores locais como minha querida Mestra Conceição Franco, o Professor Marcelo Abreu, e a Historiadora Ana Lúcia Nunes entre outros, mas falta um pouco de difusão de seus trabalhos na mídia local para que pudéssemos nos deliciar com esse passado que poucos têm o prazer de conhecer.  Mas vamos nos ater à história da santa Ana, a santa “fujona” de Macaé.

De acordo com Alvarez Parada, um antigo vigário de Macaé, o padre Jameau, seria um dos responsáveis por romancear ainda mais a lenda de Santana, introduzindo detalhes curiosos e que nas palavras de Tonito, “vale a pena relembrar”. No livro “Histórias curtas e antigas de Macaé” Alvarez Parada nos relata que Jameau descreve a “existência da galeria ou túnel que ligaria certo ponto, ás margens do rio Macaé ao cimo do morro de Santana, mais precisamente a um alçapão atrás do altar mor da igrejinha.” (PARADA, p.67-68).  Este seria o caminho pelo qual a santa “fugiria” das dependências da igreja para ir de volta à ilha que leva seu nome, local onde a santa teria sido encontrada por pescadores.  Em seus escritos o referido padre dá “detalhes” curiosos do túnel de ligação encontrado por ele e por um indígena local que o acompanhava.

“Caminhou pouco tempo, parando afinal ele em frente de uma espécie de furna habilmente dissimulada (...) e foi avançando, avançando cautelosamente, até uma galeria cuja altura podia ser de oito palmos de largura. Essa galeria seguia da encosta para o maciço no morro em linha oblíqua, abobadada de tijolos, chegando em um amplo salão sombrio, o índio parou, tateou a parede e achando imperceptível botão, apertou. Instantaneamente uma porta abriu-se, deixando aparecer um quarto de oito palmos quadrados, de paredes ornadas de azulejos...”(PARADA, p.68)

A descrição do padre me faz lembrar aqueles filmes de Indiana Jones em que paredes se moviam, alçapões se abriam e pilastras desabavam ao leve toque de “pedras detonadoras” disfarçadas inofensivamente na parede. Mas as “descobertas” do padre Jameau não terminam por ai, há mais detalhes interessantes que mexem com a nossa imaginação. Continuando com o relato, ele nos diz que “no fundo, rico altar cujo trono achava-se munido de pesados castiçais de prata maciça e em cima a imagem de santo Inácio de Loyola do mesmo metal”. (op.cit.p.68) Para quem não sabe, Inácio de Loiola foi o fundador da ordem dos jesuítas, ordem esta que teria se instalado em Macaé e fundado a igreja de Santana por volta de 1630 e por aqui permanecido até 1858, ano em que por problemas com moradores locais e com outro padre, Vaz Pereira, de Nossa Senhora das Neves, foram mandados de volta a Portugal e substituídos por outros padres, agora não jesuítas. No ano seguinte são expulsos definitivamente do país por ordem do Marques de Pombal. É interessante notar que no inventário da igreja realizado após a expulsão dos jesuítas, não foi encontrado nenhuma imagem de Inácio de Loiola. Segundo Márcia Amantino era comum encontrar a imagem daquele que fora o fundador da ordem jesuíta em igrejas dirigidas pelos mesmos. (AMANTINO, 2011, p.53).    

Armando Borges, outro memorialista local nos relata com alguns outros detalhes essa instigante lenda. Talvez comece a ficar um pouco mais claro essa nossa História. Baseado no relato do mesmo, o que ocorria na localidade era um entrevero por conta do local de construção da igreja de Santana. Borges explica que

“No século XIX existia em Macaé uma colônia de pescadores que devido à fragilidade de suas embarcações e o rudimentar sistema de pesca, não iam além da ilha do francês, e sonhavam fazer lá uma colônia de pesca com colegas, os quais estavam de pleno acordo; mas para tanto, precisavam de força superior para protegê-los. Todos devotos de Santana, lançaram a ideia entre eles de construírem na ilha, a igreja que os padres jesuítas haviam planejado construir no morro. Mas para isso seria necessário que a santa se “manifestasse” favoravelmente e os padres se convencessem de que a santa preferia a ilha”. (BORGES, 2005, p.114).

 

A partir deste desejo de se construir a capela na ilha, e da necessidade da “manifestação” da santa em favor disto, ela começa a partir daí a “fugir” e aparecer justamente na ilha do francês. Este fato teria ocorrido pelo menos duas vezes vindo a ser “encontrada” por pescadores na referida ilha e sendo entregue aos jesuítas. Parecia estar claro que a santa estava de acordo e queria de fato ir morar na ilha para proteger os pescadores. A santa gostava da ilha, fugia para lá por saudade e tristeza. Mas para o padre Jameau as explicações das sucessivas fugas se deviam por outro motivo. Ocorriam por conta do “mau comportamento do povo, que de uma feita, após receber a imagem com hinos religiosos, fechou a igrejinha e entregou-se a festejos populares de moralidade não muito elevada.” (PARADA, op.cit, p.74). Ainda de acordo com Jameau, a santa só teria deixado de fugir depois que outro padre campista veio à cidade para uma cerimônia religiosa para que Santana parasse com suas fugas. Já Borges nos diz que as fugas deixaram de ocorrer quando os jesuítas fizeram um acordo com os pescadores batizando a ilha do Francês com o nome da santa, e francês passou-se chamar a ilha que fica a esquerda da agora denominada ilha de Santana. Outro ponto com relação a construção da igreja no morro de Santana é o que diz respeito ao posicionamento da frente da igreja. A lenda diz que a primeira capela ficaria de frente para o mar, e de tanto olhar para as ilhas, e se entristecer de saudades a santa acabaria fugindo para lá. A nova capela teria sido construída de frente para a região serrana, ou seja, de costas para o mar para que a santa não visse as ilhas. Segundo a Historiadora Conceição Franco, o posicionamento da Igreja de costas para o mar, não se deve a questão da santa, e sim ao grande desenvolvimento econômico da região de Nossa Senhora das Neves, região serrana do município e grande celeiro produtor de alimentos que abasteciam a cidade do Rio de Janeiro e que no final do século XVIII possuía um grande desenvolvimento econômico com inúmeras fazendas, grandes proprietários chegando a ter uma população superior a da região do litoral de Macaé.

 Santana para quem não sabe, foi avó de Jesus cristo, e segundo o Historiador Anderson de Oliveira, a segunda santa mais cultuada no Brasil colonial. Era conhecida como a protetora das famílias, como mestra e guia e seu culto associou-se a educação como forma de resistência as heresias. (OLIVEIRA, 2011, p.109). Interessante notar que mesmo tendo Santana como principal santa protetora e tendo a maioria dos devotos da localidade, no momento de criação da Vila de Macaé, invocou-se outro “santo”, desta vez o de nome João, que em princípio nada teria haver com a região. Seria uma homenagem ao príncipe regente D.João VI. Este fato de dar nomes de santos a cidades para homenagear nobres e políticos não era incomum e ocorreu muito no Brasil. Para citar outros dois exemplos a Cidade de São Salvador dos Campos dos Goitacases, ou Campos, como nos referimos comumente. O são Salvador de Campos não é o cristo, mas sim Salvador Correia de Sá, antigo Governador do Rio de Janeiro e que doou terras naquela região para seus filhos, os Assecas. A cidade vizinha de São João da Barra é outra cidade que tem seu nome definido da mesma forma. O João de lá, não é o mesmo de Macaé (apesar de o santo ter de ser), mas sim João de Sá, filho de Salvador Correia de Sá.

Fontes:

Márcia Amantino – Claudia Rodrigues – Carlos Engemann – Jonis Freire (organizadores). Povoamento, catolicismo e escravidão na antiga Macaé. Rio de Janeiro, 2011, Apicuri.

Antonio Alvarez Parada. Histórias curtas e antigas de Macaé. Rio de Janeiro: Artes Gráficas, 1995.

Armando Borges. Histórias e lendas de Macaé. Itaperuna, Damadá artes Gráficas, 2005.