Na tentativa se subverter ou alterar as regras do sistema, negros se
rebelavam e utilizaram táticas que se alternavam ao longo dos tempos. Por conta
disto, senhores também tiveram de rever seus conceitos. As ações promovidas
pelos cativos variavam e eram diferenciadas. De acordo com Thornton
pode-se caracterizar estas ações em três níveis. Segundo ele no primeiro nível,
há a diminuição do ritmo de trabalho, baixa auto-estima e atrasos notórios no
processo de produção, chamado comumente de “resistência cotidiana”. Os outros
dois níveis seriam as fugas, que ocorriam com objetivos distintos.[1] Havia grupos que fugiam pensando em
voltar, buscando após a fuga uma negociação com seus senhores para conseguirem
melhores condições de vida nas próprias fazendas. Estes não esperavam melhor
sorte nas matas como foragidos sempre preocupados com as constantes expedições
militares a lhes perseguir. Alguns escravos tinham isto como prática cotidiana. Um escravo valioso acabava não sendo punido, podendo ser até perdoado e
recompensado ao voltar.[2] A respeito disto Thornton completa,
dizendo que,
Esses “meio
fugitivos”, que se ausentaram, mas que não tentaram libertar-se estavam
propensos a usar o comportamento como instrumento de negociações importantes.
As leis estabeleciam punições duras e até mesmo cruéis aos fugitivos. Porém, os
senhores não precisavam punir seus escravos fugitivos seguindo o rigor da lei.
Muitos escravos procuraram melhorar portanto sua situação através da fuga ou,
ausentando-se do trabalho. Sem dúvida muitos ausentes sofreram punições, e
muitos, talvez, lucraram pouco com o retorno. Para muitos a fuga assemelhava-se
mais a uma greve moderna ou uma paralisação do trabalho do que uma tentativa de
obter a liberdade. Esses motivos podem ter levado os escravos fugitivos a fugir
para regiões nas proximidades ou mesmo para dentro do lugar onde trabalhavam. [3]
Reis e Silva completam dizendo que “muitas fugas, representavam no
fundo, reações a quebra de acordo por senhores excessivamente severos ou secos
como poeira, e que pequenas reivindicações deviam ser respeitadas.[4]Sobre esta forma de fuga em que o escravizado dirigia-se para lugares
próximos ou até mesmo para o território nas redondezas do seu local de
trabalho, Márcia Amantino nos apresenta um caso ocorrido no município de Macaé
no ano de 1876 na freguesia de Macabu, fazenda santo Antônio, pertencente a
Manoel da Cruz Senna.
A respeito do ocorrido, Amantino cita que
O caso deste quilombo
é um exemplo de como podiam ser estruturadas as relações dos quilombolas com
seu ex senhor. De acordo com as declarações de Manoel da Cruz Senna, este
quilombo se formou durante cinco anos com escravos fugidos de sua fazenda. Em
momento algum estes fugitivos saíram de sua propriedade, ou seja, o quilombo
foi formado dentro da área da própria fazenda e vivia de ataques e roubos as
plantações da mesma.[5]
1.4.O quilombo Cruz Senna
No caso do quilombo de Cruz Senna, após inúmeras investidas e tentativas
do fazendeiro de reaver suas “peças” e acabar com o quilombo, os escravos
acabaram por se entregar a justiça e alegando terem fugido por conta dos maus
tratos que sofriam, acabaram por conseguir serem vendidos para outro
proprietário. Outros foram presos devido a envolvimento na morte de um
miliciano imbuído da missão de destruir o quilombo.[6] Temos neste caso do quilombo de Cruz Senna a visualização do “meio
fugitivo” que não visualizava a possibilidade de acabar com a escravidão, e sim
melhorar suas condições dentro do próprio sistema. Geralmente escravos que
fugiam pensando no retorno, eram os que detinham algo para negociar, como certa
habilidade para algum afazer no engenho ou em algum outro serviço. Júlio Feydit
relata a compra de um escravo pelo alferes Joaquim Vicente dos Reis, dizendo
que o tal escravo por não se conformar com sua sorte, vivia fugindo, mas sempre
retornava apadrinhado por algum outro fazendeiro. Este escravo era uma exceção entre os seus companheiros de cativeiro:
era um cirurgião. [7] Silvia Lara ao analisar a violência da
escravidão no mesmo município de Campos dos Goytacazes, relata a atividade
escrava dizendo que na
Na fabricação do açúcar, o “mestre de açúcar” era um cargo bastante
importante, pois era quem detinha o saber técnico do processo de transformação
do caldo da cana em açúcar. Antonil estimava, em 1711, em 100$000 a 120$000
réis o soldo de um mestre de açúcar que fizesse 4 a 5 mil Pães por ano, e
considerava-o como um trabalhador livre. Em quatro processos analisados, no
entanto, encontramos mestres de açúcar escravos. Havia
aindaNa escravos pescadores, escravos que levavam recados ou objetos
para seus senhores, escravas lavadeiras, cozinheiras e outras mais que faziam o
serviço “de portas adentro”. A especialização mais comum, no entanto era a dos
escravos empregados nos diversos ofícios: em Campos dos Goytacazes, encontramos
escravos sapateiros, tecelões, carpinteiros, seleiros, alfaiates, pedreiros,
costureiras, barbeiro, paneiro e até mesmo um cirurgião. O escravo Inácio,
pertencente á antiga fazenda dos jesuítas em Campos, que passou para a coroa
depois da expulsão dos inacianos, foi levado em janeiro de 1770 para o hospital
militar do Rio de Janeiro para “entre os enfermeiros (...) assistir á prática
do curativo para se exercitar na arte da cirurgia.[8]
Este homem, habilidoso, era o que poderia obter certa
vantagem em relação aos demais escravizados sem nenhuma habilidade definida,
pois seus serviços poderiam auferir altos lucros nas atividades de escravo de
ganho.[9] Com relação à substituição do homem
livre pelo escravo em determinadas funções não apenas nos engenhos, isto passa
a ocorrer a partir de meados do século XVIII. O motivo? Baratear o custo da
produção. Esta mudança passa a criar certas possibilidades para os cativos que,
Schwartz relata da seguinte forma:
As oportunidades que esses cargos especializados ofereciam eram
incentivos, pois a diferenciação social do engenho criava as possibilidades de
promoção dentro da força de trabalho e dentro da hierarquia da lavoura. Por fim
com o advento das tecnologias mais complexas em fins do século XVIII e no
século XIX, os agricultores brasileiros reclamavam da ignorância dos escravos e
dos trabalhadores negros livres, que ainda tratavam o fabrico do açúcar como
arte, e não como ciência, mas em pouco tempo os agricultores haviam lucrado com
os custos operacionais mais baixos e com a manipulação das nomeações
decorrentes do uso desses trabalhadores.[10]
Sobre a produção de açúcar, há que se levar em conta toda a sua
complexidade. Um escravo que trabalhasse diretamente no processo de produção
deveria ser muito cuidadoso, e o próprio senhor deveria tomar algumas
precauções ao lidar com o mesmo. A fabricação do
açúcar não seria simplesmente viável sem uma negociação. A sabotagem era um
perigo constante. Fagulhas nos canaviais, limão nas tachas, dentes quebrados na
moenda – tudo podia arruinar a safra.[11] Logo, senhores e
escravos precisavam de uma cooperação mútua, e isto acabava gerando para o
cativo certas vantagens.
Voltando a discussão dos níveis definidos por Thornton, e analisando o
terceiro nível, em que se enquadravam os escravos mais obstinados, a fuga era
vista como uma forma para buscar construir uma sociedade diferente daquela do
cativeiro. Thornton observa que este último grupo era o que almejava a
queda definitiva do sistema de escravidão colonial e a substituição do governo
da classe dominante por um comandado pelos antigos escravos.[12] Outro fato que merece atenção, é que as
formas de promoção destas ações estavam intrinsecamente ligadas ao cotidiano
vivido por estas pessoas em sua região de origem no Continente Africano. Em
África os escravizados resistiram e foi comum
a rebeldia, havendo sempre luta e resistência.[13]
Um fator importante para o desenvolvimento das insurreições está no fato
de que muitos negros aqui desembarcados foram em suas regiões de origem
experientes líderes militares, e esta fora a contribuição mais importante da
herança africana que muitos escravos tinham, por ter a maioria prestado serviço
militar nos exércitos de sua terra natal. A aristocracia africana e a cultura
militar ajudaram a despertar a rebelião e a gerar a liderança.[14] Estes escravos que tinham a intenção de
se verem afastados da vida no cativeiro em muitos momentos buscaram regiões inóspitas, algumas vezes atacando aqueles que se colocassem em
seu caminho.[15] A maioria dos especialistas entende que
os que procuravam a liberdade definitiva eram freqüentemente nascidos no
continente africano.[16] Um exemplo deste desenvolvimento
militar colocado em ação em terras americanas, foi o caso ocorrido em 1522 na
América espanhola, quando escravos provenientes do reino Jalofo, atual Senegal,
se revoltaram, e
Não só mostraram
grande frieza ao enfrentar o ataque da cavalaria espanhola, abrindo fileiras e
permitindo que o cavalo passasse por ela, girando então para fazer um contra
ataque, como também criaram uma cavalaria própria e a usaram para devastar os
engenhos de açúcar de Hispaniola nos anos de 1540.[17]
Táticas militares e planejamento estiveram ligadas não apenas a este
acontecido com os escravos Jalofos,mas a muitas outras insurreições. Em
muitos dos casos já analisados pela historiografia, constatou-se forte poder de
articulação e envolvimento de vários atores. Outro exemplo nos é apresentado
por Lima. Trata-se do quilombo de Manoel Congo, em Vassouras, que teria
existido e alarmado as autoridades fluminenses nos anos 30 do século XIX. Este
quilombo e seus membros foram responsabilizados por vários saques e depredações
a várias fazendas nas redondezas. A mesma relata que
alarmados, os
fazendeiros apelaram para o governo imperial, que lhes enviou um destacamento
de tropas regulares comandado por Caxias. O ataque ao quilombo se deu no dia 11
de dezembro de 1838, constituindo verdadeira carnificina, pois não tinham os
negros condições de reagir em pé de igualdade ás forças enviadas. A devassa
referente ao movimento revelou um princípio de articulação entre seus membros,
os quais haviam formado uma organização secreta suspeita de manter relações com
os negros malês da Bahia, sublevados nesse período... A devassa instaurada
desvendou reminiscências de organização tribal no movimento, cujos chefes,
chamados “Tatetes Corongos”, procuravam congregar os negros na luta pela
libertação. ”[18]
Movimentos como as revoltas dos Malês na primeira metade do século XIX
na Bahia são outros exemplos de organização promovida por escravos.
[5] AMANTINO, Marcia Sueli. Quilombos em Macaé no século XIX. Cadernos de ciências humanas –
especiarias, volume 19, nº 18, jul – dez 2007, p. 634.
[7] FEYDIT, Júlio. Subsídios para a história dos Campos dos Goytacazes. São João da Barra. Gráfica Luartson,
2004, p.348-349.
[8] LARA, Silvia Hunold. Campos de
violência. Escravos e senhores na capitania do Rio de Janeiro 1750-1808.
Rio de Janeiro, Ed. Paz e Terra, 1988.p.185-188.
[9] Escravo de ganho era aquele escravo que
no período colonial e imperial realizavam tarefas remuneradas para outros
senhores, alugando seus serviços e posteriormente repassando a maior parte de
seus ganhos a seu dono.
Nenhum comentário:
Postar um comentário