Quando pensamos em quilombo o primeiro nome que vem ao nosso
pensamento é o quilombo de Zumbi dos palmares, pois este foi e até hoje é o
mais famoso ajuntamento de negros como forma de resistência a escravidão no
Brasil. Porém sabe-se que muitos outros existiram em todo o país.
A definição de quilombo hoje em dia sofreu transformação,
assim como a relação dos negros com a sociedade que ao longo do tempo vem sendo
trabalhada para que a visão racista e preconceituosa do passado possa ser
superada, embora ainda esteja muito distante do ideal em se tratando de igualdade
entre negros e brancos. Sabemos que uma comunidade negra rural que agrupa descendentes
de escravos e que vive da cultura de subsistência, expressando forte vínculo
com o passado em suas manifestações culturais, tem ligação direta com um
quilombo, ou seja, é um quilombo que teve sua memória transformada de alguma
forma na tentativa de esquecer um passado de dor e sofrimento, mesmo que de
forma inconsciente porque na verdade ninguém esquece de suas raízes.
A questão da tentativa inconsciente de querer se livrar do
rótulo de quilombo era que não tinha nenhum benefício em se lembrar disso, pois
quilombo era visto como lugar de negros fugidos e malfeitores, pois enquanto
estavam a serviços dos seus senhores e sendo subalternos sem reclamar, eram
vistos apenas como bons ou maus serviçais, mas, se reivindicavam direitos e
condições melhores, a única coisa que ganhavam era o rótulo de desqualificados
e de malfeitores.
Hoje vejo que isso foi uma estratégia para conseguir superar
as dificuldades, mesmo que seja de forma inconsciente, pois se livrar do
estigma de negro era pressuposto para alcançar os direitos que foram negados
aos seus antepassados. Era uma forma de criar uma identidade de acordo com as
interpretações culturais que os rodeavam, já que, em qualquer sociedade e
principalmente na capitalista, quando são negados os direitos sejam eles
sociais, políticos ou outro qualquer, e faltam forças e estratégias para lutar
contra esta forma de dominação, o que resta é negar-se como tal para poder
conseguir algo. Por isso é compreensível que a pouco tempo atrás o próprio
negro se negasse como tal, haja vista, não era vantagem nenhuma ser negro, e
temos que entender que isso fazia parte de um processo histórico, construído ao
longo do tempo e que naquele momento estava tão enraizado que era visto como
normal pela maioria das pessoas. Se
matar foi uma forma de continuar vivo até poder lutar pelos direitos negados
até então.
A expressão quilombo vem sendo sistematizada desde o período
colonial no Brasil, pois sabemos que desde que existe a escravidão, existe
resistência e tentativa de se livrar desse modo de trabalho desumano. Entre as
maneiras de se defender estavam a busca de refúgio em algum lugar em que o
senhor não pudesse os encontrar, o suicídio, o justiçamento
e insurreições, como nos diz Mario Maestri em seu livro o escravismo no Brasil.
Para este autor “a fuga era a maneira
mais simples, segura e rápida de o negro libertar-se” e a maneira mais
segura era procurar um lugar que já existisse outros negros para se organizar
contra a violência dos senhores escravocratas. Existe autores como Ney Lopes
afirmando que “quilombo é um conceito próprio dos africanos bantos que vem
sendo modificado através dos tempos” (...) Quer dizer acampamento guerreiro na
floresta, sendo entendido ainda em Angola como divisão administrativa”. No
Brasil colonial qualquer ajuntamento de negros que passasse de cinco era
considerado quilombo, mesmo que não tivessem habitações e pilões no local e a ordem
era dar fim a organização dos negros, para isto foi criado a profissão de Capitão-Do-Mato,
que era uma espécie de caçador de negros tidos pelos escravagista como “fujões”.
Para Silvia Lara, autora do livro “Campos da violência -
escravos e senhores na capitania do Rio de Janeiro (1750-1808)”, não se
encontrou documentos que comprovem a existência de um grande quilombo na região
dos Campos dos Goitacazes, porém pela presença de capitães do mato e relato de
fuga de negros pode-se deduzir que existiram uma boa quantidade de quilombos
nesta área. Mas Hélvio Cordeiro conta em seu livro “Carukango o príncipe dos
escravos” a saga do moçambicano que ao ser trazido para o Brasil e adquirido
por um senhor na cidade de Macaé, nunca aceitou ser escravizado e criou um
quilombo na serra do deitado com uma organização bem próxima ao famoso quilombo
de palmares, onde fizeram plantações e moradias de forma organizada. O
pesquisador nos diz que após uma ação de fuga bem-sucedida planejada por
Carukango na fazenda a qual fazia parte do quadro de escravos, “Os negros seguiam para o cume das montanhas
da serra do deitado, região habitada na época somente por índios e fugitivos,
que hoje faz parte dos municípios de Macaé e Conceição de Macabu”. Outra
passagem interessante é que quando o quilombo foi destruído pelo aparato
militar entre as milícias do Espirito Santo e Cabo Frio montado pela família
Pinto a qual pertencera Carukango, este já estava fazendo planos de mudar-se de
local devido a descoberta do seu esconderijo e o destino seria a região do Imbé,
local muito propicio a prática de aquilombar-se. Haja vista a quantidade de
comunidades quilombolas nesta localidade. Carukango e seus 200 quilombolas
foram dizimados na primeira metade do século XIX pelo Coronel Antão de
Vasconcelos e fazendeiros locais, mas deixou um legado de luta e bravura contra
a escravidão de seu povo, pagando com a própria vida seu ato de repúdio a
exploração humana que na verdade tinha a função de desumanizar os africanos.
Com relação aos quilombolas da região Silvia Lara relata que
em 1784 João Gomes de Sousa e seus soldados foram presos na cadeia da vila por
terem assassinado o cabra Gabriel quilombola. Veja que este quadro é uma
exceção, onde quem matou um escravo foi punido pela lei, porém a punição não
era pela vida do negro, já que não haveria pena para quem matasse um negro que
estivesse aquilombado e negasse a se entregar e, sim pelo prejuízo que causara
ao dono do escravo, pois o senhor acabara de perder um bem que além de ter
custado algum dinheiro ainda não teria seu investimento na forma de prestação
de mão-de-obra já que o escravo estava morto. Segundo a autora “todos moradores e Capitães-do-mato para que
dessem nos quilombos, permitindo-lhes matar, sem pena alguma da justiça, os
negros que resistissem (à semelhança do praticado nas Minas Gerais”, mostrando
que a câmara da vila de São Salvador estava ligada no que acontecia em outras
regiões das terras Luso-Brasileira. Assim matar um negro que não aceitava ser
escravizado, além de não ser crime ainda poderia render uma boa recompensa.
A
figura do capitão do mato é constante nos registros que vão tratar da fuga de
escravos em todo o império e em Campos dos Goitacazes não é diferente, porém é
a partir do século XVIII que essa profissão aparece com mais afirmação, já que
é nas primeiras décadas que aparecem regimentos locais a respeito da profissão
destacando como atribuições dos mesmos e prêmios pela entrega dos fugitivos.
Para a escolha do Capitão-do-Mato uma das formas de provimento era feito pelos
vereadores em uma eleição, onde chamava-se o candidato aprovado para o cargo e
o mesmo prestava um juramento para em seguida tomar posse. Dinheiro público era
empregado neste oficio, já que em outubro de 1969 a “câmara da vila de São Salvador mandou dar ao Mestre de Campo “100$000
réis para as despesas que se haviam de fazer para preparo dos homens que haviam
de dar nos quilombos dos pretos fugidos”. Nos Campos dos Goitacazes
Capitães-do-Mato são encontrados na parte norte do rio paraíba, assim como
abaixo do norte e sul, sertão do rio Ururaí, chapéu do sol, ponta grossa, Macaé
e Lagoa de Cima, cada capitão tinha sua circunscrição e normalmente era do
lugar para facilitar na busca dos fugitivos.
Sobre
os quilombos Clóvis Moura vai falar em “QUILOMBOS - Resistencia ao escravismo”,
que “no Brasil, como em outras partes da
América onde existiu o escravismo moderno, esses ajuntamentos proliferaram como
sinal de protesto do negro escravo às condições desumanas e alienadas a que
estavam sujeitos” e quanto mais aumentava a pratica da escravidão, a sua
negação em diversas formas e principalmente a de aquilombar-se também crescia
como sintoma de resistência, desta forma onde houvessem escravos haveria um
quilombo.
Em
terra Goitacá, o quilombo foi descrito pela câmara segundo Silvia Lara como um
lugar “em que estivessem arranchados e
fortificados com ânimo a defender-se que não sejam apanhados e não em qualquer
rancho por se repararem do tempo, porém achando-se de 6 escravos para cima que
estejam juntos se entenderá também quilombo”. Esta definição pouco difere
da que foi dada anteriormente pelo Rei de Portugal em 1740, onde as habitações
que passassem de cinco negros fugidos eram consideradas quilombo. A parte
interessante da definição da câmara é que se fala em defender-se, ou seja, fica
explicito que os quilombolas eram atacados de forma violenta pelos caçadores de
escravos e para não voltar a vida desgraçada que lhes era imputada às vezes
reagiam em defesa de sua liberdade.
Portanto se não existem registros documentais de um grande
quilombo em nossas terras, o fato é que os quilombos existiram e em grande
quantidade, para isso basta verificar a quantidade de ações contra os
quilombolas. Em 1792 por exemplo, a câmara foi mobilizada para que tomasse
atitude em relação aos quilombos que existiam nos sertões deste distrito, sendo
montado um grande contingente de Capitães-do-Mato e ajudantes passando de 200
homens para procurar e destruir quilombos na região, obtendo um resultado satisfatório
na captura e destruição das moradias quilombolas. Por outro lado, se pensamos
em números maiores deste ajuntamento de escravos para sua defesa, podemos
perceber que houve época que teve que tomar uma atitude mais elevada em relação
aos refugiados o que mostra que nesta época teve uma organização mais elaborada
por parte dos quilombolas o que nos faz lembrar do quilombo de Carukango em
Macaé que tomou proporções elevadas ainda no início do século XVIII.
Se os documentos não mostram os lugares
exatos dos quilombos dos Campos dos Goitacazes e, se foi feito uma tentativa de
esquecer o passado para se livrar do estigma da escravidão com derrubada de antigos
casarões com suas senzalas e seus troncos penalizadores, por outro lado não
conseguimos apagar a memória dos que fizeram parte desse processo. Para isso
recorremos aos documentos vivos de nossas comunidades que na forma de oralidade
relata as querelas que seus antepassados tiveram para defender seus quilombos e
suas vidas. Hoje com as ações positivas voltada para as comunidades quilombola
está fazendo com que este tema entre em discussão com maior ênfase, o que é
muito importante, tanto para descobrirmos e mapear os quilombos existentes em
nossa região, como também mostrar a luta e perseverança dos negros escravizados
nessas terras. O passado não pode ser apagado, principalmente quando se trata
de erros, pois se não conhecemos os erros do passado corremos o risco de
cometê-los no futuro.
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