quinta-feira, 26 de maio de 2011

SOU FERNÃO CAPELO GAIVOTA...

Introdução

A história do Cristianismo, como bem sabemos, é marcada por inúmeras controvérsias, inverdades, plágios de religiões, de heróis mais antigos, assassinatos, luxúria, pedofilia e muita, muita insanidade. Obviamente que houve outros fatos não apenas de oralidade duvidosa. Existiram pessoas de boa índole neste meio. É também óbvio que este número é inferior aos gananciosos e desinformados seguidores do cristo. Segundo Jacopo Fo,

Viram-se sacerdotes que construíram comunidades de índios e morreram com eles quando os conquistadores católicos decidiram que se agrupar em comunidades igualitárias e não pagar impostos constituía um crime contra Deus e a Coroa. Existiram sacerdotes que fundaram cooperativas e escolas para trabalhadores, que organizaram caixas de assistência mútua e ajudaram judeus e ciganos perseguidos a fugir... Mas essas pessoas, que por dois milênios contribuíram enormemente para melhorar a condição humana e civil dos mais fracos, raramente faziam parte dos vértices da Igreja.[1]


Na verdade, o comportamento da maior parte dos religiosos passa bem longe de qualquer idéia de caridade ou amor ao próximo. Se fizermos uma análise minuciosa da bíblia, veremos que de fato, talvez, a maioria não esteja errada. Com exceção de alguns casos condenáveis dentro dos textos, como a homossexualidade, boa parte dos crimes cometidos por cristãos diariamente seriam aceitos e incentivados por deus. Logicamente que encontraremos passagens dizendo que matar não é correto e não deve ser prática. Mas, como os textos sagrados são cheios de controvérsias, encontraremos outras passagens que dirão que isto pode ser feito em vários casos e com o aval celeste. Sexo com as filhas, escravidão, submissão das mulheres, sermos todos iguais perante a deus (a bíblia discrimina os deficientes, que incoerentemente são criados assim pelo próprio deus. Seria um erro de sua parte, a ponto de ficar envergonhado e não querer a  presença destas pessoas ?), tudo isto é descrito nos textos bíblicos sem ser condenado.
Há momentos em que alguns bem intencionados cristão buscaram desenvolver uma vida diferente daquilo que viam ser praticada pelos líderes da igreja, que viviam no luxo, cheios de posses, enquanto que muitos fiéis até fome passavam. Estes, que buscaram novos meios de comunhão, se viam na iminência de serem perseguidos pela igreja. Um dos problemas é que buscar outra forma de encontro com o cristo, poderia por em xeque a missão da igreja, e conseqüentemente trazer-lhes certos prejuízos materiais, sem os quais, muitos padres e bispos não teriam sido tocados pelo poder da fé divina do cristo e não teriam abraçado a doutrina da religião.

Jacopo Fo nos apresenta uma visão destas situações conflitantes ocorridas há alguns séculos atrás, mas que foram recorrentes tanto antes quanto depois deste período. O autor nos diz que

No século X, começam a nascer em toda a Europa grupos de fiéis que pregam e aplicam a comunidade do bem, a fraternidade, e recusam a autoridade eclesiástica. Combatendo esses movimentos, as hierarquias eclesiásticas e nobres (que muitas vezes são a mesma coisa) se organizam para exterminar os habitantes de regiões inteiras, condenando os sobreviventes ao suplício público. Isto tudo apenas por terem apoiado a tese de que Jesus e os apóstolos não possuíam riquezas ou bens materiais.[2]


Logo, podemos questionar se o que realmente nos sobrou nos dias de hoje se trata realmente da doutrina cristã, ou de alguma coisa próxima, mas com menos escrúpulos possíveis?
Aliás, em se falando de riquezas materiais, a igreja católica é o supra-sumo dos poderosos e possuidores de bens terrenos. Deve-se enfatizar que a igreja hoje é apenas uma sombra do que fora no passado. Suas possessões chegavam a incluir metade das casas de cidades inteiras em várias partes do mundo. Quase ninguém possuiu tantos escravos enquanto durou a escravidão moderna. Veja-se, por exemplo, o caso de suas propriedades na América espanhola, como a cidade do México nos séculos XVIII e XIX, só para citar um exemplo. Abordarei estas questões em capítulos posteriores.
Tentarei fazer uma abordagem bíblica, fazendo comparações e relacionando os fatos ali descritos sempre que possível, com acontecimentos mais modernos na história humana. Não haverá delimitações temporais e ou espaciais neste texto. Apresentarei algumas contradições descritas nos textos sagrados, e como passam despercebidos para a maioria dos seguidores da palavra (que provavelmente só a seguem, sem ler sequer uma página).
Escreverei sobre a idéia de deus, seus ensinamentos, suas controvérsias e o comportamento cristão, buscando explicitar dúvidas que provavelmente surgem a qualquer leitor cético e que utilize como base em seus estudos a racionalidade e se permita o ato de questionar aquilo que lhe é colocado como verdade.  
A idéia deste texto não é a de apresentar respostas para dúvidas que muitos possuem, mas sim apresentar outros pontos de vista para que sejamos levados a questionar nossas certezas, e quem sabe, a partir daí, já sem medo, possamos ter um pouco mais de liberdade de pensamento e entendimento de como as coisas de fato funcionam (bem, assim eu acho).

1ª Parte
           
Bem, vou Tentar explicar da maneira mais clara possível os motivos que fazem ou que fizeram eu hoje ser uma pessoa sem crenças mítico-religiosas seja em qual for à divindade. Para muitas pessoas próximas isto é algo chocante. Talvez por desconhecerem aquilo que conheço. Talvez não tenham tido acesso as informações que eu tive, e por isso não consigam entender minha falta de fé naquilo que muitos possuem como uma verdade infinita.
Não sou o tipo de pessoa que tenha a pretensão de possuir alguma verdade pronta e acabada. Não acredito em quase nada do que vejo. Acho muita pretensão achar que podemos conhecer os mistérios do infinito, do tempo, da infinita imensidão do espaço. Pobres de nós...Sócrates já dizia:”só sei que nada sei”.E eu aprendi um pouco na vida a medir o tamanho de minha humilde ignorância...
Durante a maior parte de minha vida, acreditei existir um ser poderoso, que hoje fico meio sem saber como definir se bom, mal, ou como uma criatura cheia de defeitos humanos, que podem ser encontrados em qualquer pessoa, e que estão descritos no comportamento do deus judaico/cristão dos textos bíblicos. Deixar de acreditar e negar a existência desse ser não foi uma escolha. Não, não escolhi desacreditar. Tratou-se de um processo longo e confuso, cheio de medos e questionamentos, dúvidas uma atrás da outra, e por fim algumas conclusões que, estão sempre se reformulando, sempre ganhando novas formas, e a cada dia mais convictas, mas não de alguma certeza a respeito do tudo que existe e do que não existe, mas sim de algumas farsas não tão bem elaboradas, mas muito bem difundidas.
Não sei precisar muito bem de onde poderiam ter surgido os primeiros questionamentos a respeito da fé. Não me lembro. Lembro de sentir muito medo só de pensar no que estava pensando. Afinal, o deus de amor poderia me mandar para o quinto dos infernos quando soubesse que eu estava tendo alguma dúvida. Mas, se tinha dúvida, por que não esclarecê-la? Por que tenho eu que ter medo até do pensar? E por que deus tem medo de meus pensamentos aponto de me condenar aos infernos? Acho que se eu fosse deus não teria motivo para tanto temer. E se eu possuo a faculdade de questionar, ela me foi dada por ele, ou não?
Estava lendo o livro “não tenho fé suficiente para ser ateu”. Em seu prefácio há uma frase interessante a respeito da confiabilidade da bíblia cristã. Vejamos:
 Existem muitas provas conclusivas que garantem a confiabilidade das Escrituras, a autoridade da Bíblia como Palavra de Deus inspirada e a perfeição do registro bíblico dos eventos históricos que retrata, incluindo a vida terrena de Jesus Cristo. Há provas incontestáveis e convincentes de que o cristianismo é a única religião verdadeira, que o Deus trino que se revela em suas páginas é o único Deus do Universo e que Cristo morreu pelos nossos pecados para que pudéssemos viver.[3]

Esta passagem do livro é extremamente interessante para alguns questionamentos. Primeiro fala de eventos históricos com perfeição. Perfeição? Acho que há sérios enganos ai...
Existem passagens na bíblia de momentos “históricos” retratando a tomada de certas cidades, e que teriam passado as mãos do povo de deus. Há documentos egipicios relatando tudo ao contrário. Os egípicios tinham o costume de anotar e documentar todos os seus dados, tanto vitórias quanto derrotas. E suas provas documentais batem com escavações arqueológicas importantissimas, como a dos doutores Israel Finkelstein da Universidade de Tel Aviv, e Neil Silberman do Centre Archeological da Bélgica. Estes dois pesquisadores lançaram o livro “ a bíblia não tinha razão”, em que apresentam vários achados arqueológicos de décadas de pesquisas,e que colocaram por terra vários eventos ditos “históricos” dos evangelhos.[4] De acordo com os mesmos, a maior parte do que está na bíblia não pode ser considerado fato histórico. O genese e o êxodo por exemplo, “são relatos fundamentalmente não históricos. Eles narram o nascimento do mundo, e com ele, a epopéia de um povo que constituiu seu próprio mito de fundação em um momento no qual a idéia de unidade histórica, cultural e religiosa era crucial para sua sobrevivência”.
               
Se pararmos para analisar a maior parte dos livros bíblicos, encontrarmos contradições gritantes. Atos dignos dos maiores genocidas da humanidade. Muitos religiosos dizem que não podemos analisar as práticas daquele momento com a visão de mundo de hoje. Em se tratando de perspectivas históricas e humanas, concordo plenamente, mas quando se diz que aquele livro serve para os dias atuais, e que suas palavras provém de um ser dito “perfeito”, que de tudo sabe, e tudo vê, fica dificil aceitar esta argumentação. Eu diria que nesse caso é inaceitável tal desculpa. Afinal, ele é deus, e deus de amor e de perfeição. Não acredito que a escravidão ou holocaustos de crianças possam ser coisas válidas para qualquer que fosse a época. Por que, mesmo nestes longinquos momentos, havia pessoas que não concordavam com muitas das atrocidades bíblicas, e mesmo assim não eram deuses perfeitos.
GENÊSIS
O primeiro livro da biblia conhecido como livro de genêsis é o livro responsável pela descrição do surgimento de quase tudo que existe, com exceção de deus, que já existia. Neste livro encontramos alguns fatos curiosos e controversos, que a maioria dos religiosos apesar de sentirem intrigados, dizem ser “mistérios de deus”, que nossa simples interpretação humana não consegue compreender(?!). Marcelo Gleiser, físico brasileiro de renome internacional faz uma análise interessante a respeito do surgimento do planeta explicando-o a partir de mitos de diversas culturas até chegar a luz da ciência.
 Na maior parte destes mitos deus cria o mundo a partir do nada. Mas e antes? Antes deste tudo (ou antes deste nada). Antes de deus. Quem o criou? Ele existe desde o sempre? Sempre? Quando foi que o nada existiu? E o nada não é alguma coisa? Quem estava presente para fazer qualquer afirmação?São perguntas muito intrigantes, e que nos levam a muitos questionamentos quando paramos para refletir. A questão do surgimento do tudo, da criação do mundo, do universo são provavelmente perguntas que morrerão sem respostas para aqueles que querem mais do que simplesmente “acreditar”. A quantidade de mitos da criação surgidas ao longo de muitos séculos nos dá uma idéia de como nossos antepassados tentaram responder a estas perguntas a partir daquilo que “acreditavam”.
Estes mitos explicativos foram narrados em muitas línguas, por vários povos, alguns que já não possuem mais relatos que tenham sobrevivido aos dias de hoje. Mas, muitos outros ainda o possuem, e em muitos deles podemos encontrar muitas semelhanças.
Na Mesopotâmia antiga, atual Iraque, a criação era descrita como “uma vitória da divindade criadora sobre o caos, sendo o caos representado por uma deidade rival, um assustador dragão aquático, um monstro das enchentes.[5]
Podemos encontrar neste fato, por exemplo, grande semelhança com o mito bíblico da criação, em que o deus judaico-cristão cria a humanidade diante de todo o caos. Gordon Childe nos diz que esse caos bíblico que acabou separando o céu e a terra, nada mais era do que uma repetição, uma cópia do ocorrido na Mesopotâmia.[6]
 O mito Assírio que seria do ano 800 antes de cristo apresenta a criação do tudo a partir de um diálogo entre cinco deuses enquanto estavam sentados a conversar no céu.[7] Estes deuses representavam cada um determinado elemento da natureza: ar, terra, fogo, água e o outro que era o destino. Ao se combinarem deram origem a vida.
 A tradição dos índios Hopi que viviam na América do norte falava do surgimento do “tudo” a partir do infinito, do não ser. Gleiser no descreve este mito dizendo que “
O primeiro mundo foi Tokpeda. Mas antes, ele diz, existia apenas o criador, Taiowa. Todo o resto era espaço infinito. Não existia um começo ou um fim, o tempo não existia tampouco formas materiais de vida. Então ele, o infinito, concebeu o finito dizendo-lhe: eu o criei o primeiro poder e instrumento em forma humana. Eu sou seu tio. Vá adiante e perfile os vários universos em ordem para que eles possam trabalhar juntos, de acordo com meu plano.[8]
Como podemos ver neste mito criacionista norte americano, nossos antepassados em todas as épocas tentaram encontrar formas para explicar o surgimento da vida e do “tudo”. A pergunta, o olhar para o céu buscando uma resposta, trata-se de algo comum independente de lugar, época ou cultura.
Na bíblia judaico-cristã a criação é descrita de duas formas. Vejamos: Genesis 1,25, 1, 27 e 2, 18.
 Na próxima semana farei minha análise a respeito dos dois textos criacionistas do livro de Genesis. Até lá.


[1] Fo, Jacopo, TOMAT, Sérgio, MALUCELLI, Laura. O livro negro do cristianismo. Introdução.
[2] Idem, op.cit. p.13-14.
[3] GEISLER, Norman. TUREK, Frank. Não tenho fé suficiente para ser ateu.
[4] A bíblia e seu tempo. Documentário.
[5] MILLES, Jack. 1995.
[6] PINSK, Jaime. 1995.
[7] GLEISER, Marcelo. A dança do universo: dos mitos da criação ao Big Bang. São Paulo, Companhia das Letras, 2006, p.21.
[8] Idem, p.23.

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