“Meu
papel no mundo não é só o de quem constata o que ocorre, mas também o de quem
intervém como sujeito de ocorrências.”
A frase acima é do grande educador brasileiro Paulo Freire. Em seu livro “Pedagogia da autonomia”, o mesmo discute a busca pela mudança das realidades sociais dos menos favorecidos, que segundo o mestre foram “traídos em seu direito de ser”. Evoco este grande pensador porque grande parte dos problemas sociais e da violência que assola não apenas nossas escolas, mas a sociedade como um todo tem como mola propulsora as desigualdades sociais e afetam principalmente aqueles que se encontram na vulnerabilidade das favelas e bairros pobres mundo afora. Durante três anos fui professor em uma escola de periferia, cercada por quatro comunidades carentes em uma das cidades mais ricas do país, Macaé que fica localizada no interior do Estado do Rio de Janeiro. Conhecida como a “capital do petróleo”, com elevado nível de emprego e renda, chegou a ser a terceira cidade mais violenta do Estado.
Na referida
escola em que lecionei as ocorrências de maus tratos entre alunos em sala de
aula, de agressões a professores era algo comum naquele cotidiano escolar. Em
frente ao portão logo havia um ponto de distribuição de drogas, e as visitas da
polícia militar era algo que se tornara razoavelmente corriqueiro. Houve casos
de alunos armados em sala de aula. Brigas em que cadeiras eram jogadas contra
outros alunos. A escola parecia um presídio (não apenas por conta de suas
grades e muros, mas também pelo comportamento dos jovens ali presentes).
Confesso ter sido um pouco decepcionante meus primeiros passos como educador,
já que lá fora minha primeira experiência. Pude aprender muito ao Começar tendo
de enfrentar uma escola com turmas tão problemáticas. Mas posso dizer que
cresci com isto.
Passados alguns anos desta primeira experiência,
reflito muito a respeito de soluções para estes problemas. É claro que não está
apenas nas mãos dos professores a chave da resolução. A dimensão do problema é
enorme. Envolve muitas questões e interesses. Confesso que em alguns momentos,
acredito mais que em outros, que é interessante à miséria para alguns. Que de
fato esta condição é lucrativa politicamente. Que não deve acabar para que estruturas
arraigadas há séculos não sofram abalos. Com uma escola pública de qualidade
que proporcionasse saber suficiente para jovens de periferia, passaríamos a ter
uma disputa menos injusta no que diz respeito às vagas nas universidades
públicas. Mas isto não seria bom para a classe média. Seus filhos teriam uma
concorrência muito maior. E as escolas particulares fechariam, ou perderiam
muitos alunos, pois com ensino de qualidade gratuito, não teriam mais o porquê
de existir.
Infelizmente
nossas escolas públicas hoje mal alfabetizam. Pouco transforma e influencia na
formação intelectual que possa criar grandes homens e mulheres. Temos
vivenciado uma política tecnicista, que privilegia o “operário” em detrimento
do intelectual. O grande pensador italiano Antonio Gramsci disse certa vez que
“a tendência democrática da escola não pode consistir apenas em que o operário
manual se torne qualificado, mas em que cada cidadão possa se tornar governante”. Deveríamos investir menos em
escolas técnicas, e mais em ciências humanas. Buscar formar mais pensadores e
menos técnicos. Mas isto poderia ser um problema político.
De acordo com estatísticas do IBGE para o ano de 2001,
cerca de 20% da população brasileira é constituída por jovens entre 15 a 24
anos, e é nesta mesma faixa que se encontram os maiores índices de mortes
violentas e com a maioria destes homicídios nos finais de semana.[1]
De acordo com o banco interamericano de desenvolvimento (BID) os gastos com a
violência no Brasil podem chegar a mais de 105 bilhões de reais, isso em
valores referentes também ao ano de 2001. Mas isso ainda não é algo que ficou
no passado, mesmo tendo se percorrido mais de dez anos. Pode-se afirmar que a
violência nas escolas e na sociedade como um todo ainda não obteve melhores
índices nos anos subsequentes.
Promover a diminuição deste quadro e desenvolver
situações de convivência pacífica é um dos maiores desafios de nossa sociedade
neste século que se inicia. Já fomos à lua. Buscamos contato com outros seres e
mundos, mas não conseguimos desenvolver boas relações entre nós mesmos aqui,
neste planeta. Para os educadores o desafio é enorme. Sem a resolução de vários
problemas que estão fora da esfera escolar, o professor tem uma sobrecarga
tremenda. A escola é um microcosmo da sociedade. Repete muito do que ocorre
“lá” fora. E apenas dentro de seus muros, não consegue soluções muito
significativas. Esta, a escola, por si só “não
é suficiente para alcançar essa transformação e criar uma sociedade pacífica; porém,
também sabemos existirem poucas possibilidades de êxito em se falando de
redução da violência e da desigualdade sem se educarem crianças e jovens no
caminho da paz.”[2]
Como produzir um ambiente democrático, pacífico e
formador de cidadãos conscientes e críticos de sua sociedade e mundo em que
vivem? Como conter a violência entre jovens em idade escolar impedindo que isto
se propague para outros ambientes? São perguntas
nem um pouco fáceis de serem respondidas.
Ortega (2002) nos
diz que prever a violência é um meio de se aperfeiçoar as condições de
convivência, e que este processo implica mobilizar diversas motivações. Desta forma,
a educação das emoções, dos sentimentos e dos valores tem de ter maior
relevância no processo, buscando fazer com que os jovens possam expressar suas
emoções, tomando conhecimento de si próprios assumindo assim atitudes e valores
que promovam a paz e o respeito mútuo.[3]
É quase que consenso entre estudiosos do assunto que
um dos fatores de diminuição das violências dentro da escola é a participação e
a presença constante da família neste ambiente. Outro fator é a valorização e o
entendimento da cultura periférica, buscando entender seus valores e suas
visões de mundo. Não é mais cabível querer impor uma cultura da classe
dominante sem uma leitura de como aqueles fatos são vistos pelos “dominados”. Estes
precisam ter voz e se sentir incluídos dentro da História. Precisam saber que
fazem parte dela.
Um trabalho coordenado pela Professora Miriam
Abramovay e que resultou no livro “Escolas inovadoras: experiências bem
sucedidas em escolas públicas”, trabalho este feito com o apoio da UNESCO e que
apresenta práticas e posturas desenvolvidas em várias escolas do Brasil e que
no geral não divergem muito entre as mesmas tanto na forma quanto nos
resultados, é um grande indicador dos primeiros passos para reduzir
drasticamente alguns problemas.
Entre os meios mais citados no livro para resolução de
variados conflitos estão reuniões entre pais e professores; entre professores e
alunos; encontros privados entre professores e pais; reuniões entre pais,
professores e a polícia; abertura da escola nos fins de semana para a
utilização dos espaços de lazer pela comunidade; festas religiosas e de
comunidade no espaço escolar; atividades teatrais e esportivas; sessões de
filmes, de música, de trabalhos manuais entre outros. Todas as escolas
apresentaram redução de seus índices de violência. A convivência passou a ser
mais pacífica e o investimento no diálogo foi fundamental para a mudança do
clima escolar.
Fator importantíssimo assinalado em todos os casos,
como visto acima, foi a maior participação da família no ambiente escolar. Fato
este que também interferiu nas relações sociais dentro do ambiente familiar. Pais
e alunos passaram a ter voz dentro da escola. O diálogo entre pais, professores
e alunos foi fundamental para a mudança. Jovens passaram a expor seus problemas
e as conversas foram de igual para igual. Não havia hierarquia nestes
encontros. Encontravam-se em pé de igualdade para resolver problemas que
afetavam a vida de todos. Talvez seja apenas isto o que esteja faltando em
todas as esferas sociais; diálogo.
[1] ABRAMOVAY, Miriam
(coord.). Escolas inovadoras: experiências bem sucedidas em escolas
públicas. Brasília, UNESCO, Ministério da Educação, 2004.p. 46.
[2] Gorbeña, Lucía. Arregui, Amaia. Convivência
e conflito no ambiente escolar. Funiber, 2013. Livro II, capítulo II, p.8.
[3] Ortega,
Rosário. Projet Sevilla contre La
violence scolaire: um modele d intervencion éducative á caractere écologique.
In: Escolas inovadoras: experiências bem
sucedidas em escolas públicas. Miriam Abramovay (coord.) Brasília, UNESCO,
ministério da Educação, p. 49.
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