sexta-feira, 22 de julho de 2011

“choramos ao nascer por que chegamos a esse imenso cenário de dementes”.
            Esta frase é atribuída a Wiliam Shakespeare, e de fato merece muita atenção. Na natureza, somos considerados aquele que possui sozinho a faculdade do pensamento, do raciocínio lógico, da razão. Mas ao mesmo tempo somos os únicos que cometemos insanidades. Às vezes me pego pensando nos horrores cometidos em nome de diversas coisas, e me assusto. Onde foi parar nossa razão? Por que nos deixamos levar por tantas inverdades e emoções?
Hoje assistia uma matéria de TV que tratava de uma mãe que matou sua filha de dois meses ao jogá-la propositalmente no chão. Crianças são assassinadas em favelas por policiais e jogadas em valas como se fosse lixo. Em algumas partes do mundo pessoas tem seus corpos dilacerados por questões religiosas. Chacinas são cometidas diariamente em áreas pobres deste país contra possíveis “bandidos”, enquanto que aqueles que de fato assaltam o país nada sofrem, não são recriminados e ainda chamados de “doutores ou coronéis” pelo país afora. Sempre discordo quando ouço algum insano político ou policial dizer que bandido bom é bandido morto. Já pensaram se isto ocorresse? Sobrariam quantos policiais e políticos para nos representar?
Infelizmente a demência está em toda a parte. E apesar dos tempos modernos e de todos os avanços da ciência, ainda temos de concordar com o título deste texto...  

quarta-feira, 6 de julho de 2011

O Brasil e suas guerras civis...

Muito se fala a respeito do Brasil e de sua tranqüilidade, de suas belezas naturais, de seu povo amistoso e alegre e da falta de grandes conflitos internos. Seríamos um povo que, apesar dos nossos problemas sociais com índices assustadores, seríamos abençoados por não comportarmos conflitos de guerra, nem civil e nem externa.
Outra coisa que se sabe a respeito de nosso povo é que de fato, ele possui memória curta (ou muita necessidade para esquecer certas coisas em troca de algumas outras...).
Acreditar que não estamos em guerra depende sempre do ponto de vista de cada um. Se medirmos uma guerra por número de mortos e feridos, as estradas brasileiras são de fato um campo de guerra civil. Sabe-se que lá se mata mais do que muito território ocupado por terrorista norte americano (que matam muito mais do que qualquer talibã ou membro da AL Kaida).
As mortes por arma de fogo são dezenas de vezes maiores do que nos países em que armas se compram em supermercados. Nossa polícia é especialista em cometer assassinatos. Todos os anos milhares são mortos em confrontos ou a mando de milícias e grupos de extermínio comandados por agentes da lei.
 Dentro da História do Brasil vários foram os conflitos em que brasileiros mataram brasileiros a sangue frio. Basta consultar os anais de nossa história buscando ver a revolta da armada, Canudos, a revolução federalista, o golpe de 1964, e os homicídios recorrentes contra trabalhadores do campo, que nossa mídia global prefere não mostrar já que possui coisas melhores como BBB, Faustão e turma do Didi.
A solução para este problema está longe de surgir aos nossos olhos, e nossos zelosos governantes, em sua grande maioria sempre possuem coisas mais importantes para cuidar, como os esquemas de propinas e lavagem de dinheiro desviado de escolas e postos de saúde, além da distribuição de cestas básicas para o povo, compradas com o próprio dinheiro do povo.
Enquanto alguns brindam em palácios de luxo e sorriem até sem motivo, ou por todos os motivos do mundo, crianças inocentes desaparecem em favelas mortas por policiais, indo parar no fundo de alguma vala ou sabe-se lá em que outro lugar. A insensibilidade de alguns é algo assustador. Até quando isto será algo corriqueiro? Coisas deste tipo acontecem a todo momento, e só esquecemos quando surge outra aberração na TV, outro escândalo político ou outro crime, que em muitos casos é muito pior do que muitos crimes de guerra. É uma violência engolindo a outra. É um crime apagando o outro. Um político, um assassino, um João Hélio, um motorista bêbado, um Jerominho, um governador... Até quando? Até quando teremos violências piores do que qualquer guerra? Até quando a TV irá mentir para nós não mostrando os verdadeiros índices e fatos? Até quando tanta guerra e tanta mentira?

terça-feira, 5 de julho de 2011

A religião não é mais o ópio do povo...



19/06/2011
O Estado laico é aquele em que religião e negócios públicos estão completamente separados.  É o caso da nossa República, criada em 1889. Todavia, é claro que eu sei que há os que dizem que o Brasil nunca foi laico, uma vez que a Igreja Católica, mesmo após o fim do Império, continuou bastante influente nos corredores palacianos. Eu tendo a relativizar tal situação. Digo que isso é apenas uma questão histórica, não um fato filosófico. Hoje em dia, outras igrejas já possuem força suficiente para mexer com a mentalidade popular de modo tão ou mais forte que o catolicismo. Assim, o que existe no Brasil é uma hegemonia cristã, não mais católica. E diante de outras democracias ocidentais que se anunciam laicas, podemos até considerar que não destoamos muito. Mas, de vez em quando, surgem fatos perturbadores.
Chamo a atenção para o Rio de Janeiro. Aqui, o ensino religioso está na escola pública de uma maneira pouco alvissareira. Os professores são contratados não exclusivamente a partir do conhecimento que possuem de religião, mas segundo um requisito explícito de possuírem militância religiosa, fornecida por documentos de templos e afins. Isso sim é o fim do laicismo e, segundo o que entendo, inconstitucional.
O mais grave dessa situação foi a justificativa pela qual tal regra se fez valer. Algumas autoridades cariocas disseram que a religião nas escolas deveria “voltar como um dos elementos de combate à violência”.
O argumento é tolo e falso. Todos nós sabemos que religião nunca trouxe paz ao mundo. Ao contrário, onde há religiões tentando disputar terreno, principalmente terreno estatal – a escola pública é um deles – o que ocorre é o fim da paz. No mundo todo, a disputa religiosa é sinônima de violência. Mas, se é assim, porque há os que endossam tal atitude das autoridades cariocas que, enfim, fere o Estado laico? São todos mentirosos? Não! Há realmente os que endossam tal coisa exclusivamente por desinformação e falta de reflexão crítica mínima. Não percebem que isso fere o laicismo e que, se assim ocorre, nenhuma religião ganha, todas perdem.
Caso nossa República deixe de ser laica, ainda que não oficialmente, mas por mecanismos de entrelinhas, o que teremos é a supremacia de um credo e, portanto, a exclusão de outros. Quem garante as religiões nas democracias liberais laicas e modernas não é a fé popular, como muitos pensam, mas exatamente as forças nutridas por intelectuais (não raro, ateus) que lutam pela liberdade religiosa da nação, garantindo isso através da neutralidade religiosa do Estado, ou seja, a criação e manutenção do Estado laico. Assim foi em vários países do Ocidente democrático. A República brasileira tornou-se laica segundo esse espírito.
Essa liberdade, agora, está ameaçada. Ela é ameaçada não mais (só) pelos católicos que, enfim, ao longo desses anos todos, acomodaram-se mais ou menos ao laicismo. Mas por outras igrejas que se dizem cristãs. As igrejas cristãs não católicas, principalmente as chamadas “evangélicas”, cresceram no Brasil à margem da modernização da sociedade. Aliás, cresceram um pouco afastadas da cultura das elites. Então, nunca prestaram atenção na laicidade assim como nunca olharam com acuidade para as leis do país. Por sua vez, o Estado brasileiro, uma vez nas mãos das elites intelectuais de formação positivista ou católica, também nunca deu atenção aos “protestantes”. Tratava-se da “igreja dos pobres da periferia”. Mas, de duas décadas para cá, isso mudou. Os “evangélicos” cresceram em número e em representação. Além disso, algumas dessas igrejas se tornaram poderosíssimas tanto em relação à força política quanto em relação ao dinheiro que podem dispor. Eis que agora, em quase todo lugar que o laicismo é ameaçado, principalmente na escola, isso não ocorre mais só pela via da infiltração católica, mas pela infiltração “evangélica”. Diferente da católica, a atuação “evangélica” não pensa em desrespeitar a lei, simplesmente a desrespeita porque em geral não dá a mínima para ela. Sem lastro histórico e, enfim, desenvolvida não raro por pessoas de pouca instrução ou de educação duvidosa, a chamada “Igreja evangélica” não tem nenhum pudor de colocar seus fiéis em universidades e escolas, ambas públicas, acotovelando limites legais e tradicionais instituídos pelo laicismo de nossa República.
Eis que, por conta disso, ressurge no Brasil alguns incômodos que há muito não tínhamos mais, algo que havia caído para o nosso folclore, que era a disputa entre professores laicos e estudantes religiosos e vice-versa, sendo que os religiosos, no caso, eram representados pela figura do padre. Agora, surge o incômodo religioso novamente, mas causado pelos “evangélicos”. Eles começam a criar problemas querendo mudar os horários das escolas, não querendo aprender as doutrinas científicas e sendo intolerantes quanto às posições liberais a favor de outras religiões (como o espiritismo ou a umbanda etc.). Fazem da vida da escola uma bagunça. Com uma diferença dos católicos de outrora: acham-se naturalmente corretos, pois desconhecem o significado da palavra “laico”. Acham que podem fazer o que estão fazendo, que o que estão fazendo é um “direito”!
Estou afirmando aqui que os “evangélicos” são incultos e os católicos não? Afirmo que é isso, se pudermos comparar o católico de ontem com o “evangélico” de hoje. Isso porque o “evangélico” faz algo que, principalmente a partir dos anos sessenta, só o católico muito tosco se manteve fazendo, a saber, a leitura da Bíblia como um texto que antes de ser moral e normativo é uma descrição da “realidade como ela é”.
Os religiosos cultos acreditam que os textos que lhe são sagrados foram escritos pelos homens, inspirados pelas divindades, com o objetivo de dar valores e normas para o seu povo. Os não religiosos cultos acreditam quase na mesma coisa, pois diferem dos religiosos apenas pelo detalhe que acreditam que os textos ditos sagrados foram escritos pelos homens de boa visão somente. Metaforicamente, estes últimos até podem dizer que tais homens tiveram tanta sabedoria que ela pode ser chamada de divina. Por pensarem assim, religiosos cultos e não religiosos cultos sempre puderam conviver. Ora, não é essa a nova ordem instaurada pela presença dos “evangélicos” na escola pública.
Como os padres brigões do passado ou como alguns padres gerados na incultura dos seminários de hoje em dia, os “evangélicos” querem ler a Bíblia (isso quando conseguem realmente ler, pois no Brasil a questão educacional vai de mal a pior) tomando as passagens de modo literal. Por incrível que pareça, não percebem que de modo literal o texto é imbecil e, portanto, não poderia ter conquistado ninguém. Nenhuma pessoa normal poderia achar que a descrição de Adão e Eva como fundadores da humanidade não é uma história normativa, que fala de autocontrole e que busca mostrar que isso é algo desejável. Trata-se evidentemente de uma estória moral, que ensina a importância do autocontrole. Não é a descrição da origem da humanidade, pois, se assim fosse, teria instaurado o incesto ou coisa até pior (Eva teve dois filhos homens!). E o incesto é o nosso maior tabu. Isso é simples de explicar para alguém que possui uma mente normal. Mas, quando a mente da pessoa é não só desinformada, mas também um caos devido a nunca ter sido minimamente treinada em processos lógicos, a Bíblia pode ser lida literalmente. Ora, uma pessoa nessas condições mentais não poderia nunca estar na escola média e muito menos superior. Mas ela está. E por estar nesse nível de caos mental, não entende não só sua própria religião, mas não compreende nem mesmo as próprias leis da República e não sabe o que é o laicismo. Uma vez na escola pública, cria confusões bem maiores do que as causadas pela presença dos católicos fervorosos no passado. São pessoas que estão aquém do comportamento escolar normal e estão aquém de conseguirem entender os textos científicos, históricos, filosóficos e literários que circulam no ensino médio e no ensino superior.
É com esse tipo de barbárie que a escola pública lida hoje em dia. E se isso ainda é reafirmado pela entrada oficial do ensino de religião na escola, e não pelo ensino de história e filosofia da religião, então é o caso de ficarmos com saudades do tempo que escutávamos falar que a religião era o ópio do povo. Naquela época, achávamos que a religião poderia causar um amortecimento da mente como o ópio fazia com o cérebro. Foi uma época em que quem tinha mente, sabíamos, tinha cérebro.

© 2011 Paulo Ghiraldelli Jr, filósofo, escritor e professor da UFRRJ.