Segundo
o jornalista Aristides Lobo ao retratar o posicionamento popular no momento da
proclamação da república, este povo teria assistido a tudo sem nada entender.
Teria assistido a tudo bestializado, sem nada compreender sobre o processo
republicano e o golpe militar que derrubou a monarquia. Outro autor, Louis
County, disse que no Brasil não há povo. Essas referências se dão devido à
visão de que a participação popular no Brasil é nula ou inexistente. A falta de
participação politica dos populares será uma marca do período discutido e, de
certa forma, como veremos a frente, permanecerá ainda por um bom tempo em nossa
história.
Para
tentarmos entender este fato, não podemos nos esquecer de que somos um país que
tem em sua História um longo período em que a ideia de cidadania era restrita a
poucos elementos. Os direitos políticos sempre foram privilégios dos chamados “homens
bons” da sociedade. Ser um homem bom naquele período significava ser branco,
filho de famílias ricas e possuidor de vastas extensões de terras e donos de
muitos escravos.
Para
ser eleitor no Brasil você tinha que ter dinheiro, e para concorrer a cargos
mais dinheiro ainda. Ou seja, a Ascenção social na política era direcionada a
um número que não chegava a dez por cento da sociedade, e estes quando lá
chegavam defendiam os interesses de seus iguais, que não tinham a aparência
popular. Mas e o povo? Na verdade não tínhamos povo. Tínhamos senhores e
escravos. Ricos e pobres. Uma elite pequena e um grande contingente de
marginalizados.
Os
ideais republicanos que começam a se espalhar pelo país a partir de 1870
buscavam trazer a extensão da cidadania a população em geral. Buscavam o fim do
flagelo da escravidão no país que insistia em ser o último do ocidente a manter
este regime. Mas o que se viu logo após a implantação da república foi à tomada
do poder pelas mesmas elites que antes se beneficiavam do regime monárquico. Segundo
o Historiador Marcos Costa, foi uma mudança que deixou tudo do jeito que estava
antes. Certamente que este não era o objetivo dos republicanos mais exaltados
como Silva Jardim e Benjamin Constant. Constant inclusive disse que aquela não
era a república com a qual ele havia sonhado.
Infelizmente
a república realmente não foi aquilo que muitos esperavam. A cidadania
permaneceu limitada a um pequeno grupo. Os ex-escravizados, agora livres, se
encontravam na condição de marginalizados. Educação lhes foi negada, e em
várias regiões a contratação de negros era praticamente proibida. Isso se devia
por conta da necessidade de dar preferência aos imigrantes recém-chegados para
mudar a cara do Brasil, uma busca por certo “embranquecimento”.
A
luta por cidadania e por acesso a espaços sempre destinados a classe de grandes
proprietários se estenderá por todo o século e por diversos grupos. Um desses grupos, no ano de 1889, alguns meses
antes da proclamação da república, formou uma comissão de libertos da região do
Vale do Paraíba e enviou uma carta ao jornalista e futuro ministro republicano
Rui Barbosa, para pedir apoio para que os recursos do governo imperial, que deveriam ser
destinados a emancipação dos nascidos livres a partir de 1871, fossem utilizados
para seu devido fim. Esses fundos deveriam ser utilizados para educar os agora
livres. No fim da carta, um alerta: “Para
fugir do grande perigo que corremos por falta de instrução, viemos pedir
educação para nossos filhos para que eles não ergam mão assassina para abater
aqueles que querem a república que é liberdade, igualdade e fraternidade”.
O que sabemos é que estes recursos foram destinados para qualquer fim, menos
para a educação destas pessoas.
Em diversas
partes do mundo o acesso à cidadania e consequentemente a direitos políticos se
deu através da conscientização popular e de suas ações direcionadas. As conquistas
sociais da maioria não foram atos das classes governantes sensibilizadas com as
precárias condições do povo. O povo saiu às ruas por diretos em 1789 e com a
revolução francesa derrubou o antigo regime. A luta contra a escravidão não
teria tido tanto impacto se não fosse à luta dos escravizados contra o regime. Mulheres
lutaram por seu direito ao voto e conseguiram através de muito esforço a
igualdade de direitos perante os homens. Vários movimentos norte americanos
lutaram contra o preconceito racial e pela luta dos diretos civis entre brancos
e negros. Na África do Sul o movimento de luta contra a segregação racial
colocou o povo nas ruas e derrubou o regime racista que lhes negava direitos.
No
Brasil, por mais que tenhamos a impressão de que realmente a população não é consciente
e não busca seus direitos, várias conquistas não teriam ocorrido sem a participação
popular. Vivemos um delicado momento de
nossa História e faz-se necessário entender os motivos de tais problemas. As raízes
desta atual crise podem ser encontradas em problemas antigos que possuímos e
ainda não foram solucionados. Não teremos dias melhores se colocarmos
representantes que de fato não nos representam. Precisamos entender o real
valor de nosso voto e nos perguntar se votarmos em jogadores de futebol,
palhaços, pastores e pregadores de intolerância será a solução, porque afinal,
estes já estão todos lá, e fazem parte de todo esse imenso circo de horrores
que se tornou a política brasileira.