sábado, 10 de maio de 2014

Incertezas...


Algumas coisas não nos chegam da forma como deveriam. As informações televisivas hoje sempre me soam falsas. Existem diversos índices que não nos são revelados, e quando os são, sempre é de forma parcial. Vejamos algumas questões.
O Brasil é hoje um dos países com maior número de assassinatos praticados por policiais no mundo. Matamos mais no Rio de Janeiro do que em países inteiros mundo afora. Nossa polícia é especialista em autos de resistência. O número de mortes em áreas pobres cresce a cada dia.
O consumo de drogas, que não tem na favela sua maioria de consumidores, cresce. O crack se torna algo assustador em nosso cotidiano. Pessoas passam a consumir esta droga e a viver como zumbis em nossas ruas e praças.
Há atualmente um crescimento dos que defendem que a diminuição da maioridade penal seria a solução para conter crimes praticados por adolescentes. Existem algumas informações sobre estes assuntos que são pouco discutidas por nossa mídia. Algumas perguntas ainda devem ser feitas, como, por exemplo, o que fazer para conter o aumento de tantos crimes em nosso país? Estariam certos os defensores de medidas mais drásticas por parte do Estado para com adolescentes, consumidores de drogas e moradores de periferia?
Para Orlando Zaccone, delegado de polícia civil do Estado do Rio de Janeiro e também Doutor em Ciência política pela UFF, não será mais criminalização que irá resolver o problema. Em uma recente entrevista, o Doutor Zaccone apresentou dados pesquisados pelo mesmo e que fazem parte de sua tese de doutorado recém-defendida[1]. Zaccone nos diz que “somos o quarto país do mundo que mais encarcera e mesmo assim nossa criminalidade não se reduz”.
O delegado faz uma crítica ao papel do Estado e da atuação de suas polícias. “a República brasileira é violenta no sentido de construir e identificar setores na sociedade como inimigos matáveis”. Entre estes inimigos “matáveis” ele cita sempre os mais frágeis da sociedade ao longo de sua História; os balaios, os seguidores de Antônio Conselheiro, os subversivos da ditadura, os traficantes de drogas, e hoje os Black Blocks.
A respeito daqueles que defendem a pena capital como solução para a violência, segundo suas pesquisas, fiquem tranquilas; matamos muito mais sem a pena de morte. Em pesquisa da anistia internacional para o ano de 2011, o Doutor Zaccone nos diz que só nos Estados de Rio e São Paulo o número de mortes é 42% maior que em todos os países com pena de morte no mundo, com exceção da China em que não foi possível conseguir dados. Se mortes e assassinatos resolvessem o problema...
Só para citar números, no ano de 2007 a polícia do Rio de Janeiro matou em autos de resistência mais de 1300 pessoas. Para o ano de 2012 reduzimos este número para 400 mortes. Mas para Zaccone (e para mim também), este número é assustador, já que nos EUA em um ano, em todo o seu território, este é o número médio de mortos pela polícia americana. A polícia do Rio mata mais que todas as polícias de todos os Estados Americanos juntas.
Sobre as Upps, Zaccone revela que antes da entrada das bases o que ocorreu nas favelas cariocas foi uma pré-pacificação. “toda a letalidade subiu a partir do ano 2000”. É a partir de 2008 que as Upps serão criadas. E isto também coincidiu com visitas de Sérgio Cabral a Colômbia, onde o rigor do Estado produzia cenas em que caminhões entravam em áreas pobres para retirar mais e mais corpos.
Para o professor Marcelo Torelly, da Universidade de Oxford, estes comportamentos violentos por parte de nossas forças de segurança fazem parte de uma herança histórica do período pós 1964. Segundo o mesmo “as atuais violações de direito por forças de segurança, a criminalização de conflitos sociais e a histórica impunidade dos indivíduos “diferenciados” são heranças da legalidade assimétrica reforçada no período da ditadura “[2].

Com relação aos adolescentes praticantes de atos infracionais, Pesquisas realizadas pela Ordem dos Advogados do Brasil e pelo Ministério da Justiçam afirmam que menos de 1% dos crimes cometidos no país são cometidos por adolescentes entre 16 e 18 anos (0,9%). E os crimes que culminam em assassinato são menores ainda: 0,5%. Acreditar que a diminuição da maioridade penal irá resolver o problema da violência é no mínimo uma ingenuidade. Só para se ter uma ideia, A média de reincidência em instituições paulistas para menores infratores é de cerca de 20%.Nos presídios brasileiros os que voltam a cometer crimes ficam em torno de 60%.
Para Paula Miraglia, Diretora executiva do ILANUD (Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente) e autora da dissertação “Rituais da violência – a FEBEM como espaço do medo em São Paulo” (USP, 2002) “O aumento das taxas de homicídios no Brasil está imediatamente relacionado ao crescimento do número de crimes praticados contra a juventude, atingindo majoritariamente jovens do sexo masculino e da “cor” ou “raça” negra”[3]. Ou seja, os jovens pobres e negros são os que mais sofrem com a violência no país, e não os principais responsáveis.
Um livro interessante lançado em 1982 e que trata das relações dentro de instituições para menores foi “A queda para o alto” de Anderson Herzer.[4] Ex Interno da FEBEM, Anderson, que passa a ser conhecido como “vera” ou bigode devido a sua sexualidade, apresenta uma visão da dura vivência dentro do centro de horrores que é a instituição. Em sua narrativa ele destaca sua relação com o diretor e os agentes “educacionais”. Nas sessões corretivas que o diretor organizava “as detentas conhecidas como machões incluíam socos na cara, chutes nas costas, além de dias em que tinham de ficar quase o tempo inteiro parados no pátio principal de short e camiseta com direito a somente quatro horas de sono[5].
Situações como esta são corriqueiras em instituições para menores infratores. Não se reeducam menores em FEBEMs e Funabems deste país. Se acreditarmos que colocar jovens em presídios resolverá o problema da violência praticada pelos mesmos, estaremos cometendo um erro incalculável e que em muito pouco tempo teremos as respostas nossos índices de criminalidade.

Temos de nos fazer algumas perguntas; será que os que defendem que a cadeia é a solução para menores infratores acreditam que nossos presídios solucionam algum problema? Acreditam que na cadeia há alguma regeneração?   Será que não irão sair piores ao se relacionarem com criminosos de alta periculosidade em um momento em que estão ainda em formação como ser humano? Será que pessoas deixam de cometer crimes por saberem que suas penas serão muito longas e rígidas? Os estupros diminuíram apenas por se tornarem crimes hediondos? Mulheres deixaram de sofrer violência graças a Maria da Penha? E o tráfico de drogas? Diminuiu? Algum adulto deixa de traficar ou de matar por saber que poderá ficar trinta anos na cadeia?
Deveríamos ter um pouco mais de cuidado e de critério ao analisar reportagens jornalísticas que não relatam estes fatos. Jornais querem vender. E polêmica vende muito. A sociedade deveria estar mais atenta. Discutir estes fatos. Cobrar medidas socioeducativas e não pedir mais violência para conter a criminalidade. A maioridade penal não será reduzida. É algo muito difícil. É uma cláusula pétrea de nossa Constituição. Devemos voltar nossa discussão e nosso senso crítico para medidas que de fato possam ser colocadas em prática e que podem realmente produzir melhorias.
Creio que estas perguntas deveriam ser respondidas primeiro antes de pensarmos em aumentar o número de pessoas dentro dos presídios deste país. Deveríamos antes brigar por respostas de nossas autoridades no que diz respeito a questões de educação e projetos eficazes de ressocialização de menores infratores, da atuação de nossas polícias e da descriminalização da maconha. Países muito avançados estão com seus presídios vazios. A Holanda, Cuba e a Suécia são grandes exemplo disto. E o que será que eles possuem que nós não possuímos? Devemos buscar respostas. E por que não investirmos em políticas de socialização de menores carentes, Para que antes de cometerem crimes, tenham oportunidades de ascender socialmente de uma forma honesta e vantajosa?
Acredito que devemos ter mais dúvidas do que certezas, Porque Nossas cadeias estão cheias e ninguém sai de lá melhor do que entrou. Ou será que sai?




[1] Entrevista concedida a Ronaldo Pelli, para a Revista de História da Biblioteca Nacional, edição número 103, ano 9, Abril de 2004. Paginas 44-45.
[2] Direito versus democracia. Marcelo Torelly. Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 9, número 103, abril de 2014, p.26.

[3] Juventude ferida.  Paula Miraglia. Revista de História da Biblioteca Nacional. Edição nº 25 - Outubro de 2007.

[4] HERZER, Anderson. A queda para o alto. São Paulo. editora Vozes, 1982.
[5] Para romper a invisibilidade. Seção documento. Por dentro da biblioteca. Revista de História da Biblioteca Nacional. Março de 2014. P.90-91.

Nenhum comentário:

Postar um comentário