Estive recentemente no
Estado de Minas Gerais, mais especificamente nas cidades de Ouro Branco,
Mariana e principalmente Ouro Preto, a antiga Vila Rica da Inconfidência
Mineira. Trata-se de uma excelente
viagem percorrendo caminhos marcantes de nossa História. Um encontro com o
Brasil em seus períodos de colônia e Império. A oportunidade de se respirar
muitos momentos interessantes de nosso passado. Deparar-se com vários vestígios
de nossa história e maravilhar-se com boas conversas com autênticos mineiros
contadores de “causos”.
A cidade de Ouro Preto é
belíssima. Parece congelada no tempo. Trata-se de verdadeira viagem ao passado
(isso com pouco esforço, conhecimento, estudo e muita paixão pela História). É
possível “estar presente” em acontecimentos, Imaginar as tramas, os encontros
dos chamados revolucionários, os sonhos e tudo o que deve e deveria ter
ocorrido se tudo tivesse dado certo. Conhecer um pouco das desventuras do ciclo
do ouro. A incrível onda migratória de brancos, negros escravizados e indígenas
atrás do eldorado mineiro, sonho de longa data dos colonizadores europeus.
Sobre isto, a Historiadora da Unicamp
Adriana Romeiro nos diz que “a corrida do
ouro entre o final do século XVII e início do XVIII, foi talvez a maior
migração de homens brancos e livres na América portuguesa ao longo de todo o
período colonial.” Ainda hoje é possível conhecer um pouco deste circuito. Visitar os
túneis que percorrem o subterrâneo da cidade de Ouro Preto, as antigas minas
que produziram toneladas e deram ao Brasil, a Portugal e principalmente a
Inglaterra combustível para muitos de seus projetos como guerras,
desenvolvimento, fortunas e subsídios à revolução industrial inglesa do século
XVIII.
Este ouro que fez a
riqueza de comerciantes e o sofrimento de muitos escravizados provocou fome e
conflitos como a “Guerra dos Emboabas”. Ocorrida entre os anos de 1707 e 1709, este
conflito remontava ainda as primeiras descobertas de pedras preciosas no Estado
Mineiro. Adriana Romeiro revela que “os
paulistas alegavam a sua condição de descobridores para pleitear um tratamento
especial, reivindicando para si o monopólio das terras de sesmarias e dos
cargos e postos administrativos.” A descoberta deste metal precioso fez com
que muitas pessoas de diferentes partes do Império português se
dirigissem as minas. A coroa foi obrigada a intensificar a vigilância visando auferir lucros e não deixar que a região se tornasse uma terra
sem lei e foco de conflitos intermináveis. Seus “tentáculos” agora passam a se
estender a essas localidades e isso desagrada muitos poderosos que já estavam no local.
Pronto, Estava montado o cenário para o conflito.
Questão curiosa a respeito
desta Guerra é o que nos conta Lorenzo Aldé, Pesquisador da revista de História
da Biblioteca Nacional em artigo intitulado “A guerra da memória”. Aldé relata
que há na região de São João Del Rey uma placa que foi inaugurada no ano de
1990 valorizando um acontecimento que ficou conhecido como “Capão da Traição”. Este
acontecimento teria sido determinante para o fim do conflito. Aldé nos diz que
um grupo de 200 paulistas acreditou numa falsa proposta dos emboabas e teria
sido massacrado em uma região que passou a ser conhecida como Capão da traição.
O curioso é que provavelmente isto não teria acontecido ali, naquela cidade, e
sim na cidade de Xavier Chaves, que fica a dez quilômetros de distância.
E falando em Xavier
Chaves, li que há nesta cidade um alambique que teria pertencido a um irmão de
Tiradentes e que ainda se encontraria nas mãos da família produzindo cachaça da
boa. Esta cidade e principalmente o alambique vão ficar para a próxima visita.
Toda esta riqueza projetou
pompa e luxuosidade nas Minas Gerais. Construiu
igrejas majestosas e lendas como a do famoso Chico Rei, o escravo que
teria se tornado dono de uma mina e enriquecido, construindo uma igreja em um
dos morros da cidade em agradecimento aos céus pelas riquezas alcançadas. Interessante
também é ir a Rua São José, onde ficava a casa do Alferes e que foi demolida
por ordem da Rainha Dona Maria de Portugal junto da sentença de sua condenação
e morte. Hoje há um sobrado com
referências ao ilustre ex-morador.
Conhecer a história da
casa de Bernardo Guimarães, o escritor mineiro autor de A escrava Isaura, que
por acaso é um romance que se passa aqui em nossa região, exatamente no
município de Campos dos Goytacazes. Há uma lenda que diz que a cabeça de
Tiradentes estaria enterrada nesta residência. Aliás, a respeito deste caso o
que ocorreu foi o seguinte. Após ser enforcado e esquartejado na cidade do Rio
de Janeiro, as partes do corpo de Tiradentes deveriam ser colocadas em trechos
da estrada que ligava Minas ao Rio, nos principais lugares em que ele teria
pregado contra a monarquia e em favor da República de Minas. Sua cabeça deveria
ser colocada na praça principal de Vila Rica, dentro de uma gaiola, e
permanecer ali até que o tempo a consumisse por inteiro. Acontece que em certa
noite, poucos dias após a sua colocação, ou logo no dia seguinte, a cabeça desaparece e ninguém sabe até
hoje onde ela foi parar. Várias teorias surgiram, mas todas sem nenhuma
comprovação.
Entre estas teorias, uma
que deve ser a mais conhecida é a que faz referência a um padre conhecido como
Gatto. Este padre teria sido o suposto autor do roubo da cabeça, e que teria
levado ela para uma casa e enterrado em sua copa ou mesmo no quintal. Esta
casa pertenceu a Bernardo Guimarães e ninguém sabe ao certo se a cabeça está lá
ou se em outro lugar. Quem roubou teria de manter segredo para resguardar sua
vida. Certamente o governador da capitania não perdoaria tal autor. Este com
certeza seria acusado de simpatizante ou até membro da infame conjuração. A
casa é visitada por conta das histórias que são contadas a seu respeito. No ar
sempre fica a pergunta: será?
Outro caso interessante
remete ao famoso escultor Francisco Antonio Lisboa, o Aleijadinho, autor de
inúmeras esculturas que enfeitam museus e igrejas de Ouro Preto e de cidades
vizinhas e conhecido como o grande mestre do Barroco brasileiro. Na cidade de
Congonhas do Campo há um conjunto de esculturas conhecidas como “os doze
profetas”. Estes seriam profetas bíblicos retratados pelo escultor. Há uma pesquisa em andamento de Isolde Hans Venturelli da universidade de Campinas que discute quem seriam de fato
estes profetas. Segundo a mesma, as estátuas representariam não os profetas
bíblicos, mas sim, os doze principais inconfidentes. Aleijadinho teria deixado
pistas na aparência e postura de cada uma das esculturas. Não poderia explicitar
isto por conta da perseguição que iria sofrer. Ainda não há um
trabalho conclusivo a respeito do fato, mas é apenas mais uma amostra de como
nem tudo é o que parece ser.
Como em muitas histórias,
há além de toda a saga dramática, o herói e também o vilão. E o nome desse
vilão foi Joaquim Silvério dos Reis, que ficou conhecido por delatar ao Marquês
de Barbacena as tramas da conjura. O que pouca gente sabe é que este famoso
delator veio morar em nossa região. Exatamente. Veio morar na cidade de Campos
dos Goytacazes. Pelo menos é o que nos conta Antonio Alvarez Parada em seu
livro “Histórias curtas e antigas de Macaé”. Segundo Parada Silvério dos Reis
teria vindo morar na fazenda do visconde de Asseca. O fato é que seu sogro, o
Coronel Luiz Alves de Freitas Bello administrava as propriedades do Visconde, e
como as coisas podem não ter ficado muito boas em Minas Gerais para Silvério, ao menos inicialmente, ele deve ter resolvido respirar novos ares.
Parada cita texto de
Alberto Lamego em que Silvério havia feito um requerimento
de uma sesmaria no sítio de Macaé, rio Macaé acima. Este fato teria ocorrido em
3 de julho de 1796. O que se sabe é que estas terras requeridas não chegaram às
mãos de Silvério. Com relação a sua permanência na região, Parada relata que
teria durado alguns anos, provavelmente dois ou três, sendo que em 1797 Joaquim
Silvério e seu sogro foram obrigados a deixar a região por ordem do Chanceler
da relação do Rio de Janeiro devido a inúmeras violências praticadas.(PARADA,1995,p.47).
Mas de fato o que mais
intriga entre tantas figuras interessantes é o personagem e o mito do alferes
de cavalaria que ficou conhecido pelo apelido de Tiradentes. Quem foi esta
figura que a partir de nossa proclamação da República em 1889 se tornou mártir
e herói de todo um país? Confesso que não é pergunta fácil de responder. Muitos
já tentaram. Muitas opiniões já foram emitidas. Algumas regadas a muita paixão.
Outras apenas sob a frieza do olhar de Clio.
A inconfidência Mineira, no sentido de revolução, foi um movimento que não aconteceu. Foram somente encontros, conversas,
conspirações ou apenas “sonhos de poetas” como acreditam alguns. Com relação ao
“herói” inconfidente, muitos dos que se debruçaram sobre os acontecimentos não
viram nada de nobre na figura do alferes. Alguns dos acusados, tudo indica,
nada tinham a ver com a intriga, como foi o caso de um dos mais iminentes
“personagens” da conjuração, Thomás Antonio Gonzaga. Isso mesmo. Ele que é
visto como um dos líderes da conjuração pode ter tido pouca participação ou
conhecimento do que ocorria, e quando soube de algo, fez o possível para que
não ocorresse à derrama, fato que seria desencadeador da revolta. Oiliam José
nos diz que “a posição de Gonzaga em face
da revolução de Minas não pode ser outra; amigo de Claudio e Alvarenga teve
notícia da preparação do movimento sem aderir a ele."
Capistrano de Abreu, por
exemplo, disse que “a conjuração mineira
não passara de conversa fiada, como evidenciava a sentença alinhavada depois de
quatro anos (foram três anos) laboriosos.”Sobre a figura do herói da
conjuração, teria dito, baseado nos depoimentos que “ nem naquella, nem nesta achara matéria prima de um grande homem.”
Logicamente que a posição de Capistrano não é unanimidade. Oilian José, que é
um dos autores de uma das biografias de Tiradentes o descreve da seguinte forma:
Tiradentes é herói, possuindo assim suas
dimensões históricas reais, que não são vulgares... Já Augusto de Lima
Júnior em seu livro “História da inconfidência de Minas Gerais” diz que
Tiradentes “pregava a liberdade, a
igualdade e a fraternidade entre os homens, e o acesso de todos aos tesouros
que a natureza havia depositado em terras do Brasil”. Venhamos e
convenhamos, há que se lembrar de que Tiradentes era dono de escravos e que
possivelmente esta liberdade e igualdade não seriam tão amplas assim.
Enfim, ir a Minas é isto.
Dar verdadeiramente um mergulho nos livros didáticos e sair de lá com um monte
de novidades e dúvidas na cabeça. Desconstruir muitas verdades oficiais. Possivelmente
sair sabendo mais e com um grande desejo de retornar o mais breve possível. Sentir
de perto um passado que ainda deixa muitas marcas. Respirar sem dúvida alguma o
Brasil e muito de sua História. Grande abraço, visite Minas e até a próxima.
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