terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

O continente africano e sua pluralidade.

A maioria das pessoas ao ser indagada a respeito de seu conhecimento sobre o continente africano tem na cabeça uma imensidão de terras assoladas por doenças e cheia de animais selvagens, e que seu maior produto de exportação foram pessoas para o trabalho escravo nas colônias do Novo mundo. Este é o pensamento disseminado pelo senso comum e por várias ideologias racistas ao longo dos últimos séculos. Na verdade a realidade é bem diferente desta idéia. A África é o berço da civilização humana, lugar onde sociedades extremamente complexas, com desenvolvimento em várias áreas (acima até dos europeus), foram agrupadas por convenções imperialistas européias no início do século XX, fato este que provocou e provoca enormes conflitos entre os vários grupos reagrupados em busca do controle territorial e das riquezas existentes. Muitos países africanos além de serem grandes fornecedores de inúmeros minerais para a indústria européia, americana e chinesa, possuem uma enorme diversidade de costumes, línguas, construções romanos, pirâmides egípcias, tradições e aspectos múltiplos, que se misturam e se confundem deixando evidenciar suas imensas diferenças.
A verdade é que existe um passado africano ainda pouco conhecido. Poucos sabem que nos séculos XV E XVI, poderosos reinos dominavam vastas regiões do continente, e o império do Mali chegou a ser mais extenso que o império Romano. Com o passar dos tempos, e mudanças de certas ideologias, passou-se a ver este imenso continente como marginal e atrasado, assolado por povos ignorantes que vivia em pecado e que só a “verdadeira” fé poderia salvá-los. A partir daí tem início um processo de construção de um pensamento que pudesse legitimar a subjugação de um povo, ou de vários, fato  que os europeus já estavam acostumados a fazer, vide o desenvolvimento do império Romano e sua utilização do poderio militar para subjugar vários outros povos na própria Europa, que buscavam outras formas de desenvolvimento diferente da armamentista. A chegada dos europeus e do cristianismo na África trata-se da maior enfermidade que aqueles povos poderiam sofrer em toda a sua História. O legado deixado foi de tristeza e dor. “uma frase interessante, é a de um velho senhor africano relatando a chegada dos europeus e de sua religião. Ele dizia mais ou menos assim: “quando o homem branco aqui chegou, ele trouxe a sua bíblia e nos disse que ela era o instrumento de salvação de nosso povo. Naquele momento nós éramos os donos destas terras. Hoje, passadas algumas décadas, nós temos a bíblia e eles as terras”.
A visão que temos destes povos nos dias atuais é fruto destes longos anos de espoliação e que tem provocado enormes equívocos até o presente. Atualmente até a própria ciência está mudando sua visão, e à medida que o conhecimento a respeito destes povos se dissemina, o mundo começa, mesmo que vagarosamente, a pensar a África com um pouco mais de respeito. Falamos do terceiro maior continente em superfície, três vezes maior que a Europa, e com uma população três vezes maior.[1] Infelizmente em qualidade de vida e distribuição de renda estes dois continentes são bem mais distantes. Qualquer generalização a respeito deste continente cairá em erro, pois as variadas culturas abarcando religiões, mitologias, hábitos alimentares e seu passado, guardado e transmitido de forma oral por inúmeras gerações, se difere em muito. Isto nos leva a ver que as “Áfricas” são extremamente ricas em diversidades em todos os gêneros, e que esta riqueza passa aos poucos a chegar até nós, estudantes e leitores do século XXI.
Quando se fala em cartografias, falamos em diversidades, em territórios, povos e culturas. Ao analisarmos a História do continente africano nos deparamos como uma enormidade de fatos que englobam reinos e impérios vastos com acontecimentos interessantíssimos.  Para escrever este texto, fui analisar alguns livros didáticos a respeito daquilo que os mesmos possuíam sobre este conhecimento. Não me surpreendeu não encontrar praticamente nada. Algumas poucas referências ao subdesenvolvimento, a miséria e ao tráfico de escravos.
Culturas extremamente interessantes e ricas como, por exemplo, as da Região conhecida como Mali, já citada anteriormente, e os antigos Dogons que possuíam conhecimentos de astronomia superiores ao dos europeus. Brecher (1977) diz que “os Dogons possuem conhecimentos sem apoio de qualquer instrumento da ciência, e que não possuem o menor direito de saber.[2] Na região denominada de Tanzânia, “há mais de dois mil anos os Aya produziam aço em fornos que os europeus só foram capazes de utilizar no século XIX.[3] Estes exemplos são totalmente desconhecidos da grande imensidão de brasileiros, que imaginam que o conhecimento humano deriva apenas dos saberes dos povos europeus, difusores da razão, da verdadeira religião e promotores do fim da barbárie vividas pelos povos africanos e americanos. Ledo engano. Outro exemplo de sociedade com avanço em áreas da ciência, diverso dos anteriores citados, foram os povos do atual Zimbábue. Suas construções de engenharia deixaram perplexos estudiosos europeus, que tentaram atribuir aquelas construções a povos exógenos a África. Chegou-se a falar até em alienígenas! Poderia citar vários outros exemplos de avanços de engenharia e ciência, assim como de ricas práticas culturais. Estes exemplos não foram escolhidos ao acaso. Poderia falar dos povos Egípcios, construtores das enormes pirâmides que até os dias atuais intrigam vários pesquisadores. Temos a Líbia, o Marrocos, Angola, entre tantos outros.  A questão é que esta História, destes inúmeros povos, foi deixada a margem devido a necessidade de se legitimar determinados atos, que só poderiam ser praticados contra povos bárbaros. Nascimento nos diz que,
A tentativa de eliminar a África dos anais da História não dependeu apenas do preconceito acadêmico contra as fontes orais e da alegação da não existência de sistemas de escrita na África. Baseou-se também da própria definição da civilização. Para o eurocentrismo, as civilizações humanas se dividem em duas categorias: a ocidental e a oriental. Como eliminar a África como referência nesse quadro, se várias entre as primeiras civilizações do mundo (a egípcia, a núbia e a de Kusch) originaram-se lá? A solução foi retirar as civilizações clássicas africanas do continente, situando-as como civilizações orientais.[4]
Como podemos ver nestas poucas linhas, várias foram às civilizações, os acontecimentos que povoaram e ainda povoam o imenso continente africano. Entender estes povos e difundir esta cultura é um dos desafios que se colocam a nós, seres humanos deste século que apenas começa a engatinhar. A África, mesmo ainda cheia de miséria, violência e ignorância, também possui conhecimentos para séculos de estudos, e estes estão apenas começando.  
         
                                                        Alex Grijó, junho, 2010.


[1] Introdução a história da África e da cultura brasileira/coordenação de Beluce Belluci. Ucam: Rio de Janeiro, 2003.p.10.
[2] NASCIMENTO, Elisa Larkin. Sankofa: Resgate da cultura afro brasileira. Rio de Janeiro: Seafro, 1994.p.27.
[3] Idem, P27.
[4] Ibdem, p.29.

Um comentário:

  1. "ESTADO DE CONSCIÊNCIA"
    Parabéns pelo bem escrito artigo meu sobrinho, concordo com tudo dito e acredito também que tudo é um estado de consciência, consciência que temos e não temos. Como você sabe procuro ser sempre otimista e não vejo mais os americanos e ingleses como ditadores intelectuais de nosso tempo, ninguém acredita mais nisso nem eles mesmos. O Estado de Consciência de igualdade e justiça social vem crescendo gradativamente nos países considerados submissos. Em um futuro próximo talvez entre 100 a 200 anos vamos entender que o nosso crescimento não é individual e que não existe oriente, ocidente ou africano só existe culturas diferentes e que somos apenas da espécie animal humana, dependente do meio ambiente. Os nosso ditadores ocultos inventaram a globalização para modernamente reiventar a dominação dos ricos sobre os pobres mas ela vai servir para entendermos que o globo a globalização é um território só e só estamos nele. Vai chegar o tempo que competir não terá mais sentido que o acumulo de dinheiro não terá mais sentido, que o velho morre para novo viver. "Anderson CR"

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