Quem é nascido em Macaé ou
vive aqui há muitos anos já deve ter ouvido falar da lenda de Santana, a santa
que por diversas vezes teria fugido da Capela que fica no alto do morro de
mesmo nome para a ilha também conhecida com o nome da santa. Vários
Historiadores locais e memorialistas já a descreveram e são fontes preciosas
para que “histórias” como esta não se perca no passado. É interessante notar as
mudanças que ocorrem ao longo do tempo, o que é acrescido e o que é perdido
devido às falhas e a seleção da memória. Como os “fatos” tomam tantas dimensões
com o passar dos anos.
Antonio Alvarez Parada,
conhecido e reverenciado professor da cidade, autor de vários livros sobre a
memória e a História do município está entre os ilustres nomes que não deixam o
passado da cidade morrer. Para aqueles que chegam todos os dias a cidade de
Macaé, cidade esta que hoje tem sua identidade atrelada à exploração do
petróleo, o passado local não lhes é apresentado de nenhuma forma. Infelizmente
não temos mais, ou temos poucos “Tonitos e Armandos” para preservar nossa
memória. Há excelentes Historiadores locais como minha querida Mestra Conceição
Franco, o Professor Marcelo Abreu, e a Historiadora Ana Lúcia Nunes entre
outros, mas falta um pouco de difusão de seus trabalhos na mídia local para que
pudéssemos nos deliciar com esse passado que poucos têm o prazer de conhecer. Mas vamos nos ater à história da santa Ana, a
santa “fujona” de Macaé.
De acordo com Alvarez Parada,
um antigo vigário de Macaé, o padre Jameau, seria um dos responsáveis por
romancear ainda mais a lenda de Santana, introduzindo detalhes curiosos e que
nas palavras de Tonito, “vale a pena relembrar”. No livro “Histórias curtas e
antigas de Macaé” Alvarez Parada nos relata que Jameau descreve a “existência da galeria ou túnel que ligaria certo
ponto, ás margens do rio Macaé ao cimo do morro de Santana, mais precisamente a
um alçapão atrás do altar mor da igrejinha.” (PARADA, p.67-68). Este seria o caminho pelo qual a santa
“fugiria” das dependências da igreja para ir de volta à ilha que leva seu nome,
local onde a santa teria sido encontrada por pescadores. Em seus escritos o referido padre dá
“detalhes” curiosos do túnel de ligação encontrado por ele e por um indígena
local que o acompanhava.
“Caminhou pouco tempo, parando afinal
ele em frente de uma espécie de furna habilmente dissimulada (...) e foi
avançando, avançando cautelosamente, até uma galeria cuja altura podia ser de
oito palmos de largura. Essa galeria seguia da encosta para o maciço no morro
em linha oblíqua, abobadada de tijolos, chegando em um amplo salão sombrio, o
índio parou, tateou a parede e achando imperceptível botão, apertou.
Instantaneamente uma porta abriu-se, deixando aparecer um quarto de oito palmos
quadrados, de paredes ornadas de azulejos...”(PARADA, p.68)
A
descrição do padre me faz lembrar aqueles filmes de Indiana Jones em que
paredes se moviam, alçapões se abriam e pilastras desabavam ao leve toque de
“pedras detonadoras” disfarçadas inofensivamente na parede. Mas as
“descobertas” do padre Jameau não terminam por ai, há mais detalhes
interessantes que mexem com a nossa imaginação. Continuando com o relato, ele
nos diz que “no fundo, rico altar cujo
trono achava-se munido de pesados castiçais de prata maciça e em cima a imagem
de santo Inácio de Loyola do mesmo metal”. (op.cit.p.68) Para quem não
sabe, Inácio de Loiola foi o fundador da ordem dos jesuítas, ordem esta que
teria se instalado em Macaé e fundado a igreja de Santana por volta de 1630 e
por aqui permanecido até 1858, ano em que por problemas com moradores locais e
com outro padre, Vaz Pereira, de Nossa Senhora das Neves, foram mandados de
volta a Portugal e substituídos por outros padres, agora não jesuítas. No ano
seguinte são expulsos definitivamente do país por ordem do Marques de Pombal. É
interessante notar que no inventário da igreja realizado após a expulsão dos
jesuítas, não foi encontrado nenhuma imagem de Inácio de Loiola. Segundo Márcia
Amantino era comum encontrar a imagem daquele que fora o fundador da ordem
jesuíta em igrejas dirigidas pelos mesmos. (AMANTINO, 2011, p.53).
Armando
Borges, outro memorialista local nos relata com alguns outros detalhes essa
instigante lenda. Talvez comece a ficar um pouco mais claro essa nossa
História. Baseado no relato do mesmo, o que ocorria na localidade era um
entrevero por conta do local de construção da igreja de Santana. Borges explica
que
“No século
XIX existia em Macaé uma colônia de pescadores que devido à fragilidade de suas
embarcações e o rudimentar sistema de pesca, não iam além da ilha do francês, e
sonhavam fazer lá uma colônia de pesca com colegas, os quais estavam de pleno
acordo; mas para tanto, precisavam de força superior para protegê-los. Todos
devotos de Santana, lançaram a ideia entre eles de construírem na ilha, a
igreja que os padres jesuítas haviam planejado construir no morro. Mas para
isso seria necessário que a santa se “manifestasse” favoravelmente e os padres
se convencessem de que a santa preferia a ilha”. (BORGES, 2005, p.114).
A partir deste desejo de se
construir a capela na ilha, e da necessidade da “manifestação” da santa em
favor disto, ela começa a partir daí a “fugir” e aparecer justamente na ilha do
francês. Este fato teria ocorrido pelo menos duas vezes vindo a ser
“encontrada” por pescadores na referida ilha e sendo entregue aos jesuítas.
Parecia estar claro que a santa estava de acordo e queria de fato ir morar na
ilha para proteger os pescadores. A santa gostava da ilha, fugia para lá por
saudade e tristeza. Mas para o padre Jameau as explicações das sucessivas fugas
se deviam por outro motivo. Ocorriam por conta do “mau comportamento do povo, que de uma feita, após receber a imagem com
hinos religiosos, fechou a igrejinha e entregou-se a festejos populares de
moralidade não muito elevada.” (PARADA, op.cit, p.74). Ainda de acordo com
Jameau, a santa só teria deixado de fugir depois que outro padre campista veio à
cidade para uma cerimônia religiosa para que Santana parasse com suas fugas. Já
Borges nos diz que as fugas deixaram de ocorrer quando os jesuítas fizeram um
acordo com os pescadores batizando a ilha do Francês com o nome da santa, e
francês passou-se chamar a ilha que fica a esquerda da agora denominada ilha de
Santana. Outro ponto com relação a construção da igreja no morro de Santana é o
que diz respeito ao posicionamento da frente da igreja. A lenda diz que a
primeira capela ficaria de frente para o mar, e de tanto olhar para as ilhas, e
se entristecer de saudades a santa acabaria fugindo para lá. A nova capela
teria sido construída de frente para a região serrana, ou seja, de costas para
o mar para que a santa não visse as ilhas. Segundo a Historiadora Conceição
Franco, o posicionamento da Igreja de costas para o mar, não se deve a questão
da santa, e sim ao grande desenvolvimento econômico da região de Nossa Senhora
das Neves, região serrana do município e grande celeiro produtor de alimentos
que abasteciam a cidade do Rio de Janeiro e que no final do século XVIII possuía
um grande desenvolvimento econômico com inúmeras fazendas, grandes
proprietários chegando a ter uma população superior a da região do litoral de
Macaé.
Santana para quem não sabe, foi avó de Jesus
cristo, e segundo o Historiador Anderson de Oliveira, a segunda santa mais
cultuada no Brasil colonial. Era conhecida como a protetora das famílias, como
mestra e guia e seu culto associou-se a educação como forma de resistência as
heresias. (OLIVEIRA, 2011, p.109). Interessante notar que mesmo tendo Santana
como principal santa protetora e tendo a maioria dos devotos da localidade, no
momento de criação da Vila de Macaé, invocou-se outro “santo”, desta vez o de
nome João, que em princípio nada teria haver com a região. Seria uma homenagem
ao príncipe regente D.João VI. Este fato de dar nomes de santos a cidades para
homenagear nobres e políticos não era incomum e ocorreu muito no Brasil. Para
citar outros dois exemplos a Cidade de São Salvador dos Campos dos Goitacases,
ou Campos, como nos referimos comumente. O são Salvador de Campos não é o
cristo, mas sim Salvador Correia de Sá, antigo Governador do Rio de Janeiro e
que doou terras naquela região para seus filhos, os Assecas. A cidade vizinha
de São João da Barra é outra cidade que tem seu nome definido da mesma forma. O
João de lá, não é o mesmo de Macaé (apesar de o santo ter de ser), mas sim João
de Sá, filho de Salvador Correia de Sá.
Fontes:
Márcia Amantino – Claudia
Rodrigues – Carlos Engemann – Jonis Freire (organizadores). Povoamento, catolicismo e escravidão na
antiga Macaé. Rio de Janeiro, 2011, Apicuri.
Antonio Alvarez Parada. Histórias curtas e antigas de Macaé. Rio
de Janeiro: Artes Gráficas, 1995.
Armando Borges. Histórias e lendas de Macaé. Itaperuna,
Damadá artes Gráficas, 2005.