terça-feira, 6 de setembro de 2016

Somos realmente bestializados?



Segundo o jornalista Aristides Lobo ao retratar o posicionamento popular no momento da proclamação da república, este povo teria assistido a tudo sem nada entender. Teria assistido a tudo bestializado, sem nada compreender sobre o processo republicano e o golpe militar que derrubou a monarquia. Outro autor, Louis County, disse que no Brasil não há povo. Essas referências se dão devido à visão de que a participação popular no Brasil é nula ou inexistente. A falta de participação politica dos populares será uma marca do período discutido e, de certa forma, como veremos a frente, permanecerá ainda por um bom tempo em nossa história.
Para tentarmos entender este fato, não podemos nos esquecer de que somos um país que tem em sua História um longo período em que a ideia de cidadania era restrita a poucos elementos. Os direitos políticos sempre foram privilégios dos chamados “homens bons” da sociedade. Ser um homem bom naquele período significava ser branco, filho de famílias ricas e possuidor de vastas extensões de terras e donos de muitos escravos.
Para ser eleitor no Brasil você tinha que ter dinheiro, e para concorrer a cargos mais dinheiro ainda. Ou seja, a Ascenção social na política era direcionada a um número que não chegava a dez por cento da sociedade, e estes quando lá chegavam defendiam os interesses de seus iguais, que não tinham a aparência popular. Mas e o povo? Na verdade não tínhamos povo. Tínhamos senhores e escravos. Ricos e pobres. Uma elite pequena e um grande contingente de marginalizados.
Os ideais republicanos que começam a se espalhar pelo país a partir de 1870 buscavam trazer a extensão da cidadania a população em geral. Buscavam o fim do flagelo da escravidão no país que insistia em ser o último do ocidente a manter este regime. Mas o que se viu logo após a implantação da república foi à tomada do poder pelas mesmas elites que antes se beneficiavam do regime monárquico. Segundo o Historiador Marcos Costa, foi uma mudança que deixou tudo do jeito que estava antes. Certamente que este não era o objetivo dos republicanos mais exaltados como Silva Jardim e Benjamin Constant. Constant inclusive disse que aquela não era a república com a qual ele havia sonhado.
Infelizmente a república realmente não foi aquilo que muitos esperavam. A cidadania permaneceu limitada a um pequeno grupo. Os ex-escravizados, agora livres, se encontravam na condição de marginalizados. Educação lhes foi negada, e em várias regiões a contratação de negros era praticamente proibida. Isso se devia por conta da necessidade de dar preferência aos imigrantes recém-chegados para mudar a cara do Brasil, uma busca por certo “embranquecimento”.
A luta por cidadania e por acesso a espaços sempre destinados a classe de grandes proprietários se estenderá por todo o século e por diversos grupos.  Um desses grupos, no ano de 1889, alguns meses antes da proclamação da república, formou uma comissão de libertos da região do Vale do Paraíba e enviou uma carta ao jornalista e futuro ministro republicano Rui Barbosa, para pedir apoio para que os recursos  do governo imperial, que deveriam ser destinados a emancipação dos nascidos livres a partir de 1871, fossem utilizados para seu devido fim. Esses fundos deveriam ser utilizados para educar os agora livres. No fim da carta, um alerta: “Para fugir do grande perigo que corremos por falta de instrução, viemos pedir educação para nossos filhos para que eles não ergam mão assassina para abater aqueles que querem a república que é liberdade, igualdade e fraternidade”. O que sabemos é que estes recursos foram destinados para qualquer fim, menos para a educação destas pessoas.
Em diversas partes do mundo o acesso à cidadania e consequentemente a direitos políticos se deu através da conscientização popular e de suas ações direcionadas. As conquistas sociais da maioria não foram atos das classes governantes sensibilizadas com as precárias condições do povo. O povo saiu às ruas por diretos em 1789 e com a revolução francesa derrubou o antigo regime. A luta contra a escravidão não teria tido tanto impacto se não fosse à luta dos escravizados contra o regime. Mulheres lutaram por seu direito ao voto e conseguiram através de muito esforço a igualdade de direitos perante os homens. Vários movimentos norte americanos lutaram contra o preconceito racial e pela luta dos diretos civis entre brancos e negros. Na África do Sul o movimento de luta contra a segregação racial colocou o povo nas ruas e derrubou o regime racista que lhes negava direitos.

No Brasil, por mais que tenhamos a impressão de que realmente a população não é consciente e não busca seus direitos, várias conquistas não teriam ocorrido sem a participação popular.  Vivemos um delicado momento de nossa História e faz-se necessário entender os motivos de tais problemas. As raízes desta atual crise podem ser encontradas em problemas antigos que possuímos e ainda não foram solucionados. Não teremos dias melhores se colocarmos representantes que de fato não nos representam. Precisamos entender o real valor de nosso voto e nos perguntar se votarmos em jogadores de futebol, palhaços, pastores e pregadores de intolerância será a solução, porque afinal, estes já estão todos lá, e fazem parte de todo esse imenso circo de horrores que se tornou a política brasileira.  

quinta-feira, 28 de abril de 2016

A Independência em panfletos

Existem muitos fatos que nos são omitidos ao longo do tempo. A História nem sempre é contada de uma forma ampla e imparcial. Alguém já teria dito que a imparcialidade não existe. Oque podemos dizer é que o que de fato existe são diferentes e diversos pontos de vista. Na História dos bancos escolares oque predomina é a História oficial acrítica. Boa parte dos Professores acabam por apenas reproduzir sem criticar o que os livros didáticos os fornecem. Temos sempre que atentar para os interesses que permeiam a produção ou não do conhecimento crítico. Atentar para não somente para aquilo que foi escrito, como para oque foi deixado de lado. Ainda há um passado recente cheio de heróis e grandes feitos que precisa ser desconstruído. Este vídeo nos apresenta algumas visões críticas do Historiador José Murilo de Carvalho e de outros Historiadores sobre o processo de Independência do Brasil em 1822.


https://www.youtube.com/watch?v=37XH5UEpjlI

sábado, 16 de abril de 2016

A crise de 1929 e o Fascismo

Após o término da primeira guerra mundial os Estados Unidos assumiram o poder econômico em escala ampla no mundo, pois saiu da condição de devedor a credor das grandes potências internacionais, desenvolvendo assim sua economia através de empréstimos tanto a vencedores como a vencidos na guerra. Desta forma ao mesmo tempo que emprestava dinheiro aos países envolvidos na guerra, também vendia seus produtos, fazendo com que sua população ascendesse socialmente e economicamente.
Contudo, com o passar do tempo a normalidade volta aos países atingido pela primeira grande guerra, fazendo com que a necessidade de importação diminua, causando assim um acumulo de produtos nos Estados Unidos. Isto aconteceu porque os Americanos insistiram em produzir aos mesmos padrões do período da guerra, momento em que a Europa estava praticamente estagnada devido ao envolvimento na guerra e, onde era grande a carência de produtos como: gêneros alimentícios, combustível entre outros.
Como a Europa se restabelece e a necessidade de produtos americanos diminui, isto faz com que a crise no país americano se inicie, já que, o excedente não tem para onde ser escoado tendo em vista que o consumo interno não dará conta da produção, além do desequilíbrio gerado pelo capitalismo sem controle onde a distribuição da riqueza era desigual, pois os salários dos trabalhadores não acompanhavam os lucros dos empresários. Junto a isto, soma-se as dívidas dos produtores que não conseguiam vender seus produtos, fazendo com que se afundassem em dívidas.   
A prosperidade americana tem seu marco de rompimento em 1929, quando a bolsa de Nova York quebra e causa a grande depressão. A partir de então começa o aprofundamento da crise que irá atingir os principais países ao redor do mundo, pois o dinheiro que fora emprestado à Europa tem seu repatriamento pelos credores americanos e a quebradeira é geral, causando um estrago profundo nos países que tinha relações econômicas com os Estados Unidos. Neste contexto, quem tivesse relacionamento comercial com esses países não estaria livre da crise como no caso do Brasil que exportava sua produção de café e foi atingido pela retração econômica. Vale a pena ressaltar que neste momento a União Soviética não é atingida pela crise, causando a impressão que o socialismo é superior ao capitalismo, mas isso é outro assunto que não vamos tratar no momento.
O advento da crise causa uma insatisfação geral nos países envolvidos, dando margem ao aparecimento de governos autoritários em combate ao liberalismo, tanto econômico como político. Com a população sendo atingida pela crise e clamando por solução, abre-se caminho para o fascismo que aproveita o anseio das pessoas para suplantar o liberalismo e pôr em pratica suas ideologias baseadas na nacionalidade exacerbada, fazendo com que o racismo floresça dando origem à ideia da superioridade de raças, onde o outro não tem vez e nem a possibilidade de se transformar, como no caso dos Judeus que não poderiam se tornar alemães.
Tendo como principal discurso a coesão nacional, pois para o fascismo não interessa o indivíduo e sim o coletivo em que a sociedade funciona como um grande corpo em harmonia mútua, por isso o liberalismo é visto como algo ruim causando demandas pessoais e fazendo com que a coletividade caia em desgraça. Neste modelo de política não espaço para a luta de classes, já que o Partido é quem controla as negociações entre patrões e empregados e, estes devem aceitar as normas em nome da harmonia social. O fascismo que serviu de modelo para os demais países foi o Italiano. Neste pais surgiu como símbolo de união, pois significa um feixe de varas amarradas e que juntas não poderiam ser quebradas facilmente, ganhando o campo político após a primeira guerra mundial, embora os ideais já fizessem parte dos italianos no final do século XIX, simbolizando a justiça e a igualdade.
Para o fascismo o liberalismo foi a causa do mal que estavam passando. Neste sentido não há espaço para liberdade pessoal e partidária. Este fenômeno esteve presente em vários países, embora não se trabalhe tanto a sua importância como na Itália e Alemanha. O fascismo é um acontecimento a-histórico, pois ideais fascistas pairam nas sociedades ainda nos dias atuais, haja vista a palavra neofascista que pode ser encontrada com bastante frequência na contemporaneidade.
O fascismo é um movimento autoritário, porém nem todo autoritarismo é fascismo. Para conceituar o fascismo devemos atentar para algumas peculiaridades, como exemplo temos a sua ideologia voltada para a estrema direita, contudo não é uma direita tradicional, os fascistas tinham características distintas que os fazia ser diferentes como o diálogo com as massas, coisa que a direita tradicional não sabia fazer.
O fascismo trouxe um certo alento a população por algum tempo. Na Alemanha, por exemplo, trabalhadores começaram a gozar de alguns privilégios que antes não tinham, embora tudo fosse controlado pelo partido, pois um mero ajuntamento de pessoas para o futebol não era bem visto se não fosse comunicado antes ao partido. Porém com o tempo entrou em ruina e o seu final acabou com a morte de seus principais lideres desenvolvedores. Na Itália Benito Mussolini foi capiturado e morto em 1945, depois seu corpo foi apresentado em praça pública para que as pessoas tivessem a oportunidade de agredi-lo e, na Alemanha Hitler sentindo que teria o mesmo fim tratou de cometer suicídio após saber que seu plano de expansão imperial chegaria ao fim quando seu exército foi derrotado pelas forças aliadas na segunda grande guerra em 1945.
Este são alguns exemplos do surgimento e do caminho que percorreu o fascismo ao longo do entre guerras na Europa, mas isto não quer dizer que somente na Alemanha e Itália houveram este tipo de administração política, embora os estudos históricos tenham esses dois como modelo para aplicar a outros países. Portugal, Espanha e França também tiveram características fascistas, embora a França se defenda dizendo que foi por causa da invasão que sofrera da Alemanha, mas isto não quer dizer que não tivesse pessoas com ideais fascistas em seu território.
O fascismo soube muito bem usar os anseios da população em seu benefício, basta perceber que os líderes desse movimento chegaram ao poder de forma legal e com apoio da população, porém com o passar dos tempos o que era esperança se transformou em show dos horrores, onde quem não concordasse com o líder fascista era eliminado fosse ele opositor ou aliado, assim como quem não se encaixasse nos padrões fascistas também seriam eliminados como no caso dos Judeus, ciganos, homossexuais e até mesmo deficientes físicos foram parar em campos de contração na Alemanha em nome do eugenismo e da superioridade daquele povo.


Bibliografia: ARRUDA, José j. de Andrade. A crise do capitalismo liberal


                     SILVA, F. C. T. Os fascismos

segunda-feira, 14 de março de 2016

Renascimento

Documentário sobre o período renascentista abordando as principais mudanças ocorridas na sociedade da e´poca, em que a corrupção e aos desmandos da igreja serão alvo de diversas críticas, entre elas as de Martinho Lutero, que com suas 95 teses ajudará a impulsionar o movimento protestante que mudará a face da Europa e da religião cristã, também proporcionando meios para diversos grandes acontecimentos como opor exemplo as grandes navegações marítimas, que tinham nos burgueses seus principais financiadores e que tinham na igreja católica um sério entrave a seus objetivos.
https://www.youtube.com/watch?v=rS8iKbcnMbw

Historia do Rio de Janeiro

Excelente aula sobre a História do Rio de janeiro em que é abordada questões sobre a escravidão, sobre o período republicano e as condições sociais do ex escravos que pouco ou nada mudou no novo regime. O problema cronico da favelização e da violência, que já eram características de um Rio de Janeiro de mais de cem anos atrás. A perseguição policial a negros e pobres ( palavras quase que são sinônimos uma da outra) que hoje é algo mais do que natural nos telejornais, já era  algo mais do que comum.

 https://www.youtube.com/watch?v=-KDaIDby2O4

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Quando Motta Coqueiro Me Assombrava...

Existem alguns acontecimentos de nossa infância que ficam guardados durante muitos anos em algum lugar de nossa memória que não sabemos exatamente onde é este lugar. Ouvimos histórias sobre monstros e seres fantasmagóricos horripilantes e que em nossa frágil e inocente visão de mundo, “existem” de fato. Chegamos a conhecer pessoas que contam “fatos” como se realmente os tivessem vivenciado. Em cidades do interior isso é mais comum ainda. Muitos são os que podem contar uma “real” experiência com alguma assombração. Já ouvi inúmeras. Eu mesmo tenho uma a contar de meus tempos de criança, e que depois de alguns anos de vida e uns poucos de estudo veio a se descortinar como a história do famoso caso de assassinato de uma família de camponeses e o posterior enforcamento de Manoel da Motta Coqueiro como mandante do crime. 
Segundo Armando Borges este foi o crime de maior repercussão ocorrido durante o período imperial brasileiro (Borges, p.134). Esta repercussão seria em virtude da grande brutalidade do crime, em que uma família inteira de camponeses teria sido morta, e também pelas inúmeras dúvidas suscitadas em relação à culpa de Motta Coqueiro, que teria desde o início negado ser o mandante do crime.
Em minha infância morando no tradicional bairro da Aroeira em Macaé, ouvia como de costume a época, várias histórias e lendas locais. Havia uma que particularmente me deixava com muito medo. Era a lenda do homem serpente enterrado em um túmulo amarrado com correntes no cemitério de Santana. Diziam que ele costumava forçar as paredes do túmulo para sair, e que isto já teria ocorrido algumas vezes. Por este motivo seu túmulo teria sido amarrado com correntes para que não mais fugisse.
Sempre que passava ao pé do morro que dá acesso ao cemitério ficava olhando lá para cima com um misto de medo e curiosidade. Quando de alguns velórios que eu acabava tendo de ir acompanhando meus pais, ficava intrigado, e às vezes chegava a me “arriscar” a tentar, meio que timidamente, encontrar tal túmulo.
Muitos anos se passaram até que eu conhecesse a “real” história de Manoel da Mota Coqueiro e o que tinha de fato na lenda do homem serpente acorrentado. Vamos conhecer então a história de Manoel da Motta Coqueiro e a relação com a lenda de minha infância.
Manoel da Mota Coqueiro foi um político e proprietário de terras residente na cidade de Campos dos Goytacases que adquiriu uma fazenda em Macaé na região que hoje é o município de Conceição de Macabu.  Era uma região de terras férteis com ligação ao canal Macaé-Campos que facilitaria o escoamento de sua produção. Após a compra da fazenda, Motta Coqueiro começou os preparativos para fazê-la produzir. Comprou escravos, contratou pessoas livres e admitiu a pedido de um amigo, uma família de colonos contando com oito pessoas que tinha como chefe o senhor Francisco Benedito da Silva. Foi ai que começaram seus problemas.
O Brasil vivia a época um momento de intensas transformações. Havia acabado de extinguir seu tráfico de pessoas vindas do continente africano e aprovou uma lei de terras (que na verdade apenas beneficiou fazendeiros e aumentou ainda mais suas propriedades fazendo com que pessoas pobres, ex-escravos e ou os raros imigrantes não tivessem acesso a terra) e que segundo Sergio Buarque de Holanda, essas transformações “só poderia levar a liquidação de nossa velha herança colonial”.  
De acordo com o Historiador Marcos Costa, autor do livro “o Reino que não era deste mundo” esse período foi um momento de vitalidade excepcional, tanto nos negócios quanto em questões de infraestrutura. O Brasil começava a dar alguns passos no caminho da “modernidade”.
Mesmo com esses passos no caminho da modernidade ainda convivíamos com o espectro da escravidão e com uma desigualdade extremamente elevada. Algumas pessoas ainda eram tratadas como coisas e pouco ou nenhum direito possuíam. É curioso acreditar que um homem poderoso como Coqueiro pudesse ser condenado por um crime tendo como testemunhas de acusação escravos e pessoas que nada presenciaram. Em livro contando a História de Conceição de Macabu, Carlos Marchi escreve sobre as lições do caso Coqueiro.  Marchi afirma que houve uma armação política para condenar a qualquer custo Motta Coqueiro.
Após comprar a fazenda começou a organiza-la trazendo animais e escravos de suas propriedades em Campos dos Goitacases. Motta coqueiro acabou por se envolver com uma filha de Francisco. Conta-se que a esposa de Coqueiro teria ficado sabendo do romance através de um escravo que teria flagrado um encontro.
Sua esposa o interrogou sobre o fato, que ele obviamente negou, mas ela exigiu que ele expulsasse a família de Francisco de suas terras.  Francisco resistiu em sair, pois alegou ter muitas benesses feitas nas terras e que havia plantios a serem colhidos. Armando Borges conta que ao saber da recusa do lavrador de sair das terras, Dona Úrsula teria prometido tomar providências. Dias depois Francisco e sua família foram alvo de um ataque de jagunços que o agrediram e tentaram incendiar sua casa. Borges afirma que “Mota Coqueiro fora acusado de mandante, fato este que o deixou muito revoltado, pois só viera a saber do acontecido três dias depois ”.
Em 12 de setembro de 1852, novo ataque contra a casa de Francisco e finalmente o objetivo alcançado: a casa é incendiada e sete pessoas mortas. A moça com quem Coqueiro se envolvera consegue fugir. Coqueiro, que se encontrava na Cidade de Campos no dia do ocorrido, foi informado ao chegar à fazenda no dia seguinte por seu capataz Fidelis. Borges conta que ele teria ficado consternado com o fato e teria dito que tinha certeza de que iria ser acusado de mandante do crime.  
Coqueiro teria tido um julgamento cheio de contradições e acontecimentos incomuns, como ter escravos depondo contra o mesmo. Teria sido alvo de um complô articulado que teria entre seus idealizadores um primo seu, que teria uma mágoa por conta de um amor no passado que teria sido seduzida por Manuel da Motta Coqueiro.
Após a condenação, ele foi enforcado no dia 06 de março de 1855, tendo ficado preso na cidade do Rio de Janeiro entre 1852 e 1855. Retornou a Macaé para seu enforcamento. Parada nos informa que os motivos para seu aprisionamento na capital se deu devido à hostilidade dos macaenses por conta de tal terrível crime, e segundo por conta da precariedade da cadeia municipal. A cadeia se localizava na esquina das ruas visconde de Quissamã com governador Roberto Silveira.
 Parada nos conta que no ano de 1897 foi encontrado um esqueleto algemado nos arredores do cemitério de Santana. Essa descoberta foi possível devido à necessidade de aumento do cemitério. Ainda segundo Parada o esqueleto estava em perfeito estado de conservação e foi posteriormente colocado em exibição pública nas dependências do jornal “O Século”. Ainda segundo este autor muitas dúvidas foram levantadas sobre a origem do esqueleto e a conclusão a que chegaram é que deveria ser de algum escravo morador de alguma fazenda das vizinhanças (Parada, p.25). 
Com o passar dos anos, com as histórias sendo contadas oralmente muita coisa se perde, e outras são acrescidas. O sepultamento da Fera no cemitério de Santana, e a descoberta mais de 40 anos depois de um esqueleto algemado podem ser os elementos que irão construir a lenda do homem serpente (fera) com o túmulo acorrentado.  
Ecléa Bosi nos diz que lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar, com imagens e ideias de hoje as experiências do passado”. E essa reconstrução, os seres humanos fazem e refazem a todo o momento. A memória é seletiva. Selecionamos e guardamos detalhes parciais de determinados acontecimentos, e quando contamos sempre falta algo, da mesma forma que aquele que nos ouve, ao reproduzir, jamais contará da mesma forma.
Desta forma a lenda do homem serpente e o caso de Motta Coqueiro chegaram até minha infância. Muitos outros ouviram estas histórias de variadas formas, com diferentes elementos que serviram e continuam a servir para incrementar e colorir nosso imaginário, deixando o folclore local sempre tão apaixonante e renovado a cada dia.

Referências.

BORGES, Armando. Histórias e lendas de Macaé. Itaperuna, Damadá artes gráficas, 2005.
_________. O último enforcado. Itaperuna, Damadá artes gráficas, 2004.

COSTA, Marcos. O reino que não era deste mundo. Rio de Janeiro. Valentina, 2015.

FRANCO, Maria da Conceição Vilela. Morte, Memória e História: a sepultura de Motta Coqueiro como lugar de reprodução simbólica do imaginário social macaense. Acessado no dia 20 de outubro de 2015 na página: http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1308165251_ARQUIVO_TEXTOCOMPLETO-01.pdf.

GOMES, Marcelo Abreu (Org). Conceição de Macabu.  História das origens até a segunda emancipação. Livro digital gentilmente cedido pelo Professor Marcelo Abreu Gomes.


PARADA, Antonio Alvarez. Histórias curtas e antigas de Macaé. Rio de Janeiro, Artes Gráficas, 1995. 

terça-feira, 28 de julho de 2015

Lampião era macaense...

 Lampião era macaense...

A grande maioria dos brasileiros conhece razoavelmente a história ou já ouviu falar do cangaceiro Virgulino Ferreira da Silva, que ficou mais conhecido por conta de seu apelido “Lampião”. No caso dos habitantes de nossa cidade, Macaé, não seria diferente. Agora o que poucos sabem inclusive os macaenses, é que Lampião viveu muitas aventuras de sua vida como cangaceiro aqui em nossa cidade. Pelo menos na ficção. É que no ano de 1969 a R.F.Produções Cinematográficas escolheu nossa cidade para rodar o filme “Lampião não discute, mata”.
O filme foi rodado em várias partes da cidade, como morro de Santana, Córrego do Ouro, Frade e Fazenda da Boa fé. Aliás, a época ainda existia um enorme casarão colonial nesta fazenda, ainda remanescente do período escravocrata brasileiro, mas que hoje, infelizmente se encontra derrubado e com apenas alguns vestígios de sua antiga construção.  No filme é possível ver, mesmo que rapidamente, como eram os distritos de Frade e Córrego do Ouro e comparar com os dias atuais e suas mudanças promovidas pelo desenvolvimento petrolífero.
De acordo com Isaac Souza, Jornalista do jornal O Rebate incumbido de fazer a cobertura da produção, o roteiro era muito bom para a época e possuía as mais modernas técnicas cinematográficas, que enfatizavam um Lampião violento, como é de costume a sua representação.
Lampião foi morto no dia 28 de julho de 1938 no Estado de Sergipe na gruta de angicos aos 40 anos de idade. É uma das figuras mais controversas da História do Brasil, sendo um dos brasileiros com maior número de livros publicados a seu respeito, tendo livros escritos até em japonês sobre sua história.
Segundo o jornalista Moacir Assunção da Folha de São Paulo, autor do livro “Os homens que mataram o facínora”, Lampião era um bandido.  Ainda segundo este jornalista, Lampião era um bandido extremamente inteligente, mas era apenas isto.
Esta visão não é a única sobre o rei do cangaço nordestino e nem pode ser vista como a que representa a verdade do personagem, da época e do cangaço. Há os que o vejam como um insurgente que lutou contra as forças dos coronéis que concentravam riquezas e manipulavam os mais pobres para obter a perpetuação de seu poder e de seus familiares. Muitos dos movimentos de contestação do fim do século XIX e início do século XX tinham a miséria como motor, e uma vida digna como objetivo. A maioria das pessoas pobres do sertão nordestino era submetida a regimes de trabalho semelhantes à escravidão recém-abolida no ano de 1888.
Os movimentos de Canudos e Contestado são exemplos desta luta por dignidade e contra o poder dos grandes latifundiários.  Em Canudos, pessoas miseráveis lutaram por um pedaço de terra até serem mortas pelo Exército Brasileiro. Foram mais de 20 mil assassinatos de crianças, mulheres e homens pobres e famintos. Com certeza uma das maiores vergonhas de nossa História.
Olhando a partir deste viés, fica mais fácil entender a postura e os caminhos de determinados grupos que se insurgiram contra os Coronéis feudais de um século atrás.
A Pesquisadora Fátima Teles no artigo “O cangaço, o latifúndio e as oligarquias”, discute o papel dos grupos rebeldes no contexto social de seu tempo e de sua região. Segundo Teles
Analisar o cangaço é investigar também o contexto socioeconômico e cultural do Brasil desde a sua colonização no que tange a questão agrária. Um país “descoberto” por europeus que não respeitavam a cultura dos habitantes ali encontrados, iniciando assim uma série de violências contra a etnia que habitava as terras e palmeiras brasileiras. O poder político do Império através das capitanias e sesmarias concedeu terras aos seus correligionários em detrimento dos que ali já viviam, plantavam, produziam e colhiam. Posteriormente a exploração da mão de obra escrava também não era questionada em razão das etnias tidas como minorias não serem reconhecidas culturalmente sendo tratadas como inferiores, forçadas ao progresso “civilizador.
É neste contexto repleto de contradições que surgem os cangaceiros nordestinos. São filhos da miséria, da exclusão, da exploração e da desigualdade social que se alastrou pela terra brasilis pós-chegada de Cabral.  A proclamação da República de 1889 não produziu efeitos na melhoria dos que já eram explorados há séculos. Os que viveram na escravidão e que haviam conquistado a alforria um ano antes viram no trabalho livre quase que as mesmas condições de trabalho do regime da escravidão.
No nordeste brasileiro o povo sofrido buscava de diversas formas escapar da fome e de suas agruras, que no ano de 1877 teria matado em torno de 500 mil pessoas. Movimentos religiosos como o de Antonio Conselheiro buscavam criar na terra uma comunidade em que este flagelo não fosse mais uma constante em suas vidas. Teles relata que “As condições climáticas do semiárido nordestino favoreciam o surgimento de secas prolongadas de tempos em tempos, castigando a produção agrícola do homem do campo trazendo miséria e fome. As secas, o controle social, a partir da prática de favor cultivada pelos senhores de fazenda diante dos trabalhadores fez com que alguns se indignassem e fossem mudar o seu destino, adentrando no cangaço ou no messianismo”.
Virgulino, homem de fé que era, optou pela primeira opção; o cangaço. Segundo Bezerra (2009), Virgulino, ao tornar-se Lampião, não pensou ser bandido ou herói: apenas disse não a uma agressão sofrida e reagiu. Subverteu a ordem estabelecida. Foi autor da sua própria história e não, apenas, coadjuvante na história de alguém. Subverteu a ordem quando matou, quando invadiu cidades, quando escolheu seu destino...”.
Para Virgulino, sendo de forma consciente ou inconsciente, seu posicionamento naquela sociedade era a principal maneira de enfrentar a ordem autoritária vigente. Era a resposta devida aqueles que viviam da exploração e ganhavam com a miséria humana.
“Lampião foi o produto de uma sociedade desigual econômica e socialmente, que por não oportunizar os trabalhadores à dignidade transforma-os em rebeldes e revolucionários. Sendo produto de uma história ele também se torna seu produtor pois interfere nessa história e a modifica como autor do seu próprio destino, da sua história. Portanto, como sujeito, ele constrói e transforma. Lampião não se tornou só o produto de um Brasil ditado por uma elite dominante que governava em prol dos seus próprios interesses. Lampião se torna construtor da história de luta dos sertanejos que escolheram a vida rude e violenta do mundo do cangaço e dessa forma enfrentou governantes de toda a Região nordestina a tal ponto que ficou conhecido pelo seu destemor até hoje em pleno século XXI, de modo que não se fala em cangaço sem a figura emblemática de Lampião, representante maior do cangaço brasileiro”. (TELES, 2014).
A imagem de bandido do cangaceiro nordestino é uma construção de nossas elites, que como de costume, coloca no desfavorecido a responsabilidade por seu destino, não deixando claro para a maioria de nós os vários fatores que envolvem as “escolhas” feitas por pessoas e grupos em situação de extrema miséria. Hoje completam 77 anos de seu assassinato. Viva a memória de Lampião...
Bibliografia:
TELES Fátima. O cangaço, o latifúndio e as oligarquias. Artigo publicado na página: http://www.vermelho.org.br/noticia/249409-11
Rosa, Bezerra. A representação do cangaço. Recife. Ed.do autor, 2009.apud Teles, 2014.