terça-feira, 6 de setembro de 2016

Somos realmente bestializados?



Segundo o jornalista Aristides Lobo ao retratar o posicionamento popular no momento da proclamação da república, este povo teria assistido a tudo sem nada entender. Teria assistido a tudo bestializado, sem nada compreender sobre o processo republicano e o golpe militar que derrubou a monarquia. Outro autor, Louis County, disse que no Brasil não há povo. Essas referências se dão devido à visão de que a participação popular no Brasil é nula ou inexistente. A falta de participação politica dos populares será uma marca do período discutido e, de certa forma, como veremos a frente, permanecerá ainda por um bom tempo em nossa história.
Para tentarmos entender este fato, não podemos nos esquecer de que somos um país que tem em sua História um longo período em que a ideia de cidadania era restrita a poucos elementos. Os direitos políticos sempre foram privilégios dos chamados “homens bons” da sociedade. Ser um homem bom naquele período significava ser branco, filho de famílias ricas e possuidor de vastas extensões de terras e donos de muitos escravos.
Para ser eleitor no Brasil você tinha que ter dinheiro, e para concorrer a cargos mais dinheiro ainda. Ou seja, a Ascenção social na política era direcionada a um número que não chegava a dez por cento da sociedade, e estes quando lá chegavam defendiam os interesses de seus iguais, que não tinham a aparência popular. Mas e o povo? Na verdade não tínhamos povo. Tínhamos senhores e escravos. Ricos e pobres. Uma elite pequena e um grande contingente de marginalizados.
Os ideais republicanos que começam a se espalhar pelo país a partir de 1870 buscavam trazer a extensão da cidadania a população em geral. Buscavam o fim do flagelo da escravidão no país que insistia em ser o último do ocidente a manter este regime. Mas o que se viu logo após a implantação da república foi à tomada do poder pelas mesmas elites que antes se beneficiavam do regime monárquico. Segundo o Historiador Marcos Costa, foi uma mudança que deixou tudo do jeito que estava antes. Certamente que este não era o objetivo dos republicanos mais exaltados como Silva Jardim e Benjamin Constant. Constant inclusive disse que aquela não era a república com a qual ele havia sonhado.
Infelizmente a república realmente não foi aquilo que muitos esperavam. A cidadania permaneceu limitada a um pequeno grupo. Os ex-escravizados, agora livres, se encontravam na condição de marginalizados. Educação lhes foi negada, e em várias regiões a contratação de negros era praticamente proibida. Isso se devia por conta da necessidade de dar preferência aos imigrantes recém-chegados para mudar a cara do Brasil, uma busca por certo “embranquecimento”.
A luta por cidadania e por acesso a espaços sempre destinados a classe de grandes proprietários se estenderá por todo o século e por diversos grupos.  Um desses grupos, no ano de 1889, alguns meses antes da proclamação da república, formou uma comissão de libertos da região do Vale do Paraíba e enviou uma carta ao jornalista e futuro ministro republicano Rui Barbosa, para pedir apoio para que os recursos  do governo imperial, que deveriam ser destinados a emancipação dos nascidos livres a partir de 1871, fossem utilizados para seu devido fim. Esses fundos deveriam ser utilizados para educar os agora livres. No fim da carta, um alerta: “Para fugir do grande perigo que corremos por falta de instrução, viemos pedir educação para nossos filhos para que eles não ergam mão assassina para abater aqueles que querem a república que é liberdade, igualdade e fraternidade”. O que sabemos é que estes recursos foram destinados para qualquer fim, menos para a educação destas pessoas.
Em diversas partes do mundo o acesso à cidadania e consequentemente a direitos políticos se deu através da conscientização popular e de suas ações direcionadas. As conquistas sociais da maioria não foram atos das classes governantes sensibilizadas com as precárias condições do povo. O povo saiu às ruas por diretos em 1789 e com a revolução francesa derrubou o antigo regime. A luta contra a escravidão não teria tido tanto impacto se não fosse à luta dos escravizados contra o regime. Mulheres lutaram por seu direito ao voto e conseguiram através de muito esforço a igualdade de direitos perante os homens. Vários movimentos norte americanos lutaram contra o preconceito racial e pela luta dos diretos civis entre brancos e negros. Na África do Sul o movimento de luta contra a segregação racial colocou o povo nas ruas e derrubou o regime racista que lhes negava direitos.

No Brasil, por mais que tenhamos a impressão de que realmente a população não é consciente e não busca seus direitos, várias conquistas não teriam ocorrido sem a participação popular.  Vivemos um delicado momento de nossa História e faz-se necessário entender os motivos de tais problemas. As raízes desta atual crise podem ser encontradas em problemas antigos que possuímos e ainda não foram solucionados. Não teremos dias melhores se colocarmos representantes que de fato não nos representam. Precisamos entender o real valor de nosso voto e nos perguntar se votarmos em jogadores de futebol, palhaços, pastores e pregadores de intolerância será a solução, porque afinal, estes já estão todos lá, e fazem parte de todo esse imenso circo de horrores que se tornou a política brasileira.  

Um comentário:

  1. Excelente artigo, realmente a participação popular influencia diretamente nas ações governamentais.
    itajai-carros

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