terça-feira, 28 de julho de 2015

Quilombos e quilombolas na terra dos índios Goitacá...

         Quando pensamos em quilombo o primeiro nome que vem ao nosso pensamento é o quilombo de Zumbi dos palmares, pois este foi e até hoje é o mais famoso ajuntamento de negros como forma de resistência a escravidão no Brasil. Porém sabe-se que muitos outros existiram em todo o país.
         A definição de quilombo hoje em dia sofreu transformação, assim como a relação dos negros com a sociedade que ao longo do tempo vem sendo trabalhada para que a visão racista e preconceituosa do passado possa ser superada, embora ainda esteja muito distante do ideal em se tratando de igualdade entre negros e brancos. Sabemos que uma comunidade negra rural que agrupa descendentes de escravos e que vive da cultura de subsistência, expressando forte vínculo com o passado em suas manifestações culturais, tem ligação direta com um quilombo, ou seja, é um quilombo que teve sua memória transformada de alguma forma na tentativa de esquecer um passado de dor e sofrimento, mesmo que de forma inconsciente porque na verdade ninguém esquece de suas raízes. 
         A questão da tentativa inconsciente de querer se livrar do rótulo de quilombo era que não tinha nenhum benefício em se lembrar disso, pois quilombo era visto como lugar de negros fugidos e malfeitores, pois enquanto estavam a serviços dos seus senhores e sendo subalternos sem reclamar, eram vistos apenas como bons ou maus serviçais, mas, se reivindicavam direitos e condições melhores, a única coisa que ganhavam era o rótulo de desqualificados e de malfeitores.
         Hoje vejo que isso foi uma estratégia para conseguir superar as dificuldades, mesmo que seja de forma inconsciente, pois se livrar do estigma de negro era pressuposto para alcançar os direitos que foram negados aos seus antepassados. Era uma forma de criar uma identidade de acordo com as interpretações culturais que os rodeavam, já que, em qualquer sociedade e principalmente na capitalista, quando são negados os direitos sejam eles sociais, políticos ou outro qualquer, e faltam forças e estratégias para lutar contra esta forma de dominação, o que resta é negar-se como tal para poder conseguir algo. Por isso é compreensível que a pouco tempo atrás o próprio negro se negasse como tal, haja vista, não era vantagem nenhuma ser negro, e temos que entender que isso fazia parte de um processo histórico, construído ao longo do tempo e que naquele momento estava tão enraizado que era visto como normal pela maioria das pessoas. Se matar foi uma forma de continuar vivo até poder lutar pelos direitos negados até então.
         A expressão quilombo vem sendo sistematizada desde o período colonial no Brasil, pois sabemos que desde que existe a escravidão, existe resistência e tentativa de se livrar desse modo de trabalho desumano. Entre as maneiras de se defender estavam a busca de refúgio em algum lugar em que o senhor não pudesse os encontrar, o suicídio, o justiçamento e insurreições, como nos diz Mario Maestri em seu livro o escravismo no Brasil. Para este autor “a fuga era a maneira mais simples, segura e rápida de o negro libertar-se” e a maneira mais segura era procurar um lugar que já existisse outros negros para se organizar contra a violência dos senhores escravocratas. Existe autores como Ney Lopes afirmando que “quilombo é um conceito próprio dos africanos bantos que vem sendo modificado através dos tempos” (...) Quer dizer acampamento guerreiro na floresta, sendo entendido ainda em Angola como divisão administrativa”. No Brasil colonial qualquer ajuntamento de negros que passasse de cinco era considerado quilombo, mesmo que não tivessem habitações e pilões no local e a ordem era dar fim a organização dos negros, para isto foi criado a profissão de Capitão-Do-Mato, que era uma espécie de caçador de negros tidos pelos escravagista como “fujões”.
         Para Silvia Lara, autora do livro “Campos da violência - escravos e senhores na capitania do Rio de Janeiro (1750-1808)”, não se encontrou documentos que comprovem a existência de um grande quilombo na região dos Campos dos Goitacazes, porém pela presença de capitães do mato e relato de fuga de negros pode-se deduzir que existiram uma boa quantidade de quilombos nesta área. Mas Hélvio Cordeiro conta em seu livro “Carukango o príncipe dos escravos” a saga do moçambicano que ao ser trazido para o Brasil e adquirido por um senhor na cidade de Macaé, nunca aceitou ser escravizado e criou um quilombo na serra do deitado com uma organização bem próxima ao famoso quilombo de palmares, onde fizeram plantações e moradias de forma organizada. O pesquisador nos diz que após uma ação de fuga bem-sucedida planejada por Carukango na fazenda a qual fazia parte do quadro de escravos, “Os negros seguiam para o cume das montanhas da serra do deitado, região habitada na época somente por índios e fugitivos, que hoje faz parte dos municípios de Macaé e Conceição de Macabu”. Outra passagem interessante é que quando o quilombo foi destruído pelo aparato militar entre as milícias do Espirito Santo e Cabo Frio montado pela família Pinto a qual pertencera Carukango, este já estava fazendo planos de mudar-se de local devido a descoberta do seu esconderijo e o destino seria a região do Imbé, local muito propicio a prática de aquilombar-se. Haja vista a quantidade de comunidades quilombolas nesta localidade. Carukango e seus 200 quilombolas foram dizimados na primeira metade do século XIX pelo Coronel Antão de Vasconcelos e fazendeiros locais, mas deixou um legado de luta e bravura contra a escravidão de seu povo, pagando com a própria vida seu ato de repúdio a exploração humana que na verdade tinha a função de desumanizar os africanos.
         Com relação aos quilombolas da região Silvia Lara relata que em 1784 João Gomes de Sousa e seus soldados foram presos na cadeia da vila por terem assassinado o cabra Gabriel quilombola. Veja que este quadro é uma exceção, onde quem matou um escravo foi punido pela lei, porém a punição não era pela vida do negro, já que não haveria pena para quem matasse um negro que estivesse aquilombado e negasse a se entregar e, sim pelo prejuízo que causara ao dono do escravo, pois o senhor acabara de perder um bem que além de ter custado algum dinheiro ainda não teria seu investimento na forma de prestação de mão-de-obra já que o escravo estava morto. Segundo a autora “todos moradores e Capitães-do-mato para que dessem nos quilombos, permitindo-lhes matar, sem pena alguma da justiça, os negros que resistissem (à semelhança do praticado nas Minas Gerais”, mostrando que a câmara da vila de São Salvador estava ligada no que acontecia em outras regiões das terras Luso-Brasileira. Assim matar um negro que não aceitava ser escravizado, além de não ser crime ainda poderia render uma boa recompensa.
A figura do capitão do mato é constante nos registros que vão tratar da fuga de escravos em todo o império e em Campos dos Goitacazes não é diferente, porém é a partir do século XVIII que essa profissão aparece com mais afirmação, já que é nas primeiras décadas que aparecem regimentos locais a respeito da profissão destacando como atribuições dos mesmos e prêmios pela entrega dos fugitivos. Para a escolha do Capitão-do-Mato uma das formas de provimento era feito pelos vereadores em uma eleição, onde chamava-se o candidato aprovado para o cargo e o mesmo prestava um juramento para em seguida tomar posse. Dinheiro público era empregado neste oficio, já que em outubro de 1969 a “câmara da vila de São Salvador mandou dar ao Mestre de Campo “100$000 réis para as despesas que se haviam de fazer para preparo dos homens que haviam de dar nos quilombos dos pretos fugidos”. Nos Campos dos Goitacazes Capitães-do-Mato são encontrados na parte norte do rio paraíba, assim como abaixo do norte e sul, sertão do rio Ururaí, chapéu do sol, ponta grossa, Macaé e Lagoa de Cima, cada capitão tinha sua circunscrição e normalmente era do lugar para facilitar na busca dos fugitivos.
Sobre os quilombos Clóvis Moura vai falar em “QUILOMBOS - Resistencia ao escravismo”, que “no Brasil, como em outras partes da América onde existiu o escravismo moderno, esses ajuntamentos proliferaram como sinal de protesto do negro escravo às condições desumanas e alienadas a que estavam sujeitos” e quanto mais aumentava a pratica da escravidão, a sua negação em diversas formas e principalmente a de aquilombar-se também crescia como sintoma de resistência, desta forma onde houvessem escravos haveria um quilombo.
Em terra Goitacá, o quilombo foi descrito pela câmara segundo Silvia Lara como um lugar “em que estivessem arranchados e fortificados com ânimo a defender-se que não sejam apanhados e não em qualquer rancho por se repararem do tempo, porém achando-se de 6 escravos para cima que estejam juntos se entenderá também quilombo”. Esta definição pouco difere da que foi dada anteriormente pelo Rei de Portugal em 1740, onde as habitações que passassem de cinco negros fugidos eram consideradas quilombo. A parte interessante da definição da câmara é que se fala em defender-se, ou seja, fica explicito que os quilombolas eram atacados de forma violenta pelos caçadores de escravos e para não voltar a vida desgraçada que lhes era imputada às vezes reagiam em defesa de sua liberdade.
         Portanto se não existem registros documentais de um grande quilombo em nossas terras, o fato é que os quilombos existiram e em grande quantidade, para isso basta verificar a quantidade de ações contra os quilombolas. Em 1792 por exemplo, a câmara foi mobilizada para que tomasse atitude em relação aos quilombos que existiam nos sertões deste distrito, sendo montado um grande contingente de Capitães-do-Mato e ajudantes passando de 200 homens para procurar e destruir quilombos na região, obtendo um resultado satisfatório na captura e destruição das moradias quilombolas. Por outro lado, se pensamos em números maiores deste ajuntamento de escravos para sua defesa, podemos perceber que houve época que teve que tomar uma atitude mais elevada em relação aos refugiados o que mostra que nesta época teve uma organização mais elaborada por parte dos quilombolas o que nos faz lembrar do quilombo de Carukango em Macaé que tomou proporções elevadas ainda no início do século XVIII.
         Se os documentos não mostram os lugares exatos dos quilombos dos Campos dos Goitacazes e, se foi feito uma tentativa de esquecer o passado para se livrar do estigma da escravidão com derrubada de antigos casarões com suas senzalas e seus troncos penalizadores, por outro lado não conseguimos apagar a memória dos que fizeram parte desse processo. Para isso recorremos aos documentos vivos de nossas comunidades que na forma de oralidade relata as querelas que seus antepassados tiveram para defender seus quilombos e suas vidas. Hoje com as ações positivas voltada para as comunidades quilombola está fazendo com que este tema entre em discussão com maior ênfase, o que é muito importante, tanto para descobrirmos e mapear os quilombos existentes em nossa região, como também mostrar a luta e perseverança dos negros escravizados nessas terras. O passado não pode ser apagado, principalmente quando se trata de erros, pois se não conhecemos os erros do passado corremos o risco de cometê-los no futuro.          

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