domingo, 14 de novembro de 2010

"ISTO CHEIRA A DECOMPOSIÇÃO CADAVÉRICA"...

A frase acima é atribuída ao ilustríssimo Rui Barbosa, fazendo uma referência ao estado em que se encontrava a monarquia as vésperas de sua derrubada no dia 15 de novembro de 1889. De fato tratava-se de um momento conturbado. A república era um fato que já assolava todo o continente, e o Brasil era a única monarquia nas Américas desde sempre, e naquele momento, mais do que moribunda.
As convulsões sociais no Brasil eram enormes. Republicanos, monarquistas e membros da guarda negra- adoradores da princesa Isabel, que alguns acreditavam ser a “redentora de sua raça”- se digladiavam pelas ruas. Na intimidade da família real, havia a espera pela morte de Pedro II, fato que causava conflitos por conta da sucessão disputada entre Isabel e Pedro Augusto, filho de Leopoldina, outra filha do imperador já falecida. Os militares se encontravam insatisfeitos com o pouco prestígio que detinham no governo. Acreditavam que após a vitória na guerra do Paraguai, teriam mais destaque na vida pública do país, fato que não ocorreu. Segundo Mary Del Priori, “falava-se muito a respeito da substituição dos batalhões de Corte pela Guarda Nacional, e até que escravos fiéis a princesa atacariam quartéis onde houvesse militares favoráveis a causa republicana.” Havia também os senhores de escravos que não digeriram a abolição da escravatura, e começam a retirar seu apoio à família real, além de conflitos com a igreja católica, que também perdera com a abolição, afinal, era uma das maiores possuidoras de escravos do país.
O caso da igreja era bem mais complexo. Havia a questão do padroado em que o imperador era quem nomeava os padres e lhes direcionava as paróquias. Para se conseguir uma paróquia importante, era necessário o contato com famílias importantes, próximas ou pertencentes a Corte. Logo, havia uma dependência muito grande do monarca. Logicamente que havia um grande descontentamento entre os que não eram agraciados com esta ou aquela paróquia. Havia também por parte da igreja a crítica à participação dos maçons no governo, que entre outras coisas, pregavam a separação entre estado e religião.
As idéias positivistas trazidas por membros da elite do país, que haviam ido a Europa estudar e voltaram trazendo novas visões de mundo começaram a se disseminar entre vários círculos do país, principalmente entre os mais intelectualizados.
Com isto, a Corte se afastava a cada dia das elites do país, tendo em contrapartida uma maior aproximação das camadas populares, principalmente devido a abolição da escravatura. Este ato irá fazer com o último sustentáculo da monarquia se afastasse: os senhores de escravos. Pronto. Não havia mais por que continuar com a monarquia no país. Os últimos interessados em sua manutenção haviam se retirado.
Apesar de tudo isto, mesmo com toda a convulsão republicana, a monarquia isolada dava festas. De outro lado, os militares tramavam. Reunidos no Campo de Santana, no centro da cidade do Rio de Janeiro, Deodoro, Constant, Rui Barbosa, Quintino Bocaiúva entre outros, chegavam a uma conclusão: era chegada a hora. Deodoro não estava bem de saúde. “Concordou antes dizendo:” eu queria carregar o caixão do imperador, a quem já está muito idoso e a quem respeito muito “(apud, PRIORI, 2007). Em seguida disse: “não há mais o que esperar! Façamos a república!”
Elio Chaves Flores narra os fatos ocorridos logo após a proclamação da república a quinze de novembro de 1889 pelo marechal Deodoro.
O autor faz uma alusão no início de seu texto, ao romance Esaú e Jacó de Machado de Assis publicado no ano de 1904, em que ambos são apaixonados pela mesma mulher. Os dois personagens principais do texto divergem na política, sendo um monarquista e o outro republicano, e ambos se mostram perplexos de como o império do Brasil se transformou em república.
Elio Chaves utiliza-se deste texto para iniciar seu relato, pois Machado de Assis é contemporâneo aos acontecimentos, e a perplexidade dos personagens da narrativa são possivelmente os sentimentos mais expressados á época, pelo menos por aqueles que estavam envolvidos com os rumos políticos do país.
É algo comum ao estudarmos o período inicial republicano, as referências a respeito do ocorrido, a república que havia sido instalada. Muitos diziam que “esta”, não era a república que havíamos sonhado.
O início da república brasileira ou república velha, como ficou conhecido, é um período de consolidação de determinadas normas, de mudanças, de se deixar para traz tudo o que viesse a ser lembrado ou fizesse alguma referência ao regime recentemente derrubado, ou seja, o regime monárquico. Um momento, segundo o autor, de consolidação de simbologias e mitos que passariam a fazer parte do imaginário popular sempre que se fizesse alguma referência à república. Falo de seus” heróis” e de seus atos de heroísmo, como o caso de Tiradentes, o mártir da independência, que dificilmente poderia ter sido líder do movimento da inconfidência mineira, visto que no grupo de revoltosos havia vários políticos influentes, coronéis e tenentes-coronéis, grandes fazendeiros entre outros. E pode-se entender o porquê de somente o alferes ter sido condenado à forca: era provavelmente o que menos influência possuía, pego como bode expiatório e utilizado como exemplo para outros possíveis revoltosos.
Inicialmente, de acordo com o texto de Élio Chaves, haveria uma contradição entre monarquia e república, em que a monarquia praticava a desigualdade, “em que somente os grandes homens têm as virtudes da honra e do melhoramento material e espiritual”. Os republicanos viriam para desfazer estas desigualdades, “acreditando” que esta seria o exercício do bem comum, do “respeito” a coisa pública. O que se pôde ver na prática foi algo bem diferente. A república não aboliu o direito dos monarquistas. Flores destaca que até pensões a monarquistas continuarão sendo pagas e muitos destes monarquistas permaneceram no governo republicano.
A república brasileira se inicia nas mãos de militares, é proclamada por um deles, e os dois primeiros governos ficam em suas mãos.
Flores ao analisar um texto de Antonio Prado em que o mesmo diz que a tomada de poder pelos militares, teve a aceitação popular, questiona famosa observação de Aristides Lobo que disse que a população assistiu ao quinze de novembro “bestializada, atônita, surpresa, sem conhecer o que significava”. Creio eu que realmente a maior parte da população não entendeu o que estava se passando. Como nos dias atuais, a alienação é um dos principais adjetivos dados ao povo brasileiro. Mas Flores apresenta a afirmação logo em seguida, dizendo que atualmente tem surgido novos estudos em que o povo aparece com atitudes políticas que não estariam nada próximas da passividade.
O governo republicano surge como sendo um alvo de grandes questionamentos principalmente por parte daqueles que estavam na monarquia e perderam com o seu fim. O governo do marechal Deodoro assume já se parecendo com uma ditadura, e não com um governo republicano. Deodoro viola a constituição que ele mesmo ajudara a criar. Segundo Flores este ato fez com que grupos organizados se unissem para resistir aos atos de força deste governo.
Havia entre os deodoristas, grupos que acreditavam que a república instaurada seria à volta por cima dos militares, que durante o período monárquico, sempre estivera à margem dos acontecimentos. A substituição de Deodoro por Floriano Peixoto, segundo Flores, apenas aumentaria a crise institucional e o radicalismo dos grupos envolvidos que se tornaria intenso até os contornos da guerra civil.
Os governos militares do início da república, como confirma Flores, foram de intensos embates políticos, conflitos entre monarquistas ferrenhos e republicanos, que segundo alguns, não tinham princípios para governar. O governo de Floriano Peixoto será ainda mais conflituoso, com uma guerra civil estourando em diversas regiões do país, principalmente no sul, onde Júlio de Castilhos usará mão de ferro para conter as revoltas. As discussões dentro do governo giravam em torno de quase todos os assuntos, inclusive sobre quem seria o fundador da república: Benjamim Constant ou Deodoro?
Os conflitos logo explodem no país, entre federalistas e republicanos radicais. Vários problemas se sucedem e o ano e 1892, “findaria em ebulição”: Acontecimentos belicistas no Rio Grande do Sul; a crise econômica financeira com a desvalorização do meio circulante e a retração do crédito; agitação social e política no distrito federal e em outros estados, indisciplina na armada, e vários outros problemas que fazem com que este período seja um dos mais turbulentos de nossa história até então.
No ano de 1893, a situação se tornou tão insustentável, que acabou por evoluir para a guerra civil. Neste momento tivemos o acontecimento conhecido como revolta da armada, devido à grande influência que a monarquia exercia sobre a marinha, e que seria seu grande reduto. Os conflitos ocorridos neste período foram muito mais graves do que aqueles que ocorreram, por exemplo, durante o golpe militar de 1964, e por acaso é um período que me parece ser menos estudado. Apesar das torturas, dos desaparecimentos e falta de liberdade, os acontecimentos do início da república são de uma selvageria assustadora, principalmente a partir da revolução federalista, em que a prática da degola foi algo utilizado em demasia pelas tropas tanto legalistas, quanto federalistas.
Flores “relata que os dois acontecimentos, a revolta da armada e a revolução federalista” tinham apenas um fator em comum, a hostilidade ao legalismo florianista.” A revolução federalista prossegue até o ano de 1895 em diversos pontos do estado Rio grandense, leva milhares de pessoas a morte, e os relatos que se tem destes acontecimentos nos mostram uma sucessão de horrores dignos de filmes de terror. Flores também ressalta que a prática da degola, extrapolaria a sua própria cronologia, chegando a um outro acontecimento que tanto mancha a história do exército, quanto do nosso próprio país; Canudos.
A república que se consolidaria após estes acontecimentos, seria a república dos coronéis, dos barões do café, apenas visando seus interesses e buscando uma república que atendesse a os interesses de todos os iguais. Iguais a eles mesmos. Iguais aos políticos de hoje em dia. Iguais aos coronéis que todos nós conhecemos bem, que nada mais são do que os netos e bisnetos daqueles de outrora. No mais, neste dia 15 deixo um viva! Viva A republiqueta Brasil! Grande abraço a todos.
                                                                                Alex Grijó

Nenhum comentário:

Postar um comentário