terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Um passeio pela terra dos Inconfidentes


Estive recentemente no Estado de Minas Gerais, mais especificamente nas cidades de Ouro Branco, Mariana e principalmente Ouro Preto, a antiga Vila Rica da Inconfidência Mineira.  Trata-se de uma excelente viagem percorrendo caminhos marcantes de nossa História. Um encontro com o Brasil em seus períodos de colônia e Império. A oportunidade de se respirar muitos momentos interessantes de nosso passado. Deparar-se com vários vestígios de nossa história e maravilhar-se com boas conversas com autênticos mineiros contadores de “causos”.


A cidade de Ouro Preto é belíssima. Parece congelada no tempo. Trata-se de verdadeira viagem ao passado (isso com pouco esforço, conhecimento, estudo e muita paixão pela História). É possível “estar presente” em acontecimentos, Imaginar as tramas, os encontros dos chamados revolucionários, os sonhos e tudo o que deve e deveria ter ocorrido se tudo tivesse dado certo. Conhecer um pouco das desventuras do ciclo do ouro. A incrível onda migratória de brancos, negros escravizados e indígenas atrás do eldorado mineiro, sonho de longa data dos colonizadores europeus.
Sobre isto, a Historiadora da Unicamp Adriana Romeiro nos diz que “a corrida do ouro entre o final do século XVII e início do XVIII, foi talvez a maior migração de homens brancos e livres na América portuguesa ao longo de todo o período colonial.” Ainda hoje é possível conhecer um pouco deste circuito. Visitar os túneis que percorrem o subterrâneo da cidade de Ouro Preto, as antigas minas que produziram toneladas e deram ao Brasil, a Portugal e principalmente a Inglaterra combustível para muitos de seus projetos como guerras, desenvolvimento, fortunas e subsídios à revolução industrial inglesa do século XVIII.
Este ouro que fez a riqueza de comerciantes e o sofrimento de muitos escravizados provocou fome e conflitos como a “Guerra dos Emboabas”.  Ocorrida entre os anos de 1707 e 1709, este conflito remontava ainda as primeiras descobertas de pedras preciosas no Estado Mineiro. Adriana Romeiro revela que “os paulistas alegavam a sua condição de descobridores para pleitear um tratamento especial, reivindicando para si o monopólio das terras de sesmarias e dos cargos e postos administrativos.” A descoberta deste metal precioso fez com que muitas pessoas de diferentes partes do Império português se dirigissem as minas. A coroa foi obrigada a intensificar a vigilância visando auferir lucros e não deixar que a região se tornasse uma terra sem lei e foco de conflitos intermináveis. Seus “tentáculos” agora passam a se estender a essas localidades e isso desagrada muitos poderosos que já estavam no local. Pronto, Estava montado o cenário para o conflito.
Questão curiosa a respeito desta Guerra é o que nos conta Lorenzo Aldé, Pesquisador da revista de História da Biblioteca Nacional em artigo intitulado “A guerra da memória”. Aldé relata que há na região de São João Del Rey uma placa que foi inaugurada no ano de 1990 valorizando um acontecimento que ficou conhecido como “Capão da Traição”. Este acontecimento teria sido determinante para o fim do conflito. Aldé nos diz que um grupo de 200 paulistas acreditou numa falsa proposta dos emboabas e teria sido massacrado em uma região que passou a ser conhecida como Capão da traição. O curioso é que provavelmente isto não teria acontecido ali, naquela cidade, e sim na cidade de Xavier Chaves, que fica a dez quilômetros de distância.


E falando em Xavier Chaves, li que há nesta cidade um alambique que teria pertencido a um irmão de Tiradentes e que ainda se encontraria nas mãos da família produzindo cachaça da boa. Esta cidade e principalmente o alambique vão ficar para a próxima visita.  
Toda esta riqueza projetou pompa e luxuosidade nas Minas Gerais.  Construiu igrejas majestosas e lendas como a do famoso Chico Rei, o escravo que teria se tornado dono de uma mina e enriquecido, construindo uma igreja em um dos morros da cidade em agradecimento aos céus pelas riquezas alcançadas. Interessante também é ir a Rua São José, onde ficava a casa do Alferes e que foi demolida por ordem da Rainha Dona Maria de Portugal junto da sentença de sua condenação e morte.  Hoje há um sobrado com referências ao ilustre ex-morador.
Conhecer a história da casa de Bernardo Guimarães, o escritor mineiro autor de A escrava Isaura, que por acaso é um romance que se passa aqui em nossa região, exatamente no município de Campos dos Goytacazes. Há uma lenda que diz que a cabeça de Tiradentes estaria enterrada nesta residência. Aliás, a respeito deste caso o que ocorreu foi o seguinte. Após ser enforcado e esquartejado na cidade do Rio de Janeiro, as partes do corpo de Tiradentes deveriam ser colocadas em trechos da estrada que ligava Minas ao Rio, nos principais lugares em que ele teria pregado contra a monarquia e em favor da República de Minas. Sua cabeça deveria ser colocada na praça principal de Vila Rica, dentro de uma gaiola, e permanecer ali até que o tempo a consumisse por inteiro. Acontece que em certa noite, poucos dias após a sua colocação, ou logo no dia seguinte, a cabeça desaparece e ninguém sabe até hoje onde ela foi parar. Várias teorias surgiram, mas todas sem nenhuma comprovação.
Entre estas teorias, uma que deve ser a mais conhecida é a que faz referência a um padre conhecido como Gatto. Este padre teria sido o suposto autor do roubo da cabeça, e que teria levado ela para uma casa e enterrado em sua copa ou mesmo no quintal. Esta casa pertenceu a Bernardo Guimarães e ninguém sabe ao certo se a cabeça está lá ou se em outro lugar. Quem roubou teria de manter segredo para resguardar sua vida. Certamente o governador da capitania não perdoaria tal autor. Este com certeza seria acusado de simpatizante ou até membro da infame conjuração. A casa é visitada por conta das histórias que são contadas a seu respeito. No ar sempre fica a pergunta: será?


Outro caso interessante remete ao famoso escultor Francisco Antonio Lisboa, o Aleijadinho, autor de inúmeras esculturas que enfeitam museus e igrejas de Ouro Preto e de cidades vizinhas e conhecido como o grande mestre do Barroco brasileiro. Na cidade de Congonhas do Campo há um conjunto de esculturas conhecidas como “os doze profetas”. Estes seriam profetas bíblicos retratados pelo escultor. Há uma pesquisa em andamento de Isolde Hans Venturelli da universidade de Campinas que discute quem seriam de fato estes profetas. Segundo a mesma, as estátuas representariam não os profetas bíblicos, mas sim, os doze principais inconfidentes. Aleijadinho teria deixado pistas na aparência e postura de cada uma das esculturas. Não poderia explicitar isto por conta da perseguição que iria sofrer. Ainda não há um trabalho conclusivo a respeito do fato, mas é apenas mais uma amostra de como nem tudo é o que parece ser.


Como em muitas histórias, há além de toda a saga dramática, o herói e também o vilão. E o nome desse vilão foi Joaquim Silvério dos Reis, que ficou conhecido por delatar ao Marquês de Barbacena as tramas da conjura. O que pouca gente sabe é que este famoso delator veio morar em nossa região. Exatamente. Veio morar na cidade de Campos dos Goytacazes. Pelo menos é o que nos conta Antonio Alvarez Parada em seu livro “Histórias curtas e antigas de Macaé”. Segundo Parada Silvério dos Reis teria vindo morar na fazenda do visconde de Asseca. O fato é que seu sogro, o Coronel Luiz Alves de Freitas Bello administrava as propriedades do Visconde, e como as coisas podem não ter ficado muito boas em Minas Gerais para Silvério, ao menos inicialmente, ele deve ter resolvido respirar novos ares.
Parada cita texto de Alberto Lamego em que Silvério havia feito um requerimento de uma sesmaria no sítio de Macaé, rio Macaé acima. Este fato teria ocorrido em 3 de julho de 1796. O que se sabe é que estas terras requeridas não chegaram às mãos de Silvério. Com relação a sua permanência na região, Parada relata que teria durado alguns anos, provavelmente dois ou três, sendo que em 1797 Joaquim Silvério e seu sogro foram obrigados a deixar a região por ordem do Chanceler da relação do Rio de Janeiro devido a inúmeras violências praticadas.(PARADA,1995,p.47).


Mas de fato o que mais intriga entre tantas figuras interessantes é o personagem e o mito do alferes de cavalaria que ficou conhecido pelo apelido de Tiradentes. Quem foi esta figura que a partir de nossa proclamação da República em 1889 se tornou mártir e herói de todo um país? Confesso que não é pergunta fácil de responder. Muitos já tentaram. Muitas opiniões já foram emitidas. Algumas regadas a muita paixão. Outras apenas sob a frieza do olhar de Clio.



A inconfidência Mineira, no sentido de revolução,  foi um movimento que não aconteceu. Foram somente encontros, conversas, conspirações ou apenas “sonhos de poetas” como acreditam alguns. Com relação ao “herói” inconfidente, muitos dos que se debruçaram sobre os acontecimentos não viram nada de nobre na figura do alferes. Alguns dos acusados, tudo indica, nada tinham a ver com a intriga, como foi o caso de um dos mais iminentes “personagens” da conjuração, Thomás Antonio Gonzaga. Isso mesmo. Ele que é visto como um dos líderes da conjuração pode ter tido pouca participação ou conhecimento do que ocorria, e quando soube de algo, fez o possível para que não ocorresse à derrama, fato que seria desencadeador da revolta. Oiliam José nos diz que “a posição de Gonzaga em face da revolução de Minas não pode ser outra; amigo de Claudio e Alvarenga teve notícia da preparação do movimento sem aderir a ele."



Capistrano de Abreu, por exemplo, disse que “a conjuração mineira não passara de conversa fiada, como evidenciava a sentença alinhavada depois de quatro anos (foram três anos) laboriosos.”Sobre a figura do herói da conjuração, teria dito, baseado nos depoimentos que “ nem naquella, nem nesta achara matéria prima de um grande homem.” Logicamente que a posição de Capistrano não é unanimidade. Oilian José, que é um dos autores de uma das biografias de Tiradentes o descreve da seguinte forma: Tiradentes é herói, possuindo assim suas dimensões históricas reais, que não são vulgares... Já Augusto de Lima Júnior em seu livro “História da inconfidência de Minas Gerais” diz que Tiradentes “pregava a liberdade, a igualdade e a fraternidade entre os homens, e o acesso de todos aos tesouros que a natureza havia depositado em terras do Brasil”. Venhamos e convenhamos, há que se lembrar de que Tiradentes era dono de escravos e que possivelmente esta liberdade e igualdade não seriam tão amplas assim.
Enfim, ir a Minas é isto. Dar verdadeiramente um mergulho nos livros didáticos e sair de lá com um monte de novidades e dúvidas na cabeça. Desconstruir muitas verdades oficiais. Possivelmente sair sabendo mais e com um grande desejo de retornar o mais breve possível. Sentir de perto um passado que ainda deixa muitas marcas. Respirar sem dúvida alguma o Brasil e muito de sua História. Grande abraço, visite Minas e até a próxima.