terça-feira, 28 de julho de 2015

Lampião era macaense...

 Lampião era macaense...

A grande maioria dos brasileiros conhece razoavelmente a história ou já ouviu falar do cangaceiro Virgulino Ferreira da Silva, que ficou mais conhecido por conta de seu apelido “Lampião”. No caso dos habitantes de nossa cidade, Macaé, não seria diferente. Agora o que poucos sabem inclusive os macaenses, é que Lampião viveu muitas aventuras de sua vida como cangaceiro aqui em nossa cidade. Pelo menos na ficção. É que no ano de 1969 a R.F.Produções Cinematográficas escolheu nossa cidade para rodar o filme “Lampião não discute, mata”.
O filme foi rodado em várias partes da cidade, como morro de Santana, Córrego do Ouro, Frade e Fazenda da Boa fé. Aliás, a época ainda existia um enorme casarão colonial nesta fazenda, ainda remanescente do período escravocrata brasileiro, mas que hoje, infelizmente se encontra derrubado e com apenas alguns vestígios de sua antiga construção.  No filme é possível ver, mesmo que rapidamente, como eram os distritos de Frade e Córrego do Ouro e comparar com os dias atuais e suas mudanças promovidas pelo desenvolvimento petrolífero.
De acordo com Isaac Souza, Jornalista do jornal O Rebate incumbido de fazer a cobertura da produção, o roteiro era muito bom para a época e possuía as mais modernas técnicas cinematográficas, que enfatizavam um Lampião violento, como é de costume a sua representação.
Lampião foi morto no dia 28 de julho de 1938 no Estado de Sergipe na gruta de angicos aos 40 anos de idade. É uma das figuras mais controversas da História do Brasil, sendo um dos brasileiros com maior número de livros publicados a seu respeito, tendo livros escritos até em japonês sobre sua história.
Segundo o jornalista Moacir Assunção da Folha de São Paulo, autor do livro “Os homens que mataram o facínora”, Lampião era um bandido.  Ainda segundo este jornalista, Lampião era um bandido extremamente inteligente, mas era apenas isto.
Esta visão não é a única sobre o rei do cangaço nordestino e nem pode ser vista como a que representa a verdade do personagem, da época e do cangaço. Há os que o vejam como um insurgente que lutou contra as forças dos coronéis que concentravam riquezas e manipulavam os mais pobres para obter a perpetuação de seu poder e de seus familiares. Muitos dos movimentos de contestação do fim do século XIX e início do século XX tinham a miséria como motor, e uma vida digna como objetivo. A maioria das pessoas pobres do sertão nordestino era submetida a regimes de trabalho semelhantes à escravidão recém-abolida no ano de 1888.
Os movimentos de Canudos e Contestado são exemplos desta luta por dignidade e contra o poder dos grandes latifundiários.  Em Canudos, pessoas miseráveis lutaram por um pedaço de terra até serem mortas pelo Exército Brasileiro. Foram mais de 20 mil assassinatos de crianças, mulheres e homens pobres e famintos. Com certeza uma das maiores vergonhas de nossa História.
Olhando a partir deste viés, fica mais fácil entender a postura e os caminhos de determinados grupos que se insurgiram contra os Coronéis feudais de um século atrás.
A Pesquisadora Fátima Teles no artigo “O cangaço, o latifúndio e as oligarquias”, discute o papel dos grupos rebeldes no contexto social de seu tempo e de sua região. Segundo Teles
Analisar o cangaço é investigar também o contexto socioeconômico e cultural do Brasil desde a sua colonização no que tange a questão agrária. Um país “descoberto” por europeus que não respeitavam a cultura dos habitantes ali encontrados, iniciando assim uma série de violências contra a etnia que habitava as terras e palmeiras brasileiras. O poder político do Império através das capitanias e sesmarias concedeu terras aos seus correligionários em detrimento dos que ali já viviam, plantavam, produziam e colhiam. Posteriormente a exploração da mão de obra escrava também não era questionada em razão das etnias tidas como minorias não serem reconhecidas culturalmente sendo tratadas como inferiores, forçadas ao progresso “civilizador.
É neste contexto repleto de contradições que surgem os cangaceiros nordestinos. São filhos da miséria, da exclusão, da exploração e da desigualdade social que se alastrou pela terra brasilis pós-chegada de Cabral.  A proclamação da República de 1889 não produziu efeitos na melhoria dos que já eram explorados há séculos. Os que viveram na escravidão e que haviam conquistado a alforria um ano antes viram no trabalho livre quase que as mesmas condições de trabalho do regime da escravidão.
No nordeste brasileiro o povo sofrido buscava de diversas formas escapar da fome e de suas agruras, que no ano de 1877 teria matado em torno de 500 mil pessoas. Movimentos religiosos como o de Antonio Conselheiro buscavam criar na terra uma comunidade em que este flagelo não fosse mais uma constante em suas vidas. Teles relata que “As condições climáticas do semiárido nordestino favoreciam o surgimento de secas prolongadas de tempos em tempos, castigando a produção agrícola do homem do campo trazendo miséria e fome. As secas, o controle social, a partir da prática de favor cultivada pelos senhores de fazenda diante dos trabalhadores fez com que alguns se indignassem e fossem mudar o seu destino, adentrando no cangaço ou no messianismo”.
Virgulino, homem de fé que era, optou pela primeira opção; o cangaço. Segundo Bezerra (2009), Virgulino, ao tornar-se Lampião, não pensou ser bandido ou herói: apenas disse não a uma agressão sofrida e reagiu. Subverteu a ordem estabelecida. Foi autor da sua própria história e não, apenas, coadjuvante na história de alguém. Subverteu a ordem quando matou, quando invadiu cidades, quando escolheu seu destino...”.
Para Virgulino, sendo de forma consciente ou inconsciente, seu posicionamento naquela sociedade era a principal maneira de enfrentar a ordem autoritária vigente. Era a resposta devida aqueles que viviam da exploração e ganhavam com a miséria humana.
“Lampião foi o produto de uma sociedade desigual econômica e socialmente, que por não oportunizar os trabalhadores à dignidade transforma-os em rebeldes e revolucionários. Sendo produto de uma história ele também se torna seu produtor pois interfere nessa história e a modifica como autor do seu próprio destino, da sua história. Portanto, como sujeito, ele constrói e transforma. Lampião não se tornou só o produto de um Brasil ditado por uma elite dominante que governava em prol dos seus próprios interesses. Lampião se torna construtor da história de luta dos sertanejos que escolheram a vida rude e violenta do mundo do cangaço e dessa forma enfrentou governantes de toda a Região nordestina a tal ponto que ficou conhecido pelo seu destemor até hoje em pleno século XXI, de modo que não se fala em cangaço sem a figura emblemática de Lampião, representante maior do cangaço brasileiro”. (TELES, 2014).
A imagem de bandido do cangaceiro nordestino é uma construção de nossas elites, que como de costume, coloca no desfavorecido a responsabilidade por seu destino, não deixando claro para a maioria de nós os vários fatores que envolvem as “escolhas” feitas por pessoas e grupos em situação de extrema miséria. Hoje completam 77 anos de seu assassinato. Viva a memória de Lampião...
Bibliografia:
TELES Fátima. O cangaço, o latifúndio e as oligarquias. Artigo publicado na página: http://www.vermelho.org.br/noticia/249409-11
Rosa, Bezerra. A representação do cangaço. Recife. Ed.do autor, 2009.apud Teles, 2014.




Um comentário:

  1. pura verdade,só que o filme que foi filmado na regão serrana foi [meu nome é lampião]se não me engano nos anos 67ou 68

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