quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Os Henriques e os camarões de Macaé...





       É sabido que por volta do ano de 1630 os padres da Companhia de Jesus se estabeleceram  no que hoje é o município de Macaé, se instalando na localidade onde hoje se encontra o morro de Santana e o bairro Aroeira. Alí eles estabeleceram currais para receberem gado que estivessem vindo dos Campos dos Goitacases. No fim deste século 17, e início do 18 estes religiosos irão construir engenhos para a produção do tão valioso açúcar. Os engenhos serão construidos um no bairro Aroeira, aos pés de morro de santana, e o outro as margens da lagoa de Imboassica na hoje divisa com o município de Rio das Ostras. Segundo a Historiadora Márcia Amantino "ainda que a justificativa dos inacianos para a solicitação de terras tenha sido a necessidade de estabelecer os indígenas, isto não se concretizou". A fazenda e seus engenhos eram tocados por escravos africanos, e não escravos indígenas. Não houve aldeamento índigena nas proximidades do litoral de Macaé iniciado pelos jesuítas. Diferentemente de Macaé, em Campos dos Goitacases os padres chegaram a aldear indígenas.
        Manuel Martins do Couto Reis em seus mauscritos de 1785, descreve a região norte fluminense em seus pormenores e relata um pouco do que viveu e da atuação dos soldados de cristo na região e de seu trato com os povos autóctones. Couto Reis mesmo sendo um admirador da ordem jesuitica teceu alguns comentários negativos a respeito dos mesmos e de sua relação com os africanos e indígenas. Sobre a escravidão praticada pelos religiosos em Campos dizia ele:
                 
                            “Nada poderá haver de mais sensível à vida humana, que a triste condição do cativeiro, e em consequência deste, mal pode um coração viver tranquilo, por mais agrados, que receba de benigno senhor; pois basta a lembrança da perdida liberdade, para serem as mortificações continuadas.

E  continuava ,
                                estes padres tão versados em ardis, com manha inexplicável, reduziram muitos índios, e os aldeavam, depois de instruídos na doutrina cristã; nada mais faziam a benefício, que se utilizassem dos serviços em que o empregavam, tratando os como seus escravos. Quem tem completo conhecimento do espírito jesuítico, muito bem sabe que tinham por um princípio, e ponto de política ocultarem aquela gente tudo, que era ciência, e artes mais sublimes a fim de que com maiores noções, não viessem a aspirar uma vida mais honrosa, e civilizada; por que em tal caso decairia a sujeição, e se acabaria o império que dominavam”.
 
 O aldeamento mais conhecido na região do hoje município de Macaé foi realizado pelo padre secular Antônio Vaz Pereira, que no ano de 1747 criou um aldeamento na região de Nossa senhora das Neves, no sertão do rio Macaé.
Voltando aos padre jesuitas, há um fato interessante a respeito de sua conduta na região perante os poucos habitantes que por aqui já viviam nos séculos 17 e 18. Márcia Amantino em artigo publicado no livro "Povoamento, catolicismo e escravidão na antiga Macaé", nos apresenta um exposição feita pelo presbítero Vaz Pereira ao Rei de Portugal em 1757 em que o religioso apresenta algumas queixas a respeito do comportamento dos jesuitas. Diz Pereira que poderia ter feito muito mais pelos indígenas, não fosse a atuação em contrário por parte dos inacianos, que tratavam os indígenas com muita violência, escravizando-os sem nada lhes dar em troca..."Afirmava que o padre José dos Reis, feitor da fazenda dos jesuitas, praticava abusos contra a população da região. Mandava bater naqueles que não obedeciam as ordens, ateava fogo nas casas, confiscava madeiras sob o pretexto de que as mesmas haviam sido tiradas das terras da fazenda, e espancava cruelmente os índios e os negros que trabalhavam sob seus domínios e, em alguns casos, até mesmo os escravos de outros senhores, e as vezes homens livres( AMANTINO,2011,p.46).
         Vaz Pereira continua seu relato descrevendo o poder e a forma de exercê-lo dos jesuitas perante os habitantes da região. Os inacianos teriam uma espécie de milícia composta de índios e negros que era conhecida por "Henriques e camarões". Amantino nos diz que a frente do grupo vinha um dos milicianos com uma caixa de guerra e que este grupo teria "sido responsável por diversas violências contra os moradores e, em muitos momentos, o próprio jesuita saía no meio de seus gritando palavras de ordem contra menbros da população"(AMANTINO, p.46). Eis um trecho da carta de Vaz Pereira ao Rei de Portugal
 
                                "  Com armas de fogo, chuços e lanças mandou a casa de Manoel Rodrigues pobre serrador e tomu-lhe seu tabuao, dizendo confiscava por ter serrado nos sertões que pertencem ao seu col´egio, sendo falso. Da mesma forma andou buscar amarrado a Luiz Vieira, pardo forro, para o castigar por outro tanto tabuado que lhe tomou...Dando se ali umas pancadas de noite em um homem chamado bananeira, marchou o dito padre Reis no centro de seus Henriques e Camarões dizendo em voz altas, matem a que acharem!" 
 
Os conflitos entre ambos permaneceram e chegaram a extremos. Vaz Pereira relata que até sua casa fora queimada por ordem do padre Reis. Ele escreve ao Rei relatando e pedindo providências, entre as quais a retirada do jesuita da localidade.
 Os inacianos que utilizavam de terror contra a pequena população local foram retirados da região no ano de 1758, um ano após a exposição da carta de Vaz Pereira, e um ano antes da expulsão dos jesuitas do país pelo Marques de Pombal. Foi o fim de uma era de terror...

Bibliografia:
Povoamento, catoloicismo e escravidão na antiga Macaé( séculos XVII e XVIII) Márcia Amantino, Claúdia Rodrigues, Carlos Engemann, Jonis Freire( organizadores). Rio de Janeiro; Apicuri, 2011.

Manuscritos de Manoel Martins do Couto Reis. 1785.


 

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