Algumas
coisas não nos chegam da forma como deveriam. As informações televisivas hoje sempre
me soam falsas. Existem diversos índices que não nos são revelados, e quando os
são, sempre é de forma parcial. Vejamos algumas questões.
O
Brasil é hoje um dos países com maior número de assassinatos praticados por
policiais no mundo. Matamos mais no Rio de Janeiro do que em países inteiros
mundo afora. Nossa polícia é especialista em autos de resistência. O número de
mortes em áreas pobres cresce a cada dia.
O
consumo de drogas, que não tem na favela sua maioria de consumidores, cresce. O
crack se torna algo assustador em nosso cotidiano. Pessoas passam a consumir
esta droga e a viver como zumbis em nossas ruas e praças.
Há
atualmente um crescimento dos que defendem que a diminuição da maioridade penal
seria a solução para conter crimes praticados por adolescentes. Existem algumas
informações sobre estes assuntos que são pouco discutidas por nossa mídia. Algumas
perguntas ainda devem ser feitas, como, por exemplo, o que fazer para conter o
aumento de tantos crimes em nosso país? Estariam certos os defensores de
medidas mais drásticas por parte do Estado para com adolescentes, consumidores
de drogas e moradores de periferia?
Para
Orlando Zaccone, delegado de polícia civil do Estado do Rio de Janeiro e também
Doutor em Ciência política pela UFF, não será mais criminalização que irá
resolver o problema. Em uma recente entrevista, o Doutor Zaccone apresentou
dados pesquisados pelo mesmo e que fazem parte de sua tese de doutorado recém-defendida[1]. Zaccone nos diz que “somos o quarto país do mundo que mais
encarcera e mesmo assim nossa criminalidade não se reduz”.
O
delegado faz uma crítica ao papel do Estado e da atuação de suas polícias. “a República brasileira é violenta no sentido
de construir e identificar setores na sociedade como inimigos matáveis”.
Entre estes inimigos “matáveis” ele cita sempre os mais frágeis da sociedade ao
longo de sua História; os balaios, os seguidores de Antônio Conselheiro, os
subversivos da ditadura, os traficantes de drogas, e hoje os Black Blocks.
A
respeito daqueles que defendem a pena capital como solução para a violência,
segundo suas pesquisas, fiquem tranquilas; matamos muito mais sem a pena de
morte. Em pesquisa da anistia internacional para o ano de 2011, o Doutor
Zaccone nos diz que só nos Estados de Rio e São Paulo o número de mortes é 42%
maior que em todos os países com pena de morte no mundo, com exceção da China
em que não foi possível conseguir dados. Se mortes e assassinatos resolvessem o
problema...
Só
para citar números, no ano de 2007 a polícia do Rio de Janeiro matou em autos
de resistência mais de 1300 pessoas. Para o ano de 2012 reduzimos este número
para 400 mortes. Mas para Zaccone (e para mim também), este número é
assustador, já que nos EUA em um ano, em todo o seu território, este é o número
médio de mortos pela polícia americana. A polícia do Rio mata mais que todas as
polícias de todos os Estados Americanos juntas.
Sobre
as Upps, Zaccone revela que antes da entrada das bases o que ocorreu nas
favelas cariocas foi uma pré-pacificação. “toda
a letalidade subiu a partir do ano 2000”. É a partir de 2008 que as Upps
serão criadas. E isto também coincidiu com visitas de Sérgio Cabral a Colômbia,
onde o rigor do Estado produzia cenas em que caminhões entravam em áreas pobres
para retirar mais e mais corpos.
Para
o professor Marcelo Torelly, da Universidade de Oxford, estes comportamentos
violentos por parte de nossas forças de segurança fazem parte de uma herança
histórica do período pós 1964. Segundo o mesmo “as atuais violações de direito por forças de segurança, a
criminalização de conflitos sociais e a histórica impunidade dos indivíduos
“diferenciados” são heranças da legalidade assimétrica reforçada no período da ditadura
“[2].
Com
relação aos adolescentes praticantes de atos infracionais, Pesquisas realizadas
pela Ordem dos Advogados do Brasil e pelo Ministério da Justiçam afirmam que
menos de 1% dos crimes cometidos no país são cometidos por adolescentes entre
16 e 18 anos (0,9%). E os crimes que culminam em assassinato são menores ainda:
0,5%. Acreditar que a diminuição da maioridade penal irá resolver o problema da
violência é no mínimo uma ingenuidade. Só para se ter uma ideia, A média de
reincidência em instituições paulistas para menores infratores é de cerca de
20%.Nos presídios brasileiros os que voltam a cometer crimes ficam em torno de
60%.
Para Paula Miraglia, Diretora
executiva do ILANUD (Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para a Prevenção
do Delito e Tratamento do Delinquente) e autora da dissertação “Rituais da
violência – a FEBEM como espaço do medo em São Paulo” (USP, 2002) “O aumento das taxas de homicídios no Brasil
está imediatamente relacionado ao crescimento do número de crimes praticados
contra a juventude, atingindo majoritariamente jovens do sexo masculino e da
“cor” ou “raça” negra”[3].
Ou seja, os jovens pobres e negros são os que mais sofrem com a violência no
país, e não os principais responsáveis.
Um livro interessante lançado em
1982 e que trata das relações dentro de instituições para menores foi “A queda
para o alto” de Anderson Herzer.[4]
Ex Interno da FEBEM, Anderson, que passa a ser conhecido como “vera” ou bigode
devido a sua sexualidade, apresenta uma visão da dura vivência dentro do centro
de horrores que é a instituição. Em sua narrativa ele destaca sua relação com o
diretor e os agentes “educacionais”. Nas sessões corretivas que o diretor
organizava “as detentas conhecidas como
machões incluíam socos na cara, chutes nas costas, além de dias em que tinham
de ficar quase o tempo inteiro parados no pátio principal de short e camiseta
com direito a somente quatro horas de sono”[5].
Situações como esta são corriqueiras
em instituições para menores infratores. Não se reeducam menores em FEBEMs e
Funabems deste país. Se acreditarmos que colocar jovens em presídios resolverá
o problema da violência praticada pelos mesmos, estaremos cometendo um erro
incalculável e que em muito pouco tempo teremos as respostas nossos índices de
criminalidade.
Temos
de nos fazer algumas perguntas; será que os que defendem que a cadeia é a
solução para menores infratores acreditam que nossos presídios solucionam algum
problema? Acreditam que na cadeia há alguma regeneração? Será
que não irão sair piores ao se relacionarem com criminosos de alta
periculosidade em um momento em que estão ainda em formação como ser humano?
Será que pessoas deixam de cometer crimes por saberem que suas penas serão
muito longas e rígidas? Os estupros diminuíram apenas por se tornarem crimes
hediondos? Mulheres deixaram de sofrer violência graças a Maria da Penha? E o
tráfico de drogas? Diminuiu? Algum adulto deixa de traficar ou de matar por
saber que poderá ficar trinta anos na cadeia?
Deveríamos
ter um pouco mais de cuidado e de critério ao analisar reportagens
jornalísticas que não relatam estes fatos. Jornais querem vender. E polêmica
vende muito. A sociedade deveria estar mais atenta. Discutir estes fatos.
Cobrar medidas socioeducativas e não pedir mais violência para conter a
criminalidade. A maioridade penal não será reduzida. É algo muito difícil. É
uma cláusula pétrea de nossa Constituição. Devemos voltar nossa discussão e
nosso senso crítico para medidas que de fato possam ser colocadas em prática e
que podem realmente produzir melhorias.
Creio
que estas perguntas deveriam ser respondidas primeiro antes de pensarmos em
aumentar o número de pessoas dentro dos presídios deste país. Deveríamos antes
brigar por respostas de nossas autoridades no que diz respeito a questões de
educação e projetos eficazes de ressocialização de menores infratores, da
atuação de nossas polícias e da descriminalização da maconha. Países muito
avançados estão com seus presídios vazios. A Holanda, Cuba e a Suécia são
grandes exemplo disto. E o que será que eles possuem que nós não possuímos?
Devemos buscar respostas. E por que não investirmos em políticas de
socialização de menores carentes, Para que antes de cometerem crimes, tenham
oportunidades de ascender socialmente de uma forma honesta e vantajosa?
Acredito
que devemos ter mais dúvidas do que certezas, Porque Nossas cadeias estão
cheias e ninguém sai de lá melhor do que entrou. Ou será que sai?
[1] Entrevista concedida a Ronaldo Pelli,
para a Revista de História da Biblioteca Nacional, edição número 103, ano 9,
Abril de 2004. Paginas 44-45.
[2] Direito
versus democracia.
Marcelo Torelly. Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 9, número 103,
abril de 2014, p.26.
[3] Juventude ferida. Paula Miraglia. Revista de História da Biblioteca Nacional. Edição nº 25 - Outubro de
2007.
[4]
HERZER, Anderson. A queda para o alto.
São Paulo. editora Vozes, 1982.
[5]
Para romper a invisibilidade. Seção documento. Por dentro da biblioteca.
Revista de História da Biblioteca Nacional. Março de 2014. P.90-91.
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