sexta-feira, 7 de outubro de 2011

A corrupção já vem de longa data...
Vira e mexe nos pegamos abismados com alguns acontecimentos que permeiam as páginas dos jornais e as manchetes televisivas. São escândalos de dinheiro na cueca, do Paulo Maluf e família e seus desvios de dinheiro para o exterior. São as obras superfaturadas de nossa saúde, da pobre coitada da educação e de nossas estradas assassinas (desculpe se esqueci algum lugar comum para os ladrões; é que são tantos...).
Além de boa parte de nossos políticos, de nossos magistrados, de nossos policiais, de nossos empresários temos a nossa corrupção diária, que sempre entra em funcionamento quando somos pegos fazendo algo errado (mas que não parece tão errado assim, não é?), como no caso do guarda de trânsito, da blitz, de encontrar um amigo na boca do caixa do banco... Enfim, temos boa parte da culpa de todas as coisas erradas que nos rodeiam. Disse certa vez um filósofo que a culpa de todo o mal é a ignorância. Todo sofrimento provem da mesma. Concordo plenamente com ele. Sofremos por conta de nossa querida e sempre aliada ignorância. Esta não nos deixa. Dizem que ela é eterna (mesmo não crendo, peço a deus que ela tenha fim um dia!).
Mas deixando de lado nossa humilde companheira, voltemos para a questão que me levou a pensar em tentar escrever este texto. A corrupção de ontem e seus reflexos mais do que evidentes nos dias atuais.
Em minha cidade, Macaé, há um número crescente de pessoas enriquecendo na medida em que trabalham e estudam. Afinal, trata-se de uma cidade de muitas oportunidades, e com algum esforço se chega a bons lugares. Ao mesmo tempo, há um número de pessoas que enriquecem sem trabalhar nem estudar. São os que apenas usufruem do erário público. São aqueles que não sabem nada além da simples arte da bajulação. Infelizmente este comportamento baixo não ocorre apenas em minha cidade e nem a partir a descoberta dos poços de petróleo por aqui. É muito mais antigo e disseminado. O professor João Fragoso ao discutir a formação da economia colonial no Rio de Janeiro e de sua primeira elite senhorial entre os séculos XVI e XVII nos relata que “as melhores famílias da terra eram produtos de práticas e instituições e de suas possibilidades econômicas”. Entre estas práticas se encontrava a administração real e a câmara municipal. Explicando melhor (se é que é necessário), “a constituição das fortunas daquelas famílias se baseou na combinação de três práticas vindas da antiga sociedade lusa: a conquista/guerras, a administração real e o domínio da câmara municipal que lhes dava a possibilidade de intervir no dia a dia da colônia”. Qualquer cidadão muito mal informado saberá dizer a quanto custo se formam as fortunas de determinados políticos de sua localidade. Veja-se o caso de muitos vereadores do norte fluminense de onde brota o ouro negro. Qualquer semelhança não será mera coincidência.
 Continuando com João Fragoso, o mesmo nos diz que esta forma de arrecadação de divisas era provavelmente o mecanismo mais eficaz “já que permitiam a apropriação de recursos não de um ou outro setor particular da economia, mas sim de excedentes gerados por toda uma sociedade colonial em formação”. Como excedentes nos dias atuais leia-se além dos impostos pagos por todos nós, os Royalties do petróleo.
Muitos de nossos costumes, ou melhor dizendo, maus costumes provem de nossos antepassados portugueses, que em matéria de corrupção já a praticavam em larga escala a séculos. Má administração, desvio de recursos e uso de cargos públicos para benefício próprio eram práticas comuns entre nossos antepassados lusitanos. Alberto Paim em seu livro “De Pombal a abertura dos portos” nos relata que “o problema econômico de Portugal não era o das indústrias; sim outro, mais complexo e com raízes profundas no próprio ser da nacionalidade: administração ineficiente; um império colonial desproporcionado pela extensão... gente inclinada a vida aventurosa... aos ganhos depredatórios...aos fáceis empreendimentos...
A respeito das negociatas das empresas lusas no comércio entre as colônias e a metrópole, há um relato dos administradores do porto de Cacheu próximo a Bissau a respeito da qualidade dos panos negociados pelos comandantes das embarcações portuguesas. O que ocorria era que os comandantes levavam, por exemplo, dois tipos de tecido; um de péssima qualidade que eram de propriedade do governo, e outro de qualidade muito superior, mas que pertenciam aos comandantes das embarcações portuguesas, que deixavam de vender as mercadorias das empresas do governo para vender as suas de melhor qualidade.  Gilberto Paim cita que “os agentes da empresa no arquipélago e na costa da áfrica comerciavam escandalosamente em proveito próprio e em sociedade com os capitães mores e outras autoridades, apresentando os escravos por preços superiores ao seu custo real e elevando o montante das listas de compras com falsas despesas, como sustento e vestuário da escravaria.”
Não é difícil de encontrar semelhanças com as práticas corriqueiras de nossas instituições políticas atuais. As notas superfaturadas, frias, mercadorias que nunca foram compradas, as empresas fantasmas e ONGs que só servem para atuar em benefício próprio daqueles que as dirigem. Pode-se notar que nossos políticos atuais nada criam, pouco fazem se não reproduzir antigas práticas condenáveis aos olhos da moralidade, mas que aos olhos da realidade não são nem um pouco condenáveis...
João Fragoso citando Nuno Monteiro falando a respeito daqueles que progrediram através das concessões reais, as conhecidas mercês, diz que uma das conseqüências de tais práticas “teria sido a formação de uma nobreza não tanto constituída por grandes proprietários, mas principalmente por beneficiários de favores do rei, ou melhor, por aqueles cujas rendas eram dadas pela coroa (o governo). Quantas são as pessoas que conheço que só vivem, e devem tudo aquilo que conquistaram a bajulação e rendas provenientes disto. Triste as vezes é ver alguns se vangloriando de suas conquistas provenientes de determinadas “assessorias”...
Além destas formas de enriquecimento e destas pessoas, havia outros mortais que conseguiam “vencer na vida” por artifícios semelhantes. Vejam e comparem com algumas práticas atuais. Fragoso nos diz que “outra possibilidade prática dada pelo sistema de benesses, e comum nas diferentes partes do império, era o uso dos postos concedidos pela Coroa para fins menos nobres do que servir o rei.” O mesmo autor relata que segundo o cronista do século XVI, Diogo Couto, “nos soldados da Índia era corrente a mecanização e vil sutileza de adquirir dinheiro, sendo os capitães das fortalezas tanto mercadores quanto militares”. Numa carta em que o mesmo enviara a Lisboa no ano de 1682 em que constava uma denúncia do provedor mor da fazenda real de Angola, era denunciado o capitão do presídio de Ambarca por ter vendido “seu posto por quarenta cabeças de escravos”(!). Não sei se felizmente ou infelizmente, mas pelo menos aqui, nossos oficiais militares não podem negociar desta forma seus postos de comando de presídios ou batalhões... Fragoso conclui que “cabe sublinhar que o que estava em jogo não era tanto os salários pagos pela real fazenda, mas sim, e principalmente, os emolumentos que deles, entre outras possibilidades, podiam auferir”. Fazendo uma análise dos salários dos policiais militares de nosso estado, e da prática vil adotada por muitos deles, encontraremos várias continuidades desde aquela época.Enfim, não faltam similaridades, continuidades e falta de rupturas com um passado e com determinadas práticas que já deveriam ter sido extirpadas há muito. Muitos daqueles que se incubem da tarefa de nos representar e nos proteger se utilizam de seus expedientes para lesar sua própria sociedade. Muitos vivem apenas disto, como pragas ou mesmo parasitas que apenas absorvem aquilo que outros se esforçam para construir.
Como é sabido, o assalto a rés pública é hoje difundido e praticado em larga escala por praticamente todas as instituições nacionais de diversas formas. Poucas se saem ilesas de um inquérito apurado.
Continuando com a análise de nosso não tão glorioso passado, vejamos o trecho da pesquisa de Fragoso que trata da atuação de alguns magistrados do século XVII. Este autor relata que “o titular do juizado de órfãos controlava a arca dos órfãos, cofre onde era guardado o dinheiro e rendimentos das fazendas herdados dos pais falecidos. Numa carta anônima de 1676 os ministros eram acusados de abusos:” em lugar de vestir os órfãos os deixam nus, por que todos os bens que os órfãos herdam de seus pais ficam nas mãos do juiz, escrivão e repartidores”.

Couto Reis em seus manuscritos de 1785 faz uma crítica a câmara dosenado de Campos, seria a Câmara dos vereadores da época. Dizia ele o seguinte:

 
A sua política é a mais perniciosa; podendo nela mais o respeito dos homens poderosos que o zelo do bem público, e o aumento do real serviço. Nas eleições dos que hão de servir os ofícios públicos, é aonde se conhece claramente o clandestino procedimento dos senadores, atendendo mais as paixões próprias, e do interesse particular, que o adiantamento da pátria; por cuja causa, é o seu ponto objetivo introduzir nos ditos ofícios as pessoas do seu séquito, sejam, ou não capazes de exercitá-los, para que tendo as propícias, possam melhor desempenhar os seus intentos, e praticar violências, que deterioram o comum da sociedade.”p.66.

Como podemos ver, as noticias de policiais, políticos, juízes, banqueiros, comerciantes e empresários praticando crimes dos mais variados não são práticas recentes, e se há outra coisa comum a estes crimes do passado com os do presente, é sem sombra de dúvida a tão conhecida impunidade.  Hoje como naquela época apenas alguns “eleitos” é que podem usufruir daquilo que a maioria tanto se esforça para produzir. É a grande massa trabalhando para sustentar um pequeno grupo que nada lhes dá em troca, a não ser as migalhas que caem de seus banquetes.. No passado, assim como atualmente grande parte das pessoas poderosas de nossa sociedade retirou seu poder usurpando aquilo que era produzido pela massa de trabalhadores. Marx não estava errado quando disse que a propriedade é um roubo.
 Dizem que é a oportunidade que faz o ladrão, mas eu diria que alguns buscam esta oportunidade e sonham ser na vida esses ladrões. Ladrões do dinheiro público...  

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