Muitos dos cativos vindos para a
América eram provenientes de regiões em que a agricultura era bem aplicada. Os negros do oeste africano
possuíam técnicas agrícolas e artesanais desenvolvidas, divisão social do
trabalho, comércio regulamentado, sistemas de governo bem estruturados e
princípios de organização militar.[2] Maestri e Fiabani em “O mato, a roça e a
enxada”, discutiram a produção dos quilombolas entre os séculos XVI e XIX e nos
dizem que:
A produção quilombola horticultora
sustentou grande parte dos cativos fugidos que permaneceram nas fronteiras do
Brasil. Ela apoiou o processo de colonização de regiões agrestes e afastadas,
interveio nas trocas mercantis com a sociedade escravista, contribuiu para a
formação das comunidades caboclas, antes e após a abolição etc., entretanto, na
história da agricultura brasileira, pouca importância tem sido dada ás
comunidades quilombolas. A produção agrícola das comunidades estáveis e semi
estáveis de trabalhadores escravizados fugidos tem sido abordada quase exclusivamente
por obras gerais e estudos monográficos sobre os quilombos, com destaque para
os estudos dedicados a confederação palmarina. É quase como se o caráter anti
oficial desses agrupamentos determinasse que eles não poderiam ter contribuído
para a construção das práticas agrícolas no Brasil, sobretudo no que se refere
á produção das formas singulares que assumiram, antes e depois da abolição, os
seguimentos sociais camponeses no Brasil. [3]
Podemos
observar que estas comunidades “marginais”, mantinham ligações e um vínculo que
variava entre a dependência e o fornecimento de vários gêneros com o restante
da sociedade. Outro fato marcante relativo à produção horticultora dos
quilombolas se deve a questão de que na África as práticas agrícolas ficavam a
cargo das mulheres, enquanto que aos homens as atividades relegadas eram a
caça, pesca e a construção, entre outras coisas. Produção agrícola era coisa de
mulher. Este fato irá sofrer grande modificação nas Américas, tendo em vista
que a maioria dos habitantes dos mocambos era de homens.[4] Uma das explicações para esta maioria
masculina nos quilombos pode ser entendida levando-se em conta a maior entrada
de homens no mercado escravocrata, e das naturais dificuldades inerentes as
fugas.
Gorender
relata ainda que no mercado africano de pessoas, as mulheres tinham um preço
superior ao dos homens, e que também o tipo de serviço a ser executado nas
Américas- produção em lavouras extenuantes como as de açúcar- levava os
compradores a darem preferência ao sexo masculino. Devido a isto, havia
uma predominância de homens nas fugas e quilombos. No sul dos Estados Unidos, pelo menos
80% dos debandados eram homens entre dezoito e trinta e cinco anos.[5] Este domínio masculino não foi impedimento
ás práticas horticultoras.[6] Para sobreviverem a estas novas condições
estes homens tiveram de se readaptar tanto no que diz respeito ao aspecto
cultural, quanto ao geoecológico das terras brasileiras a serem desbravadas. As
poucas mulheres presentes nos mocambos ensinaram a maioria de homens a
desenvolver as técnicas de plantio e colheita agrícola.
Tendo
em vista a afirmativa de Maestri e Fiabani a respeito da importância da
produção quilombola, podemos deduzir que os mesmos obtiveram relativo sucesso
nesta empreitada. Para se entender melhor este processo, a que se levar em
conta a conjuntura dos mercados internos e externos do período. No final do
século XVIII, a colônia se encontra em momento de crescimento econômico devido
ao aumento de sua produção agroexportadora. Schwartz afirma que no
Brasil, este foi um período de
considerável crescimento urbano, economia de exportação em expansão e aumento
na importação de escravos, bem como crescimento geral da população. Todos estes
fatores contribuíram para o crescimento de um mercado interno de gêneros
alimentícios e criaram as circunstâncias certas para o acesso ao mercado
especialmente atraente para os escravos. A expansão da agricultura de
subsistência foi notável nesse período em muitas regiões do Brasil.[7]
Escravos e quilombolas souberam se aproveitar das oportunidades do sistema e do
crescimento econômico do período. Estes passam a obter acesso a terra, não
apenas a partir das fugas que empreenderam, mas também a partir da cessão de
lotes feito por seus senhores. “É quase certo que a existência do direito
dos escravos á propriedade e certo grau de autonomia resultassem de uma série
constante e mutável de acordos e negociações, que variavam de uma região para
outra.” [8] A cessão de lotes por parte do senhor a
determinados escravos acaba sendo um ótimo negócio para ambos, tendo em vista
que por parte do senhor, esta concessão poderia lhe resolver certos problemas,
que Silva argumenta da seguinte forma:
Teoricamente, como instrumento de produção, propriedade do senhor,
o escravo não poderia ter uma economia própria, já que, ele mesmo, não se
pertencia. Entretanto, na prática, o escravismo colonial, por toda parte
admitiu certa margem de economia própria para uma parcela dos cativos. Ao ceder
um pedaço de terra e a folga semanal para trabalhá-la, o senhor aumentava a
quantidade de gêneros disponíveis para alimentar a escravaria numerosa, ao
mesmo tempo em que fornecia uma válvula de escape para as pressões resultantes
da escravidão.[9]
A partir da exposição de
Silva podemos concluir que o sistema escravista brasileiro admitiu certa margem
ao escravo tornando possível que o mesmo conseguisse trabalhar em seus dias de
folga em proveito próprio. Esta possível conquista era fruto de um constante
jogo de negociações travadas entre senhor e escravo, que poderia ser benéfica
para ambos os lados.
[1] Stuart Schwartz
em “Escravos roceiros e rebeldes” no
capítulo 2 apresenta um documento emitido por escravos no interior da Bahia no
ano de 1789. No documento podemos ver o posicionamento dos insurgentes com
relação a várias questões de seu cotidiano, e também trechos em que os mesmos
se diferenciam dos africanos. Este mesmo documento se encontra em anexo no fim
deste texto. A revolta dos Malês também
é outro acontecimento em que podemos ver a separação entre estes dois grupos.
Ver: Negociação e conflito,
p.99-122.
[2] LIMA, Lana Lage da Gama. Op.cit.p19.
[3] MAESTRI, Mário. FIABANI, Ademir. O mato, a roça e a enxada: a horticultura quilombola no Brasil
escravista (séculos XVI-XIX). In: MOTTA, Márcia. ZARTH, Paulo. Formas de resistência camponesa:
visibilidade e diversidade de conflitos ao longo da história. Concepções de
justiça e resistência nos brasis. Rio de Janeiro: UNESP, 2008, p.64-65.
[4] Idem, p.71-72.
[5] SILVA, Eduardo, REIS, João José. Op.cit. p.75.
[6] MAESTRI, Mário, FIABANI, Ademir. Op.cit. p.72.
[7] SCHWARTZ, Stuart. Op.cit.p.115.
[8] Idem, p.105.
[9] SILVA, Eduardo.
Barões e escravidão. Três gerações de fazendeiros e a crise da estrutura
escravista. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.p.157.
Excelente artigo sobre a influência africana no Brasil.
ResponderExcluirMeu filho usou como base para um trabalho escolar.
aprenda tudo sobre energia solar
Excelente material disponível. Parabéns!!!
ResponderExcluircarros-usados-itajai