O que um historiador
tem que se preocupar quando vai analisar um acontecimento histórico ou uma obra
de algum autor do passado é ter o cuidado de não cometer o anacronismo ou até
mesmo fazer uma leitura teleológica dos fatos. Para melhor compreensão do
ocorrido temos que nos transportar até àquela época e tentar entender o porquê
de tal evento, assim como fazer a contextualização. No caso de autores que
defenderam o absolutismo na transição da Idade Média para a modernidade temos
que perceber que não se trata de um ideal apenas e sim um anseio a ordem
administrativa, já que, estavam saindo de um modelo feudal, onde o poder era
descentralizado pertencendo aos senhores donos de terras e que agora estava
sendo centralizado nas mãos de um rei local dando margem ao surgimento dos Estados,
contudo, esta mudança de comportamento trouxe problemas, já que burgueses e
nobres estão em busca do mesmo objetivo, ou seja, o poder.
Outro fator relevante para ser analisado é o fato de
tirar conclusão de um autor através de uma obra apenas, fazemos isto quando
lemos o Príncipe de Maquiavel e logo o taxamos de absolutista, mas esquecemos de
que ele tem inúmeras obras e não devemos julgá-lo apenas por esta, onde o autor
após fazer um estudo empírico dos fatos ocorridos nos últimos tempos e vendo o
choque entre o pensamento republicano e a monarquia Italiana chega a conclusão
que só um poder absoluto pode salvar a Itália da ruína e manter a ordem.
Maquiavel foi o primeiro autor a romper com a ideia do poder divino. Para este pensador, o homem constrói seu próprio caminho e para isto acontecer ele tem que se
valer de algumas virtudes. Neste contexto não se trata de virtude cristã e sim
virtude política. Para manter o Estado em ordem vale praticamente tudo.
Se na Itália Maquiavel tentou dar sua contribuição através
do seu manual, na Inglaterra não foi diferente. Tomas Hobbes embora não fazendo
nenhuma menção ao nome do autor Italiano segue seus passos, porém de forma
diferente. Para o escritor Inglês o poder absoluto surge na forma de um pacto
entre súditos e o Estado, todavia tentemos entender porque Hobbes está propondo
este modelo de governo.
Depois de Henrique VIII a Inglaterra tem o seu poder
centralizado fortalecido, pois este rei com sua frieza e nenhuma piedade de
quem atravessasse seu caminho foi construindo um governo absolutista tendo seu
ápice com sua filha Elisabeth I no final do século XVI que soube administrar as
querelas religiosas permitindo que Católicos e Protestantes pudessem professar
sua fé. Mas neste Estado desde século XII existe um parlamento que mesmo
perdendo força nunca deixou de incomodar, além disso, tinha que se preocupar
com as constantes guerras travadas com a França, além de disputas dinásticas
(Tudors x Stuarts) e brigas religiosas entre católicos e protestantes.
Hobbes nasceu na era de Elisabeth I, ou seja, em plena
guerra travada com a Espanha, pois em 1588, ano em que o escritor nasceu Felipe
II está atacando o reino Inglês e tentando derrubar Elisabeth. Entretanto, apesar
da esquadra Espanhola ser a mais poderosa da época, não conseguiu atingir seu
objetivo principal e foi derrotada pelos navios Ingleses com a ajuda da
tempestade. Em 1603 morre Elisabeth e como não era casada e não tinha herdeiro,
assume seu primo Jaime I rei da Escócia e filho de Merye prima de Elisabeth a
qual foi decapitada por traição pela rainha Inglesa. Por sinal, decapitação foi
o que não faltou no governo Tudors, a começar por Henrique VIII que deu cabo de
duas de suas seis esposas, assim como do seu colaborador Thomas More autor de
“Utopia”. Começa então uma nova dinastia, os Stuarts enfim chegam ao poder na
Inglaterra. Em 1625 morre Jaime e assume seu filho Carlos o qual era Católico
fervoroso e com seus ideais absolutistas extremados chega a fechar o parlamento
para reinar sozinho, mas tem seu governo marcado pelos confrontos dando inicio
a uma guerra civil, onde o seu fim será a morte depois que o exercito de Oliver
Cromwell vence a guerra e entrega Carlos ao parlamento para julgamento sendo
que já estava decretado a sua condenação. Por outro lado Cromwell instala a
republica puritana e se auto proclama rei “lorde protetor da Inglaterra” e em
1653 fecha o parlamento, e com apoio do exercito, burguesia e puritanos passa a
governar absoluto. Radical perseguiu tudo que julgava imoral.
Em
1658 Morre Cromwell e assume seu filho Ricardo, sem as mesmas qualidades do
pai, logo foi afastado pela nobreza e a burguesia inglesa que estavam
negociando o retorno do filho de Carlos que estava exilado na França, sendo que
este tinha que aceitar o controle do parlamento. Tem-se então a restauração da
Monarquia. Apesar de não arrumar grandes problemas, Carlos II mandou
desenterrar Cromwell e enforcar seu cadáver em praça pública para vingar a
morte de seu pai. Em 1660 então temos a restauração da dinastia Stuarts e a volta
do parlamento como pretendia a nobreza liberal e a burguesia. Daí para frente
vamos chegar à revolução gloriosa em 1668, onde será montado o esquema de
governo que dará origem ao atual sistema naquele país, a monarquia
parlamentarista.
Voltamos
à vaca fria, como podemos observar as coisas não estavam muito tranquilas naquelas terras no período em que Tomas Hobbes viveu e isto trás preocupação,
já que estes acontecimentos estão atrapalhando o desenvolvimento, pois a Inglaterra
estava se desenvolvendo comercialmente, como também fazendo sua expansão
marítima e a ocupação da América. Como viajou pela Europa, principalmente
pela França que desenvolvia um modelo de absolutismo de sucesso e que começou a
se estruturar definitivamente com a organização do Cardeal Richilieu que
conseguiu apaziguar as disputas internas, bem como fortalecer o poder real a
partir do século XVII. Na França apesar de também existir parlamento não era
para intrometer em problemas reais e sim locais, segundo Perry Anderson “Os mais distantes ducados e condados da
França sempre renderam vassalagem nominal à dinastia central, mesmo se vassalos
inicialmente mais poderosos do que seu suserano real – permitindo uma
hierarquia jurídica propícia à posterior integração jurídica”. Ao contrario
da Inglaterra que desde a carta magna assinada pelo rei João sem terra em 1215
impondo limites ao seu poder tem dificuldades para implantar o absolutismo, na
França este modelo governamental caminha em direção ao seu auge no governo de
Luiz XIV, quando na morte do Cardeal Mazarin que administrava em seu nome, Luiz
resolve então assumir as rédeas da administração e consegue centralizar de uma
vez todos os poderes em suas mãos. Agora o rei administrava, julgava e
executava ao mesmo tempo. Era como ele mesmo dizia: “O Estado sou eu”. Baseado
praticamente no modelo Francês o autor escreve sua obra dando como solução para
as dificuldades da Inglaterra, todavia com uma diferença em relação ao seu
vizinho, embora as características administrativas e os objetivos fossem os
mesmos, enquanto lá a investidura no cargo seria divino, cá seria em forma de
pacto entre sociedade e Estado.
Tomas
Hobbes foi o primeiro filósofo a falar de um contrato para que a sociedade
pudesse viver em harmonia, respeitando um ao outro, pois sem esse pacto a
sociedade entraria em decadência devido às paixões dos homens em seu estado
natural. Para Hobbes o homem é naturalmente violento e desconfiado, por isso
está sempre em condição de guerra, e é uma guerra de todos os homens contra
todos os homens, isso não quer dizer que estes homens vivam em uma guerra
constante, porém, como o homem não tem nenhum prazer pela companhia do outro e
por causa das suas ambições, a guerra pode acontecer a qualquer momento, basta
que um pense que o outro irá ataca-lo para que ele ataque primeiro para se
defender e então o caos esta instalado.
Ao contrario da filosofia Aristotélica em que o homem é
um ser naturalmente politico e faz uso da razão para se relacionar, Hobbes diz
que temos que prestar atenção na experiência, pois esta mostra que o homem em
seu estado natural não faz uso da razão para sobreviver, pelo contrario, quando
mais de um almeja a mesma coisa e esta coisa não pode ser de ambos ao mesmo
tempo eles vão entrar em disputa para ver quem vai ficar com o bem, mostrando
que qualquer um pode alcançar o seu objetivo através de suas forças e se o
adversário for mais forte, o mais fraco pode se juntar com outros que também
querem a mesma coisa para derrotá-lo. Sendo assim o homem é por natureza um ser
competidor, como nos diz Hobbes. ”A
competição pela riqueza, a honra, o mando e outros poderes leva à luta, à
inimizade e à guerra, porque o caminho seguido pelo competidor para realizar
seu desejo consiste em matar, subjugar, suplantar ou repelir o outro”. Para
conseguir o que quer, o homem não mede as consequências e nem tem medo de ser
injusto, já que, onde não tem justiça não tem injustiça e sem um poder para
regular o que é certo e o que é errado a paz estará sempre ameaçada. Nesta
situação não há lugar para o progresso e o desenvolvimento não acontece devido
à insegurança e sobre tudo o medo da morte violenta, pois quando estão guerreando
os homens não tem tempo para pensar na indústria, comércio e até mesmo a
ciência fica travada fazendo com que a sociedade em geral não se desenvolva.
Para a paz reinar e o desenvolvimento acontecer é preciso
que o homem ceda parte dos seus direitos para o Estado para que este organize a
vida em sociedade permitindo a liberdade entre os corpos em movimento. Hobbes
denominou o ser poderoso de Leviatã, numa alusão ao monstro de Jó 41 encontrado
na Bíblia, pois este ser que é cruel e indestrutível é também defensor dos
menores indefesos. Todavia o monstro de Hobbes não é imortal, porém goza de poder
absoluto dado pelos indivíduos não podendo ser contestado, pois ele esta acima
do pacto feito entre a sociedade e quem cumpre com o pacto não será punido pelo
Estado ao contrario de quem descumprir com as regras será castigado pelo
monstro artificial e não poderá tomar nenhuma atitude contra o mesmo, haja
vista se fizer algo contra a entidade estará fazendo contra ele próprio, já que
transferiu seus direitos para o soberano absoluto.
Hobbes destaca que mesmo o homem vivendo em condição de
guerra ele prefere a paz e pensando no medo da morte seu lado racional fala
mais alto e ele concorda em transferir parte dos seus direitos a este ser
artificial com poder de punição em nome da lei. Vale lembrar que artificial não
quer dizer falso, pois este foi devidamente legitimado pela maioria dos súditos
que para garantir a paz abriram mão do seu estado natural. Para garantir a paz o
Leviatã pode fazer uso da espada, sem o medo o ser humano tende a não respeitar
o pacto, ou seja, sem o poder da espada o contrato não será cumprido pelos
homens.
Apesar de se tratar de um absolutismo existem algumas
brechas para a liberdade, embora seja uma liberdade vigiada, já que as famílias
podem educar seus filhos sem intromissão do Estado assim como cuidar de suas
terras, ou seja, o direito da propriedade privada será preservado desde que
sigam as regras do soberano, já que este tem a prerrogativa do controle
comercial decidindo quem terá a concessão deste seguimento.
Para quem se interessar pelo assunto e por esta época eu
indico alguns filmes que podem ajudar na compreensão. Para a Itália vale a pena
assistir “Os Borgias”, este filme
vai retratar o papado de Rodrigo Borgia encarnando o Papa Alexandre VI no final
do século XV, o qual Maquiavel usará como modelo de conquistador, principalmente
Cesar Borgia que era filho de Rodrigo e segundo o escritor tinha todas as
qualidades para se manter no poder a não ser pela sua falta de habilidade em
conservar a sorte que herdara de seu pai, um dos fatores elementares para as
conquistas. Para tratar da Inglaterra o filme “Elisabeth a era do ouro” dá uma noção do governo desta que foi a
última da linhagem dos Tudors, embora não trate do final de sua administração e
sim realçando suas particularidades como sua solteirice, por exemplo. Tratando dos
Stuarts temos “Morte ao rei”
mostrando o fim que Carlos I teve nas mãos de seu opositor Oliver Cromwell.
Para a França é muito elucidativo o filme “O
absolutismo – A ascensão de Luiz XIV” mostrando como este rei conduziu seu
reinado, assim como o modelo que inspirou Tomas Hobbes a escrever o Leviatã.
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