Lampião era macaense...
A
grande maioria dos brasileiros conhece razoavelmente a história ou já ouviu
falar do cangaceiro Virgulino Ferreira da Silva, que ficou mais conhecido por
conta de seu apelido “Lampião”. No caso dos habitantes de nossa cidade, Macaé,
não seria diferente. Agora o que poucos sabem inclusive os macaenses, é que
Lampião viveu muitas aventuras de sua vida como cangaceiro aqui em nossa cidade.
Pelo menos na ficção. É que no ano de 1969 a R.F.Produções Cinematográficas
escolheu nossa cidade para rodar o filme “Lampião não discute, mata”.
O
filme foi rodado em várias partes da cidade, como morro de Santana, Córrego do
Ouro, Frade e Fazenda da Boa fé. Aliás, a época ainda existia um enorme casarão
colonial nesta fazenda, ainda remanescente do período escravocrata brasileiro,
mas que hoje, infelizmente se encontra derrubado e com apenas alguns vestígios
de sua antiga construção. No filme é
possível ver, mesmo que rapidamente, como eram os distritos de Frade e Córrego
do Ouro e comparar com os dias atuais e suas mudanças promovidas pelo
desenvolvimento petrolífero.
De
acordo com Isaac Souza, Jornalista do jornal O Rebate incumbido de fazer a
cobertura da produção, o roteiro era muito bom para a época e possuía as mais
modernas técnicas cinematográficas, que enfatizavam um Lampião violento, como é
de costume a sua representação.
Lampião
foi morto no dia 28 de julho de 1938 no Estado de Sergipe na gruta de angicos
aos 40 anos de idade. É uma das figuras mais controversas da História do
Brasil, sendo um dos brasileiros com maior número de livros publicados a seu
respeito, tendo livros escritos até em japonês sobre sua história.
Segundo
o jornalista Moacir Assunção da Folha de São Paulo, autor do livro “Os homens
que mataram o facínora”, Lampião era um bandido. Ainda segundo este jornalista, Lampião era um
bandido extremamente inteligente, mas era apenas isto.
Esta
visão não é a única sobre o rei do cangaço nordestino e nem pode ser vista como
a que representa a verdade do personagem, da época e do cangaço. Há os que o
vejam como um insurgente que lutou contra as forças dos coronéis que
concentravam riquezas e manipulavam os mais pobres para obter a perpetuação de
seu poder e de seus familiares. Muitos dos movimentos de contestação do fim do
século XIX e início do século XX tinham a miséria como motor, e uma vida digna
como objetivo. A maioria das pessoas pobres do sertão nordestino era submetida
a regimes de trabalho semelhantes à escravidão recém-abolida no ano de 1888.
Os
movimentos de Canudos e Contestado são exemplos desta luta por dignidade e
contra o poder dos grandes latifundiários. Em Canudos, pessoas miseráveis lutaram por um
pedaço de terra até serem mortas pelo Exército Brasileiro. Foram mais de 20 mil
assassinatos de crianças, mulheres e homens pobres e famintos. Com certeza uma
das maiores vergonhas de nossa História.
Olhando
a partir deste viés, fica mais fácil entender a postura e os caminhos de determinados
grupos que se insurgiram contra os Coronéis feudais de um século atrás.
A
Pesquisadora Fátima Teles no artigo “O cangaço, o latifúndio e as oligarquias”,
discute o papel dos grupos rebeldes no contexto social de seu tempo e de sua
região. Segundo Teles
Analisar o cangaço é investigar também o
contexto socioeconômico e cultural do Brasil desde a sua colonização no que
tange a questão agrária. Um país “descoberto” por europeus que não respeitavam
a cultura dos habitantes ali encontrados, iniciando assim uma série de
violências contra a etnia que habitava as terras e palmeiras brasileiras. O
poder político do Império através das capitanias e sesmarias concedeu terras
aos seus correligionários em detrimento dos que ali já viviam, plantavam,
produziam e colhiam. Posteriormente a exploração da mão de obra escrava também
não era questionada em razão das etnias tidas como minorias não serem
reconhecidas culturalmente sendo tratadas como inferiores, forçadas ao
progresso “civilizador”.
É neste
contexto repleto de contradições que surgem os cangaceiros nordestinos. São
filhos da miséria, da exclusão, da exploração e da desigualdade social que se
alastrou pela terra brasilis pós-chegada de Cabral. A proclamação da República de 1889 não
produziu efeitos na melhoria dos que já eram explorados há séculos. Os que
viveram na escravidão e que haviam conquistado a alforria um ano antes viram no
trabalho livre quase que as mesmas condições de trabalho do regime da
escravidão.
No nordeste
brasileiro o povo sofrido buscava de diversas formas escapar da fome e de suas
agruras, que no ano de 1877 teria matado em torno de 500 mil pessoas.
Movimentos religiosos como o de Antonio Conselheiro buscavam criar na terra uma
comunidade em que este flagelo não fosse mais uma constante em suas vidas.
Teles relata que “As
condições climáticas do semiárido nordestino favoreciam o surgimento de secas
prolongadas de tempos em tempos, castigando a produção agrícola do homem do
campo trazendo miséria e fome. As secas, o controle social, a partir da prática
de favor cultivada pelos senhores de fazenda diante dos trabalhadores fez com
que alguns se indignassem e fossem mudar o seu destino, adentrando no cangaço
ou no messianismo”.
Virgulino,
homem de fé que era, optou pela primeira opção; o cangaço. Segundo Bezerra (2009),
“Virgulino,
ao tornar-se Lampião, não pensou ser bandido ou herói: apenas disse não a uma
agressão sofrida e reagiu. Subverteu a ordem estabelecida. Foi autor da sua
própria história e não, apenas, coadjuvante na história de alguém. Subverteu a
ordem quando matou, quando invadiu cidades, quando escolheu seu destino...”.
Para Virgulino, sendo de forma consciente ou inconsciente,
seu posicionamento naquela sociedade era a principal maneira de enfrentar a
ordem autoritária vigente. Era a resposta devida aqueles que viviam da
exploração e ganhavam com a miséria humana.
“Lampião foi o produto de uma sociedade
desigual econômica e socialmente, que por não oportunizar os trabalhadores à
dignidade transforma-os em rebeldes e revolucionários. Sendo produto de uma
história ele também se torna seu produtor pois interfere nessa história e a
modifica como autor do seu próprio destino, da sua história. Portanto, como
sujeito, ele constrói e transforma. Lampião não se tornou só o produto de um
Brasil ditado por uma elite dominante que governava em prol dos seus próprios
interesses. Lampião se torna construtor da história de luta dos sertanejos que
escolheram a vida rude e violenta do mundo do cangaço e dessa forma enfrentou
governantes de toda a Região nordestina a tal ponto que ficou conhecido pelo
seu destemor até hoje em pleno século XXI, de modo que não se fala em cangaço
sem a figura emblemática de Lampião, representante maior do cangaço brasileiro”. (TELES, 2014).
A imagem de bandido do cangaceiro nordestino é
uma construção de nossas elites, que como de costume, coloca no desfavorecido a
responsabilidade por seu destino, não deixando claro para a maioria de nós os
vários fatores que envolvem as “escolhas” feitas por pessoas e grupos em
situação de extrema miséria. Hoje completam 77 anos de seu assassinato. Viva a memória de Lampião...
Bibliografia:
TELES Fátima. O cangaço, o latifúndio e as oligarquias. Artigo publicado
na página: http://www.vermelho.org.br/noticia/249409-11
Rosa, Bezerra. A representação do cangaço. Recife. Ed.do autor, 2009.apud
Teles, 2014.
pura verdade,só que o filme que foi filmado na regão serrana foi [meu nome é lampião]se não me engano nos anos 67ou 68
ResponderExcluir